
À FORBES, o governante disse acreditar que o digital pode fazer de Cabo Verde um país relevante no contexto internacional, ancorado nos dois polos do parque tecnológico acabados de inaugurar formalmente, em Maio, na capital Praia, ilha de Santiago, e no Mindelo, São Vicente.
O que é que a inauguração do Parque Tecnológico de Cabo Verde (TecHParkCV) representa para o país?
Representa o início de uma história bonita. Cabo Verde tem o sonho de diversificar a sua economia através do digital, se desenvolver através do digital, tornarmo-nos numa nação digital e que utiliza esta ferramenta para desenvolver o país. Para isso é preciso apostar na formação, nas infra-estruturas e num ambiente condizente a aquilo que é esse sector.
Quais são os grandes objectivos do TechParkCV?
Temos um parque tecnológico com o objectivo não só de servir Cabo Verde, mas servir toda a costa ocidental africana, servir o atlântico e servir os países que falam português em África. A ideia é aproveitar a nossa centralidade atlântica, aproveitar o facto de Cabo Verde ser uma referência na área da governação electrónica e na área da boa governança para, através de uma infra-estrutura como o parque tecnológico, ter pessoas do mundo inteiro a criar, a formar e a desenvolver soluções tecnológicas para os desafios do mundo.
Como é que o parque tecnológico vai impulsionar a economia de Cabo Verde?
O objectivo é nós termos empregos de qualidade, como já temos. Dou exemplo de uma empresa internacional que responde a ataques cibernéticos no mundo inteiro, a partir de Cabo Verde, e que já emprega mais de 50 jovens, no polo do TechPark da cidade da Praia, e que irá empregar também no polo de Mindelo, em São Vicente. Empresas como estas pagam mais do que o salário médio nacional, dão boas condições aos seus trabalhadores e fazem com que os cérebros não precisam sair do nosso país para conseguirem desenvolver os seus talentos. Então, nós estamos nessa caminhada de entender que Cabo Verde pode ser um hub de serviços tecnológicos. Estamos a uma hora de Dakar (Senegal), somos o país africano mais próximo dos Estados Unidos da América, estamos a apenas três horas e meia do Brasil , três horas e meia também de Lisboa, e então há esta centralidade de prestação de serviços.
Sente que há condições para que os jovens não busquem outras oportunidades no mundo da tecnologia lá fora?
A língua inglesa em Cabo Verde já é ensinada a partir do 5º ano, as novas gerações começam a participar neste mundo global e nós acreditamos que os cabo-verdianos não precisam sair de Cabo Verde para fazer negócios através do digital. Acreditamos que estamos a criar uma ponte para que a diáspora regresse, porque quando se vê o país a investir, se veem as condições, infra-estruturas de qualidade, conectividade, a diáspora vai querer regressar ao país de origem. E depois também há pessoas que acreditam em Cabo Verde, um país com estabilidade democrática, um país que respeita a dignidade das pessoas, um país que aposta nas pessoas e um país seguro. As pessoas querem que os seus negócios possam estar neste tipo de países. Acreditamos que, depois, consequentemente a economia vai crescer, com o digital, com empregos de qualidade, com negócios a serem gerados aqui em Cabo Verde. Então há uma aposta clara do país no sector económico, que permite um pequeno país tornar-se relevante no sector digital.
Um país pequeno, mas com muito mercado…
Somos pequeno sim, mas temos grandes mercados connosco, queremos ser a ponte para estes grandes mercados e ser pequeno neste sector pode significar ser mais rápido, mais ágil, ser mais flexível. Acreditamos exactamente na importância do digital para diversificar e para fazer crescer a economia do nosso país.
Visto de outro ângulo, o TechPark surge também como um aliado do Governo na missão de reduzir a taxa de desemprego. Certo?
Sim. O TechPark é uma infra-estrutura de base onde, como nós dizemos, os guerreiros digitais vão ter a sua sede, e aí vai dar a possibilidade à toda uma geração de se formar e trabalhar num sector que no mundo inteiro tem muita procura.
O que é que o TechPark pode representar em termos de oportunidades para a população cabo-verdiana?
