O anúncio de Pedro Nuno Santos desfez o mistério sobre o desfecho do Orçamento do Estado (OE) para 2025 - o líder irá propor, na reunião da Comissão Política do PS, que decorre esta segunda-feira à noite, que o partido se abstenha em ambas as votações permitindo a sua viabilização. Ainda assim, o conteúdo final do documento pode vir a sofrer alterações já que todos os partidos da oposição vão lutar por imprimir as suas próprias marcas no documento durante a discussão na especialidade.

De acordo com as medidas já conhecidas, prevê-se um embate na área da fiscalidade com a direita a querer aumentar a descida do IRC e a esquerda a propor medidas no sentido contrário. Também as áreas da saúde, habitação e educação reúnem propostas em direções diferentes.

Contudo, os partidos estão conscientes de que a viabilização do PS diminui a margem de negociação já que o Governo tem a garantia de luz verde com o documento tal como ele está. Assim, a oposição terá de optar por encontrar maiorias que permitam contornar a vontade dos partidos de Governo como aconteceu em matérias como a alteração ao IRS ou o fim das portagens das ex-SCUT.

Chega faz finca-pé com IRC e IRS Jovem

Com críticas ao Orçamento “do Bloco Central”, com marca “socialista”, o partido de André Ventura quer ver alteradas medidas, como o IRC e IRS Jovem. Assim, insistirá na descida de 2% no IRC, através da redução gradual que estava prevista inicialmente pelo Governo (de 21% para 19% em 2025, 17% em 2026 e 15% em 2027). Adicionalmente quer também a redução gradual das derramas.

Quanto ao IRS, o Chega irá propor a redução transversal do imposto geral, com principal enfoque até ao 6.° escalão. O polémico IRS Jovem também é um dos pontos com que o Chega se irá bater, defendendo a alteração da medida para o formato previsto inicialmente pelo Governo. O partido vai sugerir também a redução da tributação sobre os combustíveis,com vista a torná-los “competitivos ao nível do paridade do poder de compra” com outros países da União Europeia (UE).

A nível da Administração Interna, sairá em defesa da criação de um plano de “equiparação do subsidio de missão da PJ a todas forças de Segurança”, assim como o reforço de verbas para o controlo fronteiriço e supervisão da Zona Económica Exclusiva. Por outro lado, quer o reforço de verbas para as unidades de fiscalização de prestações sociais, com “principal incidência” no RSI (Rendimento Social de Inserção).

Ainda esta quinta-feira André Ventura garantiu que o Chega fará fazer finca-pé com várias medidas, como o IRC e IRS Jovem. “O Orçamento na especialidade vai ser visto item a item, medida a medida, caso a caso. E o Chega cá estará para fazer valer as medidas que são importantes para as pessoas, que garantem o equilíbrio do Orçamento, mas também que garantem que este Orçamento não será igual ao do PS”, assegurou. O objetivo será garantir que há uma "maioria parlamentar capaz de fazer reverter muitas das medidas que o Governo anunciou no Orçamento", admitiu, antecipando eventuais coligações negativas: “Vamos procurar na especialidade garantir que há uma maioria parlamentar capaz de fazer reverter muitas das medidas que o Governo anunciou no Orçamento".

Liberais defendem redução do IRS para todos e descida do ISP

Ainda antes da apresentação do OE2025, os liberais já tinham apresentado três pacotes de medidas ao Governo. Medidas que deverão constituir a base das propostas de alteração ao documento, que consideram não divergir muito do Orçamento entregue pelo anterior Executivo socialista. E, por isso, o voto a favor da IL está fora de questão. À semelhança do Chega, o partido liderado por Rui Rocha está contra a descida de apenas um ponto percentual do IRC (de 21% para 20%) e insistirá na especialidade numa descida mais acentuada do imposto sobre as empresas, querendo fixar a taxa em 12% para a generalidade das empresas e 15% para as multinacionais.

No que toca ao IRS, a Iniciativa Liberal (IL) irá propor a redução do IRS para duas taxas de 15% e 28%, atualizar os limites dos escalões, refletindo a inflação acumulada que não tenha sido contabilizadas.

Os liberais propõem ainda a redução do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos) e a redução das tabelas de retenção de IRS e o fim da obrigatoriedade do pagamento por conta, para os trabalhadores independentes.

A nível da Habitação, ao partido voltará a defender a redução do IVA da construção para 6% e a redução da tributação dos rendimentos prediais e mais-valias imobiliárias para 14,5% sem englobamento obrigatório e a revogação do adicional ao IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).

Por outro lado, a IL insistirá com medidas-bandeira do partido, como a privatização da TAP e RTP; assim como a criação de um cheque-creche, para que cada família possa escolher uma creche pública, privada ou social.

Bloco de Esquerda quer “inverter prioridades” do OE na saúde, habitação e fiscalidade

O partido de Mariana Mortágua tem sido um dos mais vocais nas críticas ao Orçamento do Estado para 2025 – tendo anunciado que iria votar contra ainda antes do documento ser conhecido. Ainda assim, também o Bloco irá “a jogo” e será mais um dos partidos a levar propostas próprias à discussão em especialidade.

