O Dia do Trabalhador é, por tradição, um momento de homenagem e reflexão sobre os direitos conquistados por quem vive do seu trabalho. Comemoram-se as lutas sindicais, reforçam-se os direitos laborais e discutem-se novas formas de equilíbrio entre vida pessoal e profissional. E tudo isso é, sem dúvida, essencial. Mas há uma pergunta que raramente é feita nesta data: quem defende os direitos dos empresários?

Ao longo dos anos, o debate público foi (e continua a ser) moldado por uma narrativa onde o empregador é, muitas vezes, o antagonista. O “patrão” — uma figura retratada como imune ao cansaço, com folgas de sobra e lucros garantidos — é facilmente transformado no símbolo da desigualdade. No entanto, essa imagem está, cada vez mais, distante da realidade vivida pela esmagadora maioria dos empresários, sobretudo donos de pequenas e médias empresa, que são apenas 99,9% das empresas em Portugal (Pordata, 2023)

Empreender é, em muitos casos, um ato de coragem. É colocar uma ideia no mundo, arriscar capital, tempo, saúde e relações pessoais em nome de um propósito. É criar postos de trabalho, dinamizar economias locais, contribuir para o desenvolvimento de setores inteiros e, frequentemente, carregar nos ombros o peso da responsabilidade pelo bem-estar de toda uma equipa.

O lado invisível do empreendedorismo

No entanto, quando olhamos com atenção, percebemos que o empresário — esse “herói silencioso” da economia — raramente aparece nas estatísticas de proteção laboral. E não estamos a falar apenas dos grandes CEOs de multinacionais. Falamos da dona da pastelaria que abre às 6 da manhã, do consultor que passou os últimos meses sem férias, do agricultor que enfrenta as intempéries e as dívidas, do lojista que luta contra a inflação e a queda no consumo.

Estes empresários, embora o mundo os veja muitas vezes como trabalhadores por conta própria, vivem muitas vezes em condições mais precárias do que os seus próprios colaboradores. São os primeiros a chegar e os últimos a sair, trabalham ao fim de semana, não têm direito a subsídio de desemprego ou qualquer tipo de rede de proteção consistente. Quando a empresa não consegue pagar salários, são eles que ficam sem rendimento. Quando há uma falha de um fornecedor ou um erro de um funcionário, são eles que lidam com as consequências legais e financeiras.

A solidão de quem lidera

Empreender é também uma experiência solitária. A pressão de tomar decisões constantemente, a gestão de conflitos, a carga emocional de ter que manter o barco a flutuar, mesmo em águas agitadas, raramente são reconhecidas. O empresário não tem a quem reportar as suas angústias — muitas vezes, nem à família as consegue verbalizar —, pois existe uma expectativa social de que “se escolheu este caminho, que aguente”.

E é aqui que a narrativa precisa mudar. Precisamos de começar a olhar para o empresário como um trabalhador. Porque ele também trabalha. Muito. Aliás, muitas vezes é o que mais trabalha.

A falácia da liberdade total

É comum ouvir que “quem trabalha por conta própria é livre” — livre para gerir os seus horários, os seus projetos, os seus rendimentos. Mas essa liberdade é, na prática, uma ilusão. A autonomia traz consigo uma carga de responsabilidade brutal. A flexibilidade é muitas vezes absorvida por uma espiral de sobrecarga, onde o descanso não é planeado, mas adiado indefinidamente. E, quando o corpo cede ou a saúde mental vacila, não há “baixa” que ampare. O negócio depende de estar sempre presente, sempre disponível, sempre resiliente.

Um sistema que precisa de atualização

O enquadramento jurídico e fiscal português continua a tratar o empresário como um “não trabalhador”. Muitos regimes de segurança social ignoram completamente as especificidades de quem tem rendimentos variáveis, de quem assume riscos e obrigações que os outros trabalhadores não têm. E mais: a cultura institucional continua a penalizar quem cria riqueza, associando o lucro a uma espécie de privilégio duvidoso, em vez de o reconhecer como fruto do mérito e do esforço contínuo.

É urgente repensar os modelos de apoio aos empresários, em particular aos pequenos e médios. Tal como se criaram sistemas para proteger trabalhadores dependentes, há que desenvolver mecanismos de proteção para trabalhadores independentes — dos apoios em caso de doença, a fundos de emergência, a programas de acompanhamento psicológico e capacitação contínua.

Rita Maria Nunes,
CEO da TAB