Após dez subidas consecutivas, o BCE decidiu manter as taxas de juro inalteradas em outubro. Mas Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, foi sempre clara: um corte só existiria quando houvesse enquadramento que o suportasse e nem um dia antes disso. Para João Duque, esse cenário dificilmente chegaria antes do verão.

Ainda em janeiro, o economista e presidente do ISEG antecipava: "A menos que a Alemanha tenha um descalabro no primeiro trimestre e toda a Europa comece a abanar, ou que os EUA baixem agressivamente as taxas, não acredito que os juros europeus mexam em março ou em abril." E de facto, apesar do arrefecimento alemão, não houve hecatombe; nem os EUA arriscaram para já começar esse movimento de corte nas taxas -- aliás, agora os economistas acreditam que a Fed só o fará depois de o BCE avançar.

Mas se então acreditava que em junho haveria um "corte significativo, de 50 pontos-base, passando diretamente dos 4% aos 3,5%", agora, João Duque mostra mais cautela. "O BCE deve avançar mesmo em junho, mas será apenas para dar um sinal, será muito mais cuidadoso, cortando uns 25 pontos, no máximo", diz ao SAPO. A razão principal é o atraso dos Estados Unidos em dar esse passo, mas também os efeitos da desordem geopolítica mundial: "Esperava-se que a Reserva Federal americana (Fed) estreasse esse movimento, mas não o fez, por isso Lagarde deve fazer um pequeno corte e depois esperar que o banco central americano aja", prevê João Duque. Até porque o dólar já está a valorizar-se, fazendo despertar de novo riscos inflacionistas, e o crescendo do conflito israelo-palestiniano, com o envolvimento do Irão, "também tem efeitos na inflação, que arrisca um recrudescimento por via do impacto da energia", aponta o economista ao SAPO.

Seja como for, parece certo que haverá um corte no verão. Nisso mesmo acredita Mário Centeno, governador do Banco de Portugal -- disse-o ainda ontem, em entrevista à CNBC: "Acredito que é o momento para mudar a trajetória da política monetária. A linha de base hoje é compatível com vários cortes nas taxas no decorrer do ano." Mas também já o tinha defendido noutras ocasiões: "A trajetória da inflação é muito positiva neste momento"; o BCE não precisa de "fazer mais do que o necessário para levar a inflação para 2% no médio prazo" e deve até ter em conta outros fatores, como o arrefecimento da economia europeia. "Os desafios são enormes, devemos ter em conta todos os dados para tomar decisões", afirmara o governador ainda em janeiro, quando o BCE afastava ainda qualquer vislumbre de um corte nos juros para breve.

A verdade é que Lagarde se tem mantido imune a todas as formas de pressão de governadores de bancos centrais do espaço europeu ou mesmo de chefes de Estado, sendo inflexível na defesa dos objetivos do BCE: controlar a inflação e assegurar-se que um passo em falso não resulta em novas pressões de subida de preços. A tradução encontra-se na segurança de uma inflação a aproximar-se fortemente do limite de 2%, barreira que o BCE considera ser essencial para manter a economia europeia saudável -- recorde-se que, em 2022, após medidas de relançamento económico pós-pandemia, como a bazuca do PRR e os programas de compra de dívida dos Estados-membros, aliados à guerra na Ucrânia e consequentes dificuldades nas cadeias e no acesso a matérias-primas, a inflação anual fixou-se nos 9,2% (7,8% em Portugal), estando ainda acima dos 3% no arranque deste ano.

Nesta semana, o BCE sinalizou isso mesmo. "Temos sido muito claros desde o início sobre como conduzimos a política monetária, e o que dizemos é que se as coisas continuarem a evoluir no sentido atual, em junho será possível" um primeiro corte nas taxas, afirmou o vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, hoje, no Parlamento Europeu, dando seguimento às declarações de Lagarde. Na semana passada, após mais uma reunião em que os juros não mexeram (estão nos 4% desde setembro), a presidente do BCE dera já ideia de que a próxima reunião, a 6 de junho, traria novidades. "Se a avaliação e a tendência da inflação subjacente nos derem confiança como têm dado de estar a convergir com os objetivos, será possível reduzir o nível de restrição atual da política monetária."

Ainda que Kristalina Georgieva, recém-confirmada para um segundo mandato à frente do FMI, tenha avisado há um par de semanas para o risco de "cortar juros muito cedo ou muito rápido" -- "a inflação principal permanece elevada em muitos países, os riscos de subida continuam a existir e os decisores devem monitorizar atentamente a inflação subjacente" --, o primeiro recuo deverá mesmo acontecer na reunião de junho. Mas será, provavelmente, pouco mais do que um sinal que mantém todas as cautelas.