
“Gosto de trazer magia à vida das pessoas”. A madeirense Candy Flores, 37 anos, não faz as coisas por menos. Impactar o mundo onde vive e ser a número um naquilo que faz é a sua maior ambição. Confessa ter muitas almas numa só alma, muitas vidas numa só vida. E talvez por isso não seja difícil de entender porque está ligada ao desenvolvimento tecnologia do metaverso, dos mundos virtuais e dos digital twins.
Em criança sonhava ser Médica Sem Fronteiras, queria ser livre sem ter de trabalhar para alguém, e sobretudo conhecer o mundo. “Talvez tenha uma síndrome qualquer porque nasci numa ilha. Nascemos num espaço tão confinado, tão pequeno, que a nossa vontade é abrir as asas, voar e ver o mundo inteiro”, graceja. Hoje viaja para o todo o lado em negócios, mas encontra sempre na sua ilha o conforto do lar.
A empreendedora, CEO da Madalia Worlds, criou, com o marido, João Moreia, CTO, um projeto único no mundo, a primeira plataforma de metaverso e digital twins, inteiramente sustentável, com zero impacto a nível mundial, e tudo mensurável, como faz questão de ressalvar. Através dela lançou uma ilha virtual, gémea da Madeira, o primeiro mundo virtual reconhecido por um governo, através do qual se pode visitar todo o território de, incluindo debaixo do mar.
“O nosso primeiro teste foi digitalizar uma ilha inteira. Foram 750 quilómetros quadrados de terra, duplicada virtualmente e possível de explorar. E, além disso tudo, numa plataforma 100% sustentável”, refere Candy Flores, CEO da Madalia World.
Candy Flores, cujo nome faz jus à sua terra natal, recebeu a Forbes Portugal num exclusivo espaço na Avenida da Liberdade em Lisboa, o Valverde Hotel, que disponibiliza aos seus hóspedes um frondoso e exótico jardim, dentro dos muros da cidade. Talvez porque represente bem as suas origens, foi entre esses verdes ramos que posou para as nossas lentes. Paciente para a fotografia, como é para os negócios, revela que 17 anos depois de iniciar os seus primeiros contactos com a área da tecnologia, sente agora que está realmente a trabalhar no legado que gostaria de deixar ao mundo. Uma tecnologia limpa, que contribua para resolver problemas da humanidade, como a questão da sustentabilidade. Explica-nos o que é a computação fractal, inovação criada pela sua equipa, expoente da tech for good, tema que abraça com dedicação. Acredita na capacidade da tecnologia para trazer o bem ao mundo, e não teme o que aí vem com o advento da inteligência artificial, pois o ser humano vai saber adaptar-se.
Candy Flores foi distinguida como uma das 100 mulheres mais influentes nas tecnologias emergentes, pela iniciativa Women of the Future, e integrou a lista da Forbes das 55 Mulheres Mais Poderosas nos Negócios em 2024.
A entrada da empreendedora no mundo das tecnologias
Foi com 18 anos que deixou a família para se aventurar na capital portuguesa, cidade para a qual foi estudar Análises Clínicas, no Egas Moniz School of Health & Sciences. Foi durante o estágio que percebeu que não era talhada para a profissão. Começou a ver como funcionam os hospitais, que não podia mudar o que via de errado, e que, por isso, não era este o seu caminho. “Eu sabia que tinha de estar numa posição em que tivesse poder para mudar coisas”, refere. Além disso, filha e neta de empreendedores, – gostava, por exemplo, de atender os clientes estrangeiros na loja de licores do avô -, nunca quis trabalhar para alguém, pois precisava da sua liberdade criativa. “Sempre tive aquela vontade de fazer as minhas próprias coisas, de mostrar a minha forma de ver o mundo e a forma como eu acho que as coisas deveriam ser feitas. Podem-me chamar teimosa; eu chamo-lhe persistência”, assume.
O negócio cresceu e decidem procurar qualidade de vida, fazendo as malas e partindo em direção à Madeira. “Sendo uma empresa de tecnologia, que trabalha com o virtual, não havia barreiras pela distância”, explica a CEO.
Era ainda estudante quando a tecnologia surgiu na sua vida, na forma mais doce possível. Conheceu João Moreira, lisboeta, um craque da tecnologia que programava desde os 13 anos, com quem partilha ainda hoje a sua vida. Viviam juntos em Lisboa quando decidiram unir forças e formar a Lim9, em 2012, a sua primeira empresa. “No fundo a primeira agência nasceu da necessidade de pagar contas. Ele sabia programar, eu sabia vender e começamos a vender serviços de websites. Andei a vendê-los de porta em porta”, explica. Os clientes multiplicaram-se, o negócio cresceu e decidem então, dois anos depois, procurar qualidade de vida, fazendo as malas e partindo em direção à Madeira. “Sendo uma empresa de tecnologia, que trabalha com o virtual, não havia barreiras pela distância”, explica a CEO.

