O clima era de festa e, por mais incomum que possa ser, para as duas equipas, mesmo uma delas vindo de uma derrota pesada (0-5) na 1ª mão. Afinal, não é todos os dias que uma equipa do 4º escalão nacional joga no Estádio da Luz, frente a um clube histórico como o Benfica. O Tirsense fê-lo e tornou o dia ainda mais especial.

Já com a sua temporada terminada - garantiram a manutenção no Campeonato de Portugal, numa época atribulada -, já tinham ficado na história como a primeira equipa do 4º escalão nacional a chegar às meias finais da Taça de Portugal, a prova Rainha nacional. Contudo, era altura de fechar essa bonita história e cumprir o sonho (provavelmente) de todo o seu plantel de jogar num campo e contra um adversário desta magnitude.

Não fizeram por menos. Com a ajuda da Câmara de Santo Tirso, o clube não cobrou qualquer valor pela viagem e conseguiram encher 10 autocarros - fora os que foram de transporte próprio - para fazer a viagem até Lisboa e ao Estádio da Luz. Foram cerca de três mil adeptos a fazer um percurso que durou (com paragens) mais de quatro horas (cerca de 339 quilómetros). Uma moldura de fazer inveja a muitas equipas de escalões superiores.

Entre alguns atrasos, esta dezena de autocarros só chegou ao Estádio a pouco mais de uma hora do arranque do jogo, mas nem por isso deixava de haver Jesuítas - como são conhecidos as gentes do Tirsense - nas imediações do mesmo bem antes. Foi aí, a mais de duas horas do apito inicial, que encontrámos Eugénia, juntamente com Joaquim Silva, naturais de Santo Tirso, e, mais importante, mãe de Gonçalo Figueiredo, guarda-redes suplente do Tirsense.

«Gostava muito que o meu filho jogasse, nem que fosse os minutos finais, para poder dizer que jogou na Taça de Portugal», começou por dizer a progenitora do jovem guardião.

«Hoje uma vitória era o Gonçalo jogar. Para nós era a cereja no topo do bolo. Sabemos que daqui não vamos tirar num resultado positivo. Matematicamente é possível, mas é impossível de todo marcar seis golos e não sofrer nenhum. Até porque o Benfica se nota que está a respeitar o Tirsense. O que nos fazia feliz e a razão da nossa vinda cá seria o Gonçalo ter minutos», acrescentou o seu acompanhante.

Gonçalo e Francisco @zerozero.pt

Mais tarde, chegámos à conversa com Francisco e Gonçalo, um par de amigos que estava de férias e que, ao ver que o «seu» Tirsense jogava no dia de regresso a casa, aproveitou a «desculpa» para ver o cumprir de um sonho.

«É algo que nunca pensei vivenciar, vir aqui jogar a casa de um clube gigante como o Benfica. Somos um clube da terra. Foi a combinação de algumas equipas mais acessíveis, com o Elvas um pouco mais difícil. Fomos ver duas eliminatórias a Santo Tirso», disse Gonçalo

«Fui a três eliminatórias. Quando vi que estávamos a perder com o Caldas, achei que seríamos eliminados, porque o Tirsense foi terrível fora de casa esta época. Esta caminhada foi muito surpreendente, não esperava que chegássemos a meio deste caminho. A combinação dos adversários do nosso escalão, jogando em casa, que ajuda bastante. Assim como o relvado [risos], que é difícil para as duas equipas», concluiu Francisco.

Uma paixão geracional

@zerozero.pt

No futebol moderno é cada vez mais difícil ver casos como este Tirsense, especialmente em divisões inferiores. Não é qualquer equipa que apresenta esta moldura humana no estádio de um dos «grandes», mas o Tirsense fê-lo e estes quatro adeptos parecem concordar no porquê.

«A explicação que temos para esta paixão é ter sócios bastante antigos já, que foram transitando para filhos e netos. Nos clubes maiores acho que não dão tanto valor à essência do futebol, há mais negócio. Normalmente, um adepto de um clube da 4ª divisão, como Tirsense, é adepto desse clube, mas há sempre outro clube por trás, como o Benfica, Sporting ou FC Porto. Mas regionalmente falando, os adeptos do Tirsense sentem muito o clube. Os jesuítas são muito pela terra», aponta Joaquim.

«Vemos um pouco como se vê lá fora, como em Inglaterra e Alemanha, onde as pessoas apoiam outras equipas além dos grandes. Apoiar o clube da terra é bonito, são os que mais precisam de apoio e exposição para sobreviver. Abraçar o clube da terra e fazer com que ele sobreviva. O Tirsense passou por uma fase complicada nos últimos anos e está a começar a voltar onde merece estar», concorda Gonçalo.

Francisco corrobora dos argumentos dos seus conterrâneos e lembra um famoso jogo, em 2019, onde o Tirsense colocou mais de sete mil adeptos nas bancadas do seu estádio, numa altura em que estavam nas distritais: «Há muita ligação com os mais jovens. Há alguns anos houve uma campanha muita interessante que fez com que tivéssemos quase 10 mil pessoas num jogo. Desde aí, houve o reacender da chama do Tirsense. Clube está a conseguir expandir bem e chegar à próxima geração.»