O reforço da literacia digital, o reforço de uma infra-estrutura de qualidade onde se pode formar jovens nesta área, independentemente da sua classe social. O digital é uma ferramenta de escala social, não é apenas para quem é de uma classe social alta. Ele é exactamente uma ferramenta de escala social que permite a quem não tenha condições chegar mais longe. Eu digo sempre e acreditamos que o verdadeiro poder é o conhecimento. O parque tecnológico vai ter espaços de formação, de certificação, de literacia digital, de capacitação para que depois a população cabo-verdiana possa ter mais condições e que este investimento numa infra-estrutura se reflita directamente na vida dos cabo-verdianos.
“Um pequeno país como cabo verde, nos últimos dois a três anos investiu mais de 100 milhões de dólares no digital. Um país que tem um Orçamento Geral do Estado inferior a mil milhões de dólares.”
Que influência o parque terá nas exportações e no potencial de Cabo Verde se tornar num hub regional de tecnologia?
Tem toda uma centralidade. A nossa estratégia de economia digital tem como base o parque tecnológico. É no parque que nós estamos também a definir uma Zona Económica Especial Tecnológica, onde as empresas podem desenvolver e testar ideias, mas também com incentivos fiscais e parafiscais muito atrativos, para que mais empresas internacionais se fixem nos parques. Nós já iniciamos no parque tecnológico uma fase de teste e assistimos agora apenas a abertura oficial. Neste momento já temos cerca de 400 pessoas a trabalhar no parque, já temos empresas de sete países. Queremos atingir, num curto prazo, 1.500 pessoas a trabalhar no parque e queremos ter empresas de mais de dez nacionalidades aí instaladas. Acreditamos que Cabo Verde tem todas as condições para isso. Normalmente neste meio falasse muito de capital de risco e investimento, mas o capital de risco e investimento só vem depois de existir o talento. Ele procura o talento, e não o contrário, e nós temos o talento.
Há talento, mas ainda assim, há que capacita-los…
Estamos a fazer esforço para capacitar pessoas, mas para criar uma verdadeira comunidade, e o parque tecnológico tem esta centralidade atlântica que depois nós temos de alimentar. Na cerimónia de inauguração estiveram várias pessoas de outros países africanos. Estiveram pessoas de países africanos onde se fala português e muitas do Brasil. Nós temos estado em fóruns internacionais a promover o nosso parque tecnológico para passar a mensagem nas pessoas que se querem fazer negócio, o futuro da tecnologia vai passar muito pelo continente africano. Mas se querem fazer negócios em África, devem fazer com os africanos e devem fazê-lo através de Cabo Verde, porque é um país moderno que representa uma África moderna, com talento, com pessoas capacitadas e onde os negócios são respeitados e as pessoas que estão cá também.
Que desafios se perspectivam que o TeckParkCV venha a enfrentar no que tem que ver sobretudo com a própria infra-estrutura, formação de mão-de-obra qualificada e integração no mercado global?
Acho que numa fase inicial o desfio maior do parque vai passar por ganhar visibilidade. O Governo acredita, mas há que convencer o mundo de que Cabo Verde está preparada para ser esse hub digital. Temos enviado várias mensagens que não é apenas um sonho. Temos feito um comprometimento político com o digital que não é apenas e só discursos, narrativas e vontade. Um pequeno país como cabo verde, nos últimos dois a três anos investiu mais de 100 milhões de dólares no digital. Um país que tem um Orçamento Geral do Estado inferior a mil milhões de dólares.
É como apostar tudo na tecnologia…
Estamos aqui a falar de um investimento sério na tecnologia. Com um reforço na conectividade com o cabo submarino EllaLink, com uma infra-estrutura do parque tecnológico em Santiago e em São Vicente, com um apoio à criação de empresas de base tecnológica, com um reforço também da conectividade nas praças digitais, estamos aqui a enviar uma mensagem que isto não é só vontade, não é só desejo. Há aqui políticas públicas e há um investimento claro. E depois temos parceiros certos que acreditam em Cabo Verde, como o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) – com o TechPark –, mas temos também o Banco Mundial – com um pacote de 20 milhões de euros, que foi agora estendido para mais de 20 milhões de euros –, o que mostra exactamente que o país está preparado, tem capacidade para fazer investimentos, sabe onde quer chegar, tem uma estratégia bem definida e com os parceiros certos, com toda a certeza, chegaremos lá.
