É uma sensação especial começar a Vuelta como líder da equipa, especialmente tendo em conta a forma que tenho demonstrado esta temporada. A recuperação do acidente no Tour tem sido tranquila e as minhas sensações nos treinos têm melhorado. Espero continuar a progredir nas próximas semanas.”, afirmou o ciclista nacional João Almeida no momento em que confirmado que será o líder da sua equipa (UAE Emirates) na próxima edição da Volta à Espanha, que começará a 23 de Agosto.

Estas declarações revelam toda a humildade, ambição, determinação e sensatez do ciclista português, que caso tenha recuperado os seus índices físicos depois de uma queda aparatosa na etapa 7 da Volta à França (que abordarei mais à frente neste artigo), tem todas as condições para poder sair de Madrid com a sua primeira Grande Volta, e entrar na história do ciclismo nacional, como o primeiro português de sempre a conquistar uma das competições mais importantes do ciclismo mundial, uma das famosas 3 Grandes Voltas (a par da Volta à Itália e da Volta à França).

Para concretizar esse objetivo, João Almeida sabe que terá de lutar contra a feroz concorrência do dinamarquês Jonas Vingegaard, que demonstrou nesta Volta à França que é o melhor ciclista do mundo no âmbito dos terrestres, porque quem lhe ganhou está numa dimensão só dele, numa galáxia exclusiva e onde só figuram os predestinados: Tadej Pogacar.

Também deverá lutar por esse objetivo junto do seu companheiro de equipa Juan Ayuso, com quem não tem tido a melhor das relações, e onde dificilmente vislumbramos um cenário no qual o ciclista da casa (vindo de uma paupérrima participação na Volta à Itália), dificilmente irá trabalhar para João Almeida e provavelmente, o contrário também será difícil de assistirmos, pelo que talvez teremos uma equipa partida, o que poderá não ser benéfico para nenhum dos dois.

A estrada determinará o desenrolar dos acontecimentos, e o ciclista espanhol terá forçosamente de mostrar os outros dotes que devem ser inerentes a um grande campeão: o de saber ceder e aceitar o seu papel dependendo da situação da corrida e da respetiva classificação geral.

A relação entre os dois não é de todo comparável entre Almeida e Pogacar, e inclusive o próprio Pogacar, não morre de amores por Ayuso, pois apesar de lhe reconhecer um enorme talento, considera um elemento desagregador da equipa, já tendo dado vários sinais de egoísmo e pouco companheirismo, o que é a antítese de Pogi (nome carinhoso pelo qual tratam o fabuloso ciclista esloveno).

Célebre ficou o incidente entre João Almeida e Juan Ayuso na edição transacta da Volta à França, onde Almeida gesticulou de forma visível para Ayuso durante a subida ao Col du Galibier, após este não ter colaborado devidamente no trabalho para defender o seu líder Pogacar. O incidente gerou alguma polémica e discussão, mas naquele momento ambos os ciclistas minimizaram a situação, afirmando que se dão bem e que houve apenas um erro de avaliação durante a corrida.

Teremos de esperar para ver como será a convivência entre estes dois ciclistas, sendo que estou perfeitamente convencido de que João Almeida irá preocupar-se essencialmente em fazer a sua corrida e não estar preocupado com a corrida dos demais, inclusive a do seu companheiro de equipa, que será o co-líder da equipa.

Seria melhor para João Almeida se fosse o líder declarado da sua equipa? Sim, seria. Mas não podemos deixar de atender ao fato do ciclista nacional vir de uma queda muito dolorosa e da equipa não poder arriscar levar apenas um ciclista com capacidade para lutar pela classificação geral, não sabendo qual a resposta que João Almeida irá dar e abdicando do contributo de um Juan Ayuso extremamente talentoso e fresco de pernas.

Novamente e como costuma suceder nestas provas de três semanas, as etapas de alta montanha serão decisivas para o desfecho desta Volta à Espanha, assim como os contra-relógios individuais, especialidade na qual João Almeida tem melhorado substancialmente nos últimos anos.