Candy Flores, empresária co-fundadora da Dimmersions e da Madalia World. Foto/Marisa Cardoso/Hotel Valverde em Lisboa
Apostar naquilo que fazemos bem feito
Quando o negócio da Lim9 deixou de fazer sentido para a dupla de empreendedores, fizeram um rebranding do mesmo, criando assim, em 2018, a Dimmersions, uma agência de inovação especializada em tecnologias imersivas. Nessa altura já tinham um portefólio alargado de clientes, quer a nível nacional, quer internacional. Já há algum tempo que estavam a explorar as tecnologias de realidade aumentada e realidade virtual, mas ainda era tudo muito novo. Candy recorda como conseguiu o seu primeiro cliente para a realidade virtual: “O primeiro projecto que vendemos foi à Fiat, um test drive virtual. Foi um sucesso, as pessoas ficaram encantadas. E eu pensei: parece magia. É isto que quero fazer. Foi aí que comecei o processo da evangelização das tecnologias imersivas”. Muitos destes clientes migraram para a nova empresa, contam-se, entre eles, o Governo Regional da Madeira, o Governo dos Açores, o Grupo Sonae, a PWC, a Teleperformance, a Luz Saúde, entre muitos outros.
Visivelmente orgulhosa da sua conquista, a empreendedora, que confessa que tudo o que sabe de tecnologia aprendeu no terreno, sem formações específicas, explica que não há nenhuma plataforma a nível mundial que concentre num só sítio todas as ferramentas das tecnologias emergentes.
Porém, este caminho não ser suficiente para um espírito irrequieto como de Candy Flores. Porque não nos concentramos naquilo em que somos mesmo bons?, questionou-se a empresária. “Se somos bons no desenvolvimento tecnológico, então é nisso que nos vamos centrar. E vamos ser os melhores a fazê-lo”, recorda. E, depois de mais uma reviravolta, em 2022, nasceu o projecto Madalia World. “Madalia é o culminar de todos aqueles anos de research and development tecnológico, em que criarmos a nossa versão e o nosso entendimento da tecnologia. É tudo aquilo que queríamos que fosse uma plataforma de tecnologias emergentes”, refere Candy Flores. Visivelmente orgulhosa da sua conquista, a empreendedora, que confessa que tudo o que sabe de tecnologia aprendeu no terreno, sem formações específicas, explica que não há nenhuma plataforma a nível mundial que concentre num só sítio todas as ferramentas das tecnologias emergentes. Só a Madalia World.
O que é a computação fractual, inspirada na natureza
“Queríamos ser o 360 das tecnologias emergentes. E esta plataforma foi construída para ter uma abordagem holística, de ser capaz de lidar com grande quantidade de pessoas em simultâneo, e ao mesmo tempo ser sustentável”, afirma Candy. Este era um ponto de honra para si: Madalia tinha de ser a primeira plataforma com zero impacto a nível mundial. E este teria de dar oportunidade a qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, de utilizar uma plataforma de uma maneira simples para aceder, não só nas tecnologias imersivas – a realidade aumentada e a realidade virtual -, mas que todas as outras, como o blockchain ou a Inteligência Artificial.
Para que tudo isto fosse possível, a empresa criou um sistema inovador, chamado de computação fractal, uma solução inspirada na natureza. E Candy explica, de uma forma simples, em que consiste: “observamos a natureza e percebemos como funciona. A natureza não está sempre ligada, liga-se e desliga-se conforme a sua necessidade. Aplicámos isso à tecnologia”. Ou seja, o processamento da plataforma liga e desliga conforme o número de utilizadores, de uma forma dinâmica. Se há necessidade de mais poder computacional, liga-se, e se não está ninguém a utilizar desliga-se. Além disso, ainda estabelece uma relação de simbiose com os dispositivos dos clientes, quando eles estão a usar as suas ferramentas.
Na altura, o impacto mundial foi enorme: todo falavam do metaverso da Madeira. Mas Candy explica que a plataforma não era sobre a Madeira – este foi apena o projeto piloto -, pois recebe qualquer projeto de digital twins.
O seu objetivo da empresa passa por fazer pela tecnologia do metaverso o mesmo que a Stripe fez pelos pagamentos online: torná-la fácil de usar, simples de implementar e disponível em todo o lado. “O nosso primeiro teste foi digitalizar uma ilha inteira. Foram 750 quilómetros quadrados de terra, duplicada virtualmente e possível de explorar. E, além disso tudo, numa plataforma 100% sustentável. Queríamos provar que conseguiríamos processar naquela plataforma o maior digital twin construído até à data”, diz.
