Novembro ficou marcado pelo disparo da cotação do café da variedade Arábica no mercado de Nova Iorque para um máximo de 47 anos. A subida foi de 32,5% em trinta dias, bastante superior à registada para o preço da variedade Robusta em Londres. Os grãos de café estão a disputar com as sementes de cacau a liderança no disparo de preços este ano no mercado de matérias-primas. Por enquanto, o cacau continua a liderar com as cotações a subirem, em novembro, 37% em Nova Iorque e 36% em Londres. Desde o início do ano, o preço do cacau já aumentou mais de 120%, o dobro da subida no café.

O aquecimento nas cotações das duas matérias-primas, críticas para os hábitos de consumo, deve-se a um triplo efeito: o que os analistas batizaram de “volatilidade meteorológica” - ultimamente muito agravada pelos desastres climáticos, eventos extremos - a que se somam a especulação financeira (paper trading, na gíria do mercado), com um peso crescente dos contratos puramente financeiros, sem envolver fisicamente os grãos e as sementes, e as flutuações das divisas dos países produtores e exportadores, sobretudo quando o dólar está forte. Enquanto os fatores climáticos acabam por ser cruciais para a produção física do café e do cacau, o paper trading dos especuladores desempenha um papel importante na formação dos preços e na dinâmica do mercado global das duas matérias-primas.

Entretanto, depois da euforia de novembro, os investidores nos mercados do café resolveram arrecadar ganhos no dia 2 de dezembro e o preço afundou-se 10,9% na variedade Robusta e 7% na Arábica em apenas 24 horas.

Preços das matérias-primas em queda

Globalmente, o mercado de commodities registou uma baixa ligeira em novembro. O índice Rogers global (Rogers International Commodity Index) desceu 0,25% em novembro, prosseguindo a trajetória de baixa desde 8 de outubro. Em outubro, o índice tinha deslizado um pouco mais, caíndo 0,6%. O que isto sinaliza é que, no mercado de matérias-primas, a tendência global está a ser de enfraquecimento da pressão inflacionista. No sector dos metais, a quebra das cotações foi de quase 5%, segundo o índice Rogers Metais.

A tendência global de descida foi contrariada, em novembro, por uma subida de 1,5% no índice para as matérias-primas energéticas, onde a pressão altista no gás natural se fez sentir, e um aumento menor no índice para o sector agrícola. Neste último, a maioria das commodities de um cabaz alimentar registou descida de preços (leite, açúcar, batatas, chá, leite, manteiga e queijo), com exceção do cacau, café, bife e ovos.

Conjugação ‘maldita’ da crise climática e da especulação

O café e o cacau estão a ser as mais importantes vítimas no mercado de matérias-primas da junção entre o agravamento climático e o peso crescente da especulação financeira. O preço da libra de café em Nova Iorque subiu de 2,46 para 3,26 dólares, um máximo desde maio de 1977, quando registou um máximo histórico de 3,35 dólares. O G7 na cimeira de junho definiu o sector do café como “estratégico”, alertando que necessita “de cadeias de valor sustentáveis e resilientes”.

A volatilidade climática está a ter um impacto significativo este ano. “Na variedade Arábica do café, os preços subiram devido aos receios de problemas na próxima colheita do Brasil, o principal produtor mundial. Alguns produtores estão a limitar as vendas, sentindo que o poderão fazer a preços ainda mais altos mais à frente. Na variedade Robusta, os preços estão influenciados pelo atraso no início da colheita no Vietname, o principal produtor mundial desta qualidade”, refere-nos Ricardo Marques, administrador da consultora Informação Financeira de Mercados. “A meteorologia será, sem dúvida, o principal fator a definir a tendência de preços em 2025”, acrescenta. No caso do Vietname, a produção sofreu um duplo golpe consecutivo: seca durante o crescimento e cheias depois na colheita.

No caso do cacau, avança Ricardo Marques, “há receio de que a meteorologia na Costa do Marfim e no Gana volte a não ser favorável para estes dois principais produtores mundiais”. No conjunto, os dois países africanos dominam 75% da produção mundial. “A fraca colheita do ano passado levou a que haja pouco produto para escoar até que entre a próxima colheita, contribuindo para a subida dos preços”, refere.

O ano de 2024 tem sido particularmente negativo em termos climáticos para o cacau, adianta Henning Gloystein, responsável na consultora Eurasia Group pela área da Energia, Clima e Recursos. “Houve vários ciclos climáticos que afetaram a África Ocidental. Os eventos mais recentes registaram-se no Gana e na Nigéria, com secas e calor, e vão ter impacto provavelmente na colheita intermédia. Houve também cheias na Costa do Marfim”, refere o especialista radicado em Londres. Há que acrescentar “episódios de violência e conflitos que também afetaram as plantações”.

O ex-especialista da Reuters em Singapura acrescenta um fator europeu que vai ter também um impacto adicional: a nova regulação europeia sobre desflorestação que afetará muitos países produtores que não vão ser capazes de provar que o cultivo do cacau não está a contribuir para desflorestação.