Estará Almeida capaz de aguentar o ritmo imposto pela super equipa da Visma, liderada por Vingegaard? Na forma com que iniciou a Volta à França, eu afirmaria peremptoriamente que sim. Agora, teremos de ver como João Almeida se recuperou das lesões sofridas nessa queda já anteriormente referida.

Estamos todos conscientes (e o próprio João), de que esta decisão da equipa se prende com a vontade que o esloveno Tadej Pogacar (líder absoluto da equipa e indubitavelmente o melhor ciclista da atualidade) expressou em descansar, e dessa forma não participar desta edição da Volta à Espanha, adiando a sua saga pela Tríplice Coroa.

Acaba de ganhar a sua quarta Volta à França, já ganhou a Volta à Itália e só lhe falta conquistar a Volta à Espanha. Correu várias clássicas e ainda participou pela primeira vez no primeiro Paris-Roubaix, considerada uma das provas mais difíceis do ciclismo mundial, devido à irregularidade do seu pavimento e condições brutais de corrida.

Terminou essa participação num honroso segundo lugar, apenas atrás de um especialista, o holandês Mathieu Van der Poel. Ganhou a Volta à Flandres e a Liège-Bastogne-Liège (já tendo conquistado 9 monumentos na sua carreira), fez ainda pódio na Milão-San Remo e Amstel Gold Race, e também ganhou o Critérium Dauphinè.

Pogacar competiu muitíssimo desde o início do ano, obteve resultados fantásticos e apresentou uma regularidade impressionante. O Pogacar da última semana no Tour de França, já dava claros sinais de desgaste, nem tanto físico porque aguentou todas as investidas do seu rival Jonas Vingegaard, não lhe cedendo um palmo, mas principalmente um desgaste mental e uma saturação de tudo o que envolve participar da competição mais importante do ciclismo mundial: cerimónias de pódio, entrevistas pós-etapa, controlos anti-doping, etc…

O habitual sorriso de Pogacar desapareceu na última semana de competição, e só o voltamos a ver timidamente quando cruzou a linha de meta no passado e terminou assim mais uma participação brilhante na Volta à França. Não foi de todo surpreendente quando se tornou oficial a sua decisão de não competir nesta edição da Volta à Espanha, abrindo assim espaço para que o seu fiel companheiro João Almeida tomasse as rédeas da equipa e fosse escolhido justamente como o líder, na ausência de Pogacar.

“Depois de um Tour tão exigente, decidimos que o melhor era fazer uma pausa. A Vuelta era, obviamente, uma corrida a que adorava regressar. Tenho grandes memórias de 2019, mas agora o meu corpo está a dizer para descansar”, assumiu o ciclista esloveno, que foi terceiro na Volta a Espanha em 2019, na sua estreia em Grandes Voltas.

A relação de Pogacar e João Almeida sempre foi bastante boa desde que são companheiros de equipa, mas estreitou-se muito nestes últimos dois anos. O génio esloveno tem elogiado constantemente o ciclista português, tendo afirmado por várias vezes a importância de João Almeida para si e para toda a equipa.

Antes de festejar a tal mencionada vitória em Paris, Pogacar afirmou o seguinte à imprensa: “ Estou mesmo triste por termos perdido o João, porque a sua presença tornaria a última semana um pouco menos stressante para nós. Podíamos ter aspirado a mais uma boa classificação na geral e a outra vitória nos Alpes.”

Um carinho que também foi evidente no seu post de celebração na sua rede social Instagram, onde não deixou de fazer referência a João Almeida e demonstrando-lhe todo o seu apoio e confiança, dizendo que “Sentimos a tua falta em Paris, mas a Vuelta está a chamar.”

Não foi o único gesto público de companheirismo e até mesmo de amizade de Pogacar em relação a João Almeida. Quando este sofreu uma aparatosa queda no final da etapa 7 a escassos 6 (!) quilómetros para a meta, Pogacar (que haveria de ganhar essa etapa e reforçar a sua liderança), não deixou de enaltecer o trabalho de toda a equipa, nomeadamente de João Almeida, afirmando mesmo que não tinha sido uma jornada perfeita devido à sua queda, que a sua maior preocupação era o estado físico do seu companheiro de equipa e que lhe dedicava aquela vitória de etapa. Uma atitude de verdadeiro líder e de grande companheiro.

