
O confronto entre a Reserva Federal norte-americana (FED) e o presidente Donald Trump chegou aos tribunais. A governadora da FED, Lisa Cook, demitida por Trump devido à investigação que o Departamento de Justiça anunciou relativamente a alegados empréstimos hipotecários irregulares, avançou nesta quinta-feira com uma ação judicial alegando que o presidente dos EUA não tem poder para a remover do cargo e que não existe “justa causa” para o fazer, noticiou a agência Reuters.
Na sua defesa, Cook argumenta que Trump violou uma lei federal que apenas permite ao presidente destituir uma governadora da FED invocando “justa causa”. No entanto, a lei que criou a FED não define o que constitui “justa causa” nem estabelece qualquer padrão ou procedimento para destituição. Nenhum presidente destituiu até hoje um membro do conselho da FED, e a lei nunca foi testada em tribunal.
Várias leis federais que exigem que o presidente invoque “justa causa” para demitir membros de outras agências especificam que esta pode abranger negligência no cumprimento do dever, má conduta ou ineficiência. Estas disposições podem servir de precedente para os tribunais decidirem se Trump tinha, ou não, fundamento para demitir Cook.
O caso deverá chegar ao Supremo Tribunal, onde a maioria conservadora permitiu, pelo menos provisoriamente, que Trump demitisse funcionários de outras agências, mas recentemente sinalizou que a FED pode constituir uma exceção em relação ao controlo direto do presidente.
As preocupações quanto à independência da FED em relação à Casa Branca na definição da política monetária podem ter um efeito em cascata sobre toda a economia global. O dólar norte-americano desvalorizou-se face a outras moedas de referência depois de Trump anunciar, pela primeira vez, a demissão de Cook.
Um porta-voz da FED declarou na passada terça-feira, antes da abertura do processo, que o banco central acataria qualquer decisão judicial.
Lisa Cook foi nomeada para a FED em 2022 pelo ex-presidente Joe Biden, um democrata, e tornou-se a primeira mulher negra a integrar o conselho de governadores do banco central.
No início deste ano, Trump também demitiu Gwynne Wilcox, a primeira mulher negra a integrar o Conselho Nacional de Relações de Trabalho, responsável por resolver disputas laborais no setor privado. O presidente avançou ainda com a destituição de vários funcionários de outras agências tradicionalmente tratadas como independentes da Casa Branca.
As questões relacionadas com as hipotecas de Lisa Cook foram levantadas pela primeira vez em agosto por William Pulte, nomeado por Trump e diretor da Agência Federal de Financiamento Habitacional, que encaminhou o caso à Procuradora-Geral, Pamela Bondi, para investigação.
Cook contraiu hipotecas no Michigan e na Geórgia em 2021, quando ainda era professora universitária. Uma declaração oficial de divulgação financeira de 2024 enumera três hipotecas detidas por Cook, duas das quais classificadas como residências “principais e permanentes”. Tal como em Portugal, também nos Estados Unidos os empréstimos para aquisição da habitação própria e permanente beneficiam de condições mais favoráveis, ao passo que os destinados a segunda habitação ou investimento têm condições mais gravosas, nomeadamente em termos de taxas de juro.
Alguns especialistas questionaram se as transações realizadas antes da nomeação de Cook para a FED — e que estavam acessíveis em registos públicos aquando da sua audição e confirmação pelo Senado dos EUA — poderiam constituir motivo válido para a sua destituição.