Na altura, o impacto mundial foi enorme: todo falavam do metaverso da Madeira. Mas Candy explica que a plataforma não era sobre a Madeira – este foi apena o projeto piloto -, pois recebe qualquer projeto de digital twins. Trocando por miúdos, um digital twin consiste numacópia virtual de um objeto físico, um sistema ou um processo, utilizado para criar simulações que ajudam a prever comportamentos e a tomar melhores decisões.
A empresa que já acumula mais de 60 grandes clientes, nacionais e internacionais, em quase todas as áreas de atividade, estima ultrapassar os dois milhões de euros de faturação já este ano. Candy Flores explica que os ganhos para os clientes são inúmeros: “além de terem a melhor experiência no mercado, porque ninguém neste momento consegue colocar tantos utilizadores em simultâneo a fazer uma experiência de alta qualidade em realidade virtual sem ser na nossa plataforma, ainda escolhem ser sustentáveis”. Além disso a plataforma trabalha de forma modular, personalizada, permitindo que o cliente comece com algo mais pequeno e vá expandindo a utilização, sem ter de começar tudo do zero. Para já, Madalia está disponível para clientes, mas o próximo passo é torná-la aberta a todos os utilizadores.
“Trabalhamos muito com empresas em Paris, de grupos como o da Louis Vuitton e da L’Oréal. Aqui usamos a realidade aumentada para dar atenção ao detalhe e criar uma abordagem realista”, refere Candy Flores.
A título de exemplo, a Madalia World tem um projeto pioneiro de educação em realidade virtual, com 11 escolas públicas na Madeira, chamado Salas do Futuro, a ser inaugurado brevemente. Trata-se de conteúdo educacional, em que os professores levam os alunos a uma sala específica, e através de equipamentos de realidade virtual, os alunos podem explorar temas que dão nas aulas de uma forma imersiva. Isto é relevante sobretudo para conteúdos mais abstratos, de difícil interpretação por parte das crianças. Neste caso, a empresa já desenvolveu um pacote de produtos padronizados, com subscrição, sendo que já existe interesse por parte de várias escolas internacionais nesta ferramenta.
A tecnológica trabalha também com várias outras indústrias e setores, como o setor imobiliário de luxo, o turismo, o luxo em si. “Trabalhamos muito com empresas em Paris, de grupos como o da Louis Vuitton e da L’Oréal. Aqui usamos a realidade aumentada para dar atenção ao detalhe e criar uma abordagem realista”, explica.
Ambição: deixar um legado na tecnologia sustentável
Candy Flores não se coíbe de procurar inspirar-se nas pessoas que considera quase mentores e pedir conselhos, quando deles precisa. Questionada sobre a sua ambição para o futuro, graceja, dizendo que a nível financeiro é “Chegar a número um dos mais ricos da Forbes”, mas a nível pessoal é sobretudo deixar um legado no mundo, tendo a empresa “como pioneira na forma como as pessoas interagem com os mundos virtuais, com a tecnologia imersiva, a forma como isso está integrado no nosso dia-a-dia e se liga à sustentabilidade”. Acrescenta que a IA veio para ficar e que esta precisa de muito processamento, o que requer muita energia. E o mundo tem de começar a pensar em soluções para a questão da sustentabilidade energética, de como vamos produzir energia suficiente para suportar a tecnologia. “O caminho é equilibrado. Os nossos processadores da mesma forma que fazemos em casa: se precisamos acendemos a luz, se não precisamos, desligamos. Refere que adora trabalhar o tema do mar, já que a empresa faz digital twins subaquáticos, trabalhando com mergulhadores e com investigadores. E este trabalho deixa um importante legado para o futuro.
Candy Flores refere que o livro que mais a marcou até hoje, e que leu ainda na adolescência foi “Quem mexeu no meu Queijo”, do autor Spencer Johnson.
Quanto ao facto de ser mulher, mãe – a empreendedora tem dois filhos pequenos, um menino e uma menina – e líder, apenas refere que “A nossa vida é só uma, todos os papéis estão concentrados numa vida e é tudo uma questão de escolhas. Quando estou com os meus filhos, estou só dedicada aos meus filhos”. E acrescenta: Eu não falho uma festa da escola por nada. Esses dias marco na agenda e não vale a pena chamarem-me, que eu não vou”. No entanto, admite que ainda se coloca mais pressão no lado das mulheres. Apoia-se muito na mãe – e nas três irmãs, umas das quais trabalha consigo – para conseguir passar dias fora em trabalho, sabendo que as crianças estão bem entregues. É todo um caminho que ainda tem de ser feito, quer do lado da tecnologia, quer do lado da evolução da sociedade.
(Artigo originalmente publicado na edição de abril/maio da Forbes Portugal)