Acresce nos dois mercados o peso do paper trading. No caso do café, 50% dos contratos de café em Nova Iorque estão nas mãos da especulação. No cacau, os volumes de contratos no conjunto dos mercados de Nova Iorque e de Londres são cerca de 10 vezes a produção mundial.

Entre as subidas destacadas de cotações em novembro estão o bife, o lítio e os ovos.

O bife na Bolsa de Valores em São Paulo viu a cotação subir mais de 10% em novembro. “Este aumento deve-se à maior procura de carne de vaca brasileira nos mercados de exportação”, refere Ricardo Marques. O Brasil é o segundo maior produtor do mundo de carne bovina, depois dos Estados Unidos, segundo o relatório trimestral de outubro de 2024 do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Mas, em termos de exportação, lidera o ranking mundial, com 26% de vendas, seguido da Austrália e da Índia.

O lítio é essencial para a transição energética, sendo a base na fabricação de baterias de íon-lítio, que são fundamentais para os veículos elétricos e para sistemas de armazenamento de energias renováveis. No mercado de Xangai, a cotação em yuan (a moeda chinesa) subiu 9% em novembro, depois de uma quebra brutal de 38,5% entre março e outubro, de acordo com dados da plataforma TradingEconomics. Nos mercados em que se transacionou em dólares por quilograma, o preço subiu 6%, segundo dados do DailyMetalPrice.com.

A dúzia de ovos registou um aumento de preços em yuan de 7% na Bolsa de Mercadorias de Dalian (Dalian Commodity Exchange) no norte da China e de 2% em dólares nos Estados Unidos. O preço da dúzia estava no final de novembro acima de 4 dólares nos EUA, segundo a plataforma TradingEconomics, muito mais caro do que a média, em euros, em Portugal.

Divergência entre petróleo e gás natural

As trajetórias das cotações do ouro negro e do gás natural em novembro revelaram uma desconexão entre os dois mercados. Nos Estados Unidos, o preço do barril caiu 1,8%, enquanto a cotação para o gás natural aumentou mais de 13%. Na Europa, a divergência foi, também, significativa: a cotação do Brent (a variedade de petróleo de referência) em Londres subiu ligeiramente 0,1% em dólares, enquanto o preço do megawatt-hora (MWh) de gás natural em euros (referência TTF, Title Transfer Facility, em Amesterdão) disparou 18%.

Os dois mercados têm dinâmicas diferentes. “O preço do gás natural nos EUA subiu influenciado pelo aumento sazonal do consumo para aquecimento e por uma maior procura pela exportação, agora que algumas das fábricas de Gás Natural Liquefeito, que estavam com problemas, começam a ficar operacionais. Na Europa, a referência TTF tem subido com o aumento do frio e com a incerteza sobre como irão evoluir os stocks no primeiro trimestre de 2025, assumindo-se que, no próximo ano, deixará de fluir gás russo através dos gasodutos na Ucrânia”, diz Ricardo Marques. Henning Gloystein recorda que o acordo de trânsito do gás natural entre Kiev e Moscovo expira no final deste ano.

Em contraste, no caso do crude, o especialista português da IFM refere que é um mercado “com uma clara situação de excedente de produção” e cujas flutuações são sobretudo sensíveis “às ameaças de natureza geopolítica”. Gloystein, por seu lado, acrescenta a pressão negativa do abrandamento do crescimento da procura de petróleo pela China, que. nos últimos anos, tem sido a principal alavanca do consumo.

Os futuros na plataforma da ICE apontam para uma subida do preço do gás natural TTF de 47,92 euros por MWh no final de novembro para 48,53 euros em fevereiro do próximo ano.

O barril russo (variedade dos Urais) continua a vender-se acima do teto de 60 dólares imposto pelas sanções à Rússia. Em novembro, foi o crude cuja cotação mais subiu.

Ouro deixou de brilhar tanto

Em outubro, a onça de ouro atingiu um máximo histórico no preço chegando a 2826,3 dólares. Em novembro, a situação virou: a cotação desceu 3,4%, e o preço do ouro baixou para 2681 dólares no final do mês.

O recuo na atração do ouro deveu-se à valorização do dólar, tornando esta divisa mais atrativa para investimento do que o metal precioso amarelo, e à subida dos juros dos títulos do Tesouro norte-americano, que ultrapassaram, desde 8 de outubro, os 4% no prazo a 10 anos, estando em níveis que são o dobro dos juros das obrigações alemãs e chinesas.

Em paralelo, o índice para as principais empresas cotadas do sector recuou em novembro, O Golds Bugs Index perdeu 6,5%. Conta com 15 cotadas da África do Sul, Canadá, Estados Unidos, Mali e Peru.

A maior queda de cotações nos metais preciosos em novembro registou-se no paládio, em dólares, em Nova Iorque. Nos metais raros, dominados pela China e transacionados em yuan, a trajetória foi de queda das cotações. No Mercado de Metais de Xangai comenta-se que há uma onda de pessimismo que domina. O maior trambolhão em novembro foi no preço do gálio, fundamental para o fabrico de semicondutores.