O partido não anunciou as medidas concretas que tentará aprovar, mas Mariana Mortágua deu a entender que devem ser focadas nas áreas da saúde, habitação e justiça fiscal. “Vamos apresentar as medidas que achamos necessárias para transformar um mau orçamento num orçamento que responde pelo SNS, pelos hospitais, pela habitação, pela justiça fiscal e que inverte as prioridades deste mundo ao contrário que o PSD resolveu apresentar nos em que se defende os mais ricos e se castiga o resto da população”, lançou a líder bloquista esta sexta-feira, no discurso de reação à decisão de Pedro Nuno Santos.

Nas críticas ao documento atual, Mariana Mortágua deu mais algumas pistas sobre as medidas que o Bloco tentará revogar ou, pelo menos, substituir por outras. Uma delas passa pelas cativações que os bloquistas criticam, outra pelo congelamento das contratações para o Estado. “O Estado não vai contratar nem mais um professor, oficial de justiça, enfermeiro, médico. Todos os problemas que havia no serviço público vão continuar a haver”.

PCP insiste nos salários, pensões, habitação e saúde

Apesar de ser um dos partidos que anunciou o voto contra logo à partida (à semelhança do Bloco de Esquerda), o PCP também irá tentar ver propostas próprias serem aprovadas na discussão na especialidade. Os comunistas anunciaram um primeiro pacote de 14 medidas que abrangem as áreas dos salários, habitação, saúde, serviços públicos e impostos. A maioria das propostas fazem parte de reivindicações antigas do partido, desde logo o aumento do salário mínimo para 1000 euros em janeiro de 2025 e o aumento extraordinário das pensões em 5%.

Das exigências fazem parte outras lutas antigas do PCP como a criação de um regime de dedicação exclusiva no SNS e o fim das propinas. Na área da habitação, o partido vai defender que sejam os lucros da banca a suportar os aumentos das taxas de juro e modificações nos contratos de arrendamento para que passem a ter uma duração de 10 anos e com limitações no valor. Nos serviços públicos, o PCP quer a criação de uma rede pública de creches e outra de lares. O partido irá propor o desbloqueamento da contratação de trabalhadores do Estado, uma das reivindicações em comum com o Bloco. As propostas estendem-se também às áreas da fiscalidade com a redução do IVA para 6% da eletricidade, gás e telecomunicações.

No lado oposto do espetro político ao do Governo, o PCP está ciente das dificuldades em conseguir aprovar medidas com o PSD e CDS. Ainda assim, mantêm a esperança de unir a oposição e repetir vitórias como no IRS ou nas ex-SCUT.

Livre quer “herança social” e semana de quatro dias

Ainda antes de o OE ser conhecido na totalidade, o Livre já tinha definido as principais medidas que gostaria de ver no documento. À cabeça, a proposta de herança social que prevê que cada jovem, entre os 18 e os 35 anos, tenham acesso a uma quantia para investir na educação, "abrir um pequeno negócio" ou "pagar ou ajudar a pagar a entrada para uma casa". Esta tem sido uma bandeira do partido liderado por Rui Tavares e foi agora proposta como uma alternativa à medida polémica do IRS Jovem. Com o PS a confirmar a viabilização do OE com a última formulação do IRS Jovem, o Livre poderá ter dificuldades acrescidas em conseguir ver esta proposta aprovada.

Há ainda outras medidas que o Livre irá levar à discussão orçamental como a continuação do projeto-piloto da semana de quatro dias, o aumento das prestações do abono de família e a aposta no restauro da natureza e habitats. A somar a isto, o partido vai insistir no Programa 3C - Casa, Conforto, Clima para melhorar o isolamento térmico das casas.

À esquerda do PS, o Livre é o único partido que ainda não confirmou o voto contra o OE e que, por isso, mantêm-se na mesa das negociações. Contudo, a viabilização do PS permite ao Governo ceder menos na incorporação das medidas da oposição já que o documento tem luz verde garantida tal como está.

PAN quer mais apoios a famílias carenciadas e verba superior para o bem-estar amimal

O PAN também não poupou críticas à proposta de Orçamento do Governo, considerando que tem “retrocessos preocupantes” que justificam o voto contra do partido.

Em termos globais, Inês de Sousa Real vai bater-se por mais apoios a famílias carenciadas, assim como o aumento das verbas destinadas à defesa do Ambiente e dos animais. Entre as propostas de alteração, irá propor o aumento do fundo de apoio municipal para que os municípios possam fazer face aos estragos de eventos climáticos extremos; 600 milhões de euros para o uso de transportes públicos e a redução do preço dos passes metropolitanos com um “compromisso de atingir a gratuitidade até ao fim da legislatura”.

O partido insistirá ainda na redução do IVA das rações e dos cuidados médico-veterinários para 6%, duas das suas principais medidas-bandeira.

Preocupada com os jovens, Sousa Real quer garantir ainda que os todos jovens inseridos no agregado familiar dos pais possam beneficiar do IRS Jovem, permitir que os juros do credito à habitação possam ser deduzidos em sede de IRS, bem como o aumento dos limites do Porta 65 em linha com o valor do aumento das rendas.