Pogacar não é só o melhor a pedalar, é também por ser tão simples e humilde, que os adeptos do ciclismo o idolatram e os seus companheiros de equipa e restantes rivais, o admiram e o respeitam. Terá certamente o seu ego (como todos os ciclistas), mas nunca lhe vi um gesto depreciativo ou de mau companheiro com qualquer colega, ou elemento da sua equipa. Se eu fosse ciclista, seria por líderes como este que eu iria lutar e trabalhar até à última gota do meu suor, para ajudá-lo a ganhar.

Depois dessa queda na etapa 7, João Almeida não conseguiu recuperar das mazelas que esta deixou (costelas fraturadas), e viu-se forçado a abandonar a prova no decorrer da etapa 9, num momento em que todos o consideravam um dos grandes candidatos para partilhar o pódio em Paris com os grandes favoritos Pogacar e Vingegaard, estando ainda à frente nas casas de apostas do seu ex-companheiro de equipa e atual campeão olímpico, Remco Evenepoel.

“Não era assim que eu queria que o meu Tour terminasse. Esforcei-me ao máximo, mas às vezes é preciso ouvir o próprio corpo. Estou muito desapontado por ir embora, mas também orgulhoso por fazer parte desta equipa. Hora de ir para casa, descansar e recuperar antes de pensar no que vem a seguir. Desejo o melhor para os meus companheiros de equipa nas próximas duas semanas. Estarei a torcer desde casa.”, manifestou-se publicamente um desconsolado, mas esperançoso João Almeida na sua rede social Instagram.

Mais uma vez, um dos que fez questão de se mostrar presente e demonstrar o seu apoio ao ciclista luso, foi Tadej Pogacar na sua enésima prova de apreço e reconhecimento pelo nosso ciclista. “Foi uma honra pedalar contigo e mostraste que és um guerreiro! Voltarás mais forte, não duvido! Obrigada por tudo.”, afirmou nessa altura um igualmente pesaroso Pogacar por perder o seu fiel escudeiro nas etapas de montanha.

Esta queda veio na altura mais inoportuna de todas. João Almeida está a viver a melhor época desportiva da sua carreira, estando seguramente no lote restrito dos melhores ciclistas do mundo. Antes de começar esta edição da Volta à França, João Almeida vinha de ganhar três das provas mais importantes de uma semana do calendário do ciclismo mundial: Volta ao País Basco, Volta à Normandia e Volta à Suíça.

Uma época absolutamente extraordinária e que elevou João Almeida ao topo do ciclismo, e que não merecia ficar “ensombrada” por esta terrível queda (ossos do ofício de um ciclista), pelo que considero justíssima e merecidíssima esta decisão de que ele comece esta competição tão prestigiante como o líder da equipa, apesar de ir partilhar liderança com Juan Ayuso, como mencionei anteriormente.

“Sou ambicioso, a equipa também, e temos muitos motivos para ser, então perdê-lo devido a um acidente foi difícil, porque estou convencido de que ele teria subido ao pódio, ou pelo menos lutado por esse objetivo.”, lamentou Joxean Fernández “Matxín”, o diretor desportivo da equipa da UAE Emirates, ciente do grande momento de forma de João Almeida antes da tal queda nesta edição da Volta à França.

A confiança da direção desportiva da sua equipa em João Almeida é absoluta e incondicional, sendo um dos membros mais queridos e considerados por parte de toda a equipa.

Poderemos estar perante um dos momentos mais relevantes da história do desporto nacional, e todos os amantes do ciclismo (como eu) estarão de olhos postos nas estradas do país vizinho, no qual João Almeida certamente irá querer proporcionar-nos com várias “almeidadas” (expressão utilizada na gíria do ciclismo para caraterizar a forma única como compete nas etapas de alta montanha, gerindo o seu esforço, e vindo quase sempre de trás para a frente). Os dados estão lançados, João Almeida está preparado e vai em busca da glória eterna.