Voltando aos desafios, a própria manutenção do TechPark será também um desafio que vocês terão que encarar, certo?
Certo. É óbvio que a manutenção do parque é um desafio. Primeiro temos que garantir o Break Even e depois fazer com que o parque tenha essa capacidade para garantir a sua sustentabilidade. Todo o negócio foi pensado, temos um Business Plan pensado, aliás, nós criamos esta empresa pública que é o TechPark S.A, que tem exactamente a responsabilidade de garantir a sustentabilidade do parque. Temos uma visão muito empresarial e não é preciso também ter muito receio nesta fase, porque o que nós precisamos é mais espaço, uma vez que todos os espaços já estão praticamente ocupados. Agora, por exemplo, fala-se de uma fase nova de expansão do parque tecnológico da Praia, ou seja, há um interesse e uma procura muito grande. Então, não estamos preocupados com a sustentabilidade do parque.
O mesmo é como dizer que a sustentabilidade está garantida?
Sim, já não é uma preocupação. Estamos preocupados sim em garantir que as empresas que se estabeleçam no parque tenham talento à sua disposição. Havendo pessoas capacitadas para trabalhar para essas empresas, com toda a certeza essas empresas vão ter sucesso e o sucesso dessas empresas será o sucesso do parque tecnológico.
Quais são os critério para que as empresas se possam instalar no TechPark, fora o facto de terem de ser empresas tecnológicas?
O critério é apenas garantir que é uma empresa de base tecnológica e depois acordar com o parque tecnológico aquilo que é o pagamento de uma renda, numa perspectiva, como eu disse, completamente empresarial. Não há aqui nenhuma preferência específica. Agora, temos a possibilidade de fazer acordos com empresas específicas que decidam estabelecer-se em Cabo Verde e queiram formar e empregar muitos jovens. Aí sim temos condições especiais que estamos dispostos a negociar, caso a caso. Como disse, o país é pequeno e permite-nos ter essa flexibilidade e há um comprometimento do Governo a nível do senhor primeiro-ministro e do vice-primeiro-ministro. Acho que há poucos países no mundo que têm a liderança e a cúpula a nível do primeiro-ministro e do vice-primeiro-ministro com um comprometimento tão grande com o digital. Eu acho que essa é uma mensagem forte. Havendo vontade política, havendo recursos, havendo também vontade dos cabo-verdianos em abraçar o digital, vamos em frente com toda a certeza.
Existe algum plano para a expansão do TechPark e de novos investimentos no futuro?
Existe sim. Não queria adiantar muito, mas há um espaço que já está a ser pensado para a fase II do parque tecnológico, exactamente por esta procura que existe, e já temos investidores interessados que querem ser parceiros de cabo Verde nesta empreitada. Por isso, o parque vai ser um edifício em constante evolução, é um projecto que está apenas a dar os seus primeiros passos, mas que já se começa a vislumbrar a fase II.

Pedro Lopes recebeu a Forbes África Lusófona no seu gabinete, na Praia, capital de Cabo Verde.
Que papel futuro o Techpark poderá desempenhar na integração de Cabo Verde no cenário tecnológico global?
Essa é uma pergunta interessante. Nós acreditamos que para se fazer negócios, por exemplo no continente africano, se falarmos da Nigéria, do Gana e outros países aqui da costa ocidental africana, temos que ter aqui também jovens nigerianos e do Gana em Cabo Verde e em parceria com jovens cabo-verdianos poderem desenvolver soluções para esses países. Queremos atrair talentos da costa ocidental africana para se estabelecerem em Cabo Verde. Mas, também, quando falamos por exemplo do Brasil, temos que pensar no fornecimento de talentos para aquele país que não tenham de sair de Cabo Verde. Dou exemplo de uma start-up que temos e que recruta talentos aqui que não têm qua sair de Cabo Verde para trabalharem para as empresas brasileiras.
E relativamente a Europa…?
Com a Europa podemos estabelecer-nos como uma porta de entrada para o continente africano. Há aqui que entender qual é que poderá ser o papel de Cabo Verde, se virmos a ser esta ponte, o que cada um dos continentes precisa o que é que cabo Verde pode lhes dar. Nós temos que explorar cada vez mais a ligação entre os ecossistemas, mas acreditamos que o digital pode verdadeiramente fazer de Cabo Verde um país relevante no contexto internacional.
Diz-nos, por favor, qual será de facto o papel do polo do TechParkCV de Mindelo?
O polo de Mindelo, para além de funcionar como um Disaster Recovery para os data centers, serve as ilhas do norte de Cabo Verde. Numa fase inicial, era apenas para ser um Data Center Disater Recovery, depois evoluiu para uma infra-estrutura que tem um espaço de coworking, um espaço de formação, para que o parque tecnológico não seja apenas uma infra-estrutura para servir a capital, mas que seja uma infra-estrutura para servir o país todo. Por isso é que o TeckPark tem os seus polos na Praia (Santiago) e em São Vicente, numa dinâmica completamente abrangente e nacional. Este é o objectivo e por isso é que decidimos fazer um investimento adicional para que as ilhas do norte do país não ficassem de fora.
Nos cerca de 400 empregos gerados até ao momento pelo TeckPark já se incluem também os do polo de Mindelo?
Ainda não, porque o parque estava em teste era aqui o da Praia. O de São Vicente estava numa fase final de edificação e que só agora é que vai começar a trabalhar, mas já garantimos empresas que vão se estabelecer lá, empresas internacionais também e que vão empregar pessoas.
O que é que se projecta em termos de empresas a serem instaladas lá e geração de empregos?
O objectivo é que no conjunto possamos chegar rapidamente aos 1 500 trabalhadores, entre Santiago e São Vicente.
Durante a sua intervenção na inauguração do polo do TechParkCV da Praia, o primeiro-ministro cabo-verdiano anunciou o lançamento de um centro de inovação. Que informações nos pode antecipar sobre esse projecto?
Nós queremos que as pessoas que estão em Cabo Verde – e já alguns trabalham nessa área – possam envolver-se na resposta aos desafios do país. O país tem muitos desafios e nós queremos servir melhor os cabo-verdianos. Acreditamos que quem tem talento e trabalha nesta área do digital, deve colocar o seu talento a solucionar os problemas do país. Vivemos numa altura em que se não colocarmos o nosso foco no envolvimento das novas gerações, na solução dos desafios do país, a única coisa que vamos gerar é frustração e descontentamento. E há uma nova geração de jovens cabo-verdianos e africanos no geral que querem participar activamente naquilo que é a resolução dos problemas dos países. Estamos a testar um modelo e a pensar num modelo com os nossos parceiros, onde pretendemos criar aqui um laboratório de boa governança, onde são mapeados os desafios do país e depois termos os jovens talentosos a responderem a esses desafios e a serem financiados para se envolverem directamente naquilo que é a construção de Cabo Verde do futuro.
Para o anunciado centro de inovação existe já algum projecto traçado?
Estamos ainda numa fase de estudos. O que nós podemos garantir é que temos financiamento, através do Fundo Morabeza, do Banco Africano de Desenvolvimento, que disponibiliza mais de 20 milhões de dólares para os projectos na área do digital em Cabo Verde. Precisamos entender que o TechParkCV é exacamente só um hardware. Depois a que se ter softwares, há que ter aqui a capacidade para vários programas dinâmicos que possam ter jovens a colocar as suas ideias ao serviço do país. Então, já garantimos o financiamento, temos o esboço, estamos numa fase de draft, estamos a aperfeiçoar e ver a melhor forma que pudemos implementar esse projecto.
A implementação deste projecto será a curto prazo?
Será sim a curto prazo. Nós queremos que isso seja realidade ainda dentro deste ciclo político que termina em 2026.
Comunicador versátil e estratega por vocação
Licenciado em Relações Internacionais e pós-graduado em Estratégia, Marketing e Comunicação, Pedro Nuno Alves Fernandes Lopes e também mestrado em resolução de conflitos internacionais, Foi especialista em Comunicação no escritório das Nações Unidas na Cidade da Praia. Dentre as várias funções, desempenhou também a de gestor de projectos e consultor de comunicação na Wansati Communications, foi director do “African Innovations Exhibit” e consultor de programas de mobilidade juvenil – Europe Direct, Câmara Municipal de Trieste, Itália, bem como gestor de projectos e gestor de negócios internacionais no Grupo Catarino. Na IX Legislatura, Pedro Lopes foi secretário de Estado para a Inovação e Formação Profissional.