João Rodrigues vive entre Guimarães e Coimbra, entre treinos e aulas de medicina. Duas vezes por semana, pega no carro por duas horas para ir do Norte ao Centro do país. Mas, no passado 23 de julho, a viagem foi outra - e foi ainda maior. Ele e outros sete portugueses apanharam um avião para Kawasaki, no Japão, onde 33 países disputaram o Campeonato do Mundo de Salto à Corda. Sem apoios significativos, pagaram do próprio bolso para competir. E voltam com três finais e um 4.º lugar na bagagem.

"O facto de termos alcançado três finais e ficado a apenas dois saltos de um terceiro lugar sabe-nos a ouro. É um reconhecimento do nosso potencial para enfrentar algumas das nações mais competitivas do mundo. Mesmo perante as adversidades, como a falta de patrocínio e de apoio na gestão desportiva, os resultados reforçam a nossa convicção de que o esforço compensa. Portugal está, sem dúvida, a marcar a sua posição neste desporto", diz João Rodrigues, em entrevista à SIC Notícias.

Portugal, representado pela Associação Portuguesa de Rope Skipping (APRS), foi a melhor seleção europeia na prova de Double Dutch Speed Contest no Mundial do Japão, com um 4.º lugar. Noutros Campeonatos do Mundo, já conseguiram subir ao pódio. Em 2024, voltaram com 14 medalhas do Europeu, que decorreu na Hungria. É uma equipa formada por jovens de diferentes idades, que trabalham ou estudam, mas que têm em comum o clube que representam.

"Molinhas", o berço de ouro da modalidade

Fica na Vila de Caldas das Taipas, em Guimarães, o berço de ouro da modalidade em Portugal. Todos os oito portugueses - sete atletas e uma treinadora - que foram ao Mundial fazem parte do Clube de Rope Skipping das Taipas, também conhecido como "Molinhas". Fundado em 2009, é o clube mais antigo de salto à corda no país.

A equipa portuguesa que participou no Mundial de Salto à Corda no Japão
A equipa portuguesa que participou no Mundial de Salto à Corda no Japão SIC Notícias

"Considero-nos uma verdadeira família, passamos muito tempo juntos e trabalhamos para um objetivo comum", conta João, que está ligado ao projeto desde a sua fundação. Na altura, Nuno Dias, um professor da Escola Básica das Taipas, decidiu implementar a prática como atividade desportiva. "Desde então, a modalidade tornou-se uma parte fundamental da minha vida", admite o jovem atleta.

Sandra Freitas, presidente do Clube de Rope Skipping das Taipas, também esteve na origem de tudo. Em 2009, lecionava na escola e acompanhou de perto os primeiros passos do projeto, "dando apoio aos atletas e ao docente que liderava o projeto". No mesmo ano, foi viver para o Algarve e afastou-se da modalidade, mas não tardou a regressar e a envolver-se ainda mais no desporto, ajudando a formar treinadores e juízes de rope skipping.

"Com o reaproximar à modalidade, eu e o meu marido, o professor Ângelo Santos, fomo-nos envolvendo e "emprestando" alguma experiência competitiva que trazíamos de outras modalidades. Em 2015/2016, tornou-se urgente dar uma logística mais organizada ao grupo dos Molinhas, e acabei por ser eleita a primeira presidente do Clube de Rope Skipping das Taipas", afirma a também professora de Educação Física.

Nessa época, Ângelo Santos assumiu os cargos de treinador principal e coordenador técnico do "Molinhas", funções que desempenha até hoje. Apesar de não ter ido ao Japão, foi ele o responsável pela preparação dos portugueses que competiram em Kawasaki, com uma rotina de treinos exigente e pensada ao pormenor.

“Nessas cinco semanas que antecederam a competição, os saltadores chegaram a treinar nove vezes por semana, 120 minutos por treino. Esta preparação foi planeada para cada uma das provas em que os atletas iriam competir, já que cada um participou em provas diferentes. Este é, talvez, o maior desafio: adaptar o treino à realidade de cada um”, diz Ângelo.

Da falta de apoios ao objetivo de ser uma federação

O grupo do
O grupo do SIC Notícias

O Clube de Rope Skipping das Taipas começou com 25 atletas. Hoje são 70, e já há alguns pedidos de inscrição para a próxima temporada. A estratégia do clube passa por levar a modalidade a todas as escolas da região. "Depois que experimentam, temos uma taxa de retenção próxima dos 90%", garante Sandra.

Desses 70 atletas, 10 competem a nível internacional: cinco estudantes e cinco trabalhadores que tentam diariamente conciliar as suas rotinas de treino com as suas vidas universitárias ou profissionais. "Não temos nenhum atleta que se possa dedicar profissionalmente ao treino da modalidade", lamenta a professora.

Os apoios que chegam da Câmara Municipal de Guimarães e da Junta de Freguesia de Caldas das Taipas não chegam para financiar as participações nos torneios, muito menos para pagar ordenados. Ao longo da época, o clube organiza atividades para angariar dinheiro e conta, de forma esporádica, com a ajuda de patrocinadores.

"Todos os anos este é um grande desafio que obriga a um esforço extra por parte de todos. No final, o valor a suportar por cada atleta é bastante elevado, o que, por vezes, leva à desistência de atletas que, mesmo qualificados, não conseguem reunir os recursos necessários para participar", comenta João Rodrigues.

João Rodrigues está há 15 anos ligado ao rope skipping
João Rodrigues está há 15 anos ligado ao rope skipping SIC Notícias

A APRS, que tutela a modalidade em Portugal, com seis clubes registados, ainda não conseguiu o estatuto de federação desportiva. Uma situação que prejudica quase todos os integrantes do escalão masters (atletas dos 14 anos para cima), que estudam e não podem usufruir dos benefícios atribuídos a atletas-estudantes de outras modalidades.

"A atual direção da Associação Portuguesa de Rope Skipping está a trabalhar para que essa realidade possa acontecer em breve. Acredito que nos próximos 4-5 anos vamos ver isso acontecer", frisa Sandra Freitas. "Neste momento, estamos a concentrar-nos na obtenção do Estatuto de Utilidade Pública e mostrar uma independência financeira e contabilidade organizada por determinado período de tempo."

Performance tornou-se viral nas redes sociais

Nas últimas semanas, tornou-se viral um vídeo com a performance que valeu o quarto lugar à seleção portuguesa no Mundial, graças à velocidade e precisão de João Rodrigues, David Silva e João Vieira, conhecido como Xavi. As redes sociais têm sido, em conjunto com os bons resultados internacionais e com as apresentações em escolas locais, uma montra para o rope skipping em Portugal.

Uma publicação habitual da APRS, no Instagram, não costuma ter mais de 200 gostos. Mas o vídeo da manobra do trio português ultrapassou os 50 mil likes. Nos comentários, nota-se o fascínio de muitos, mas também o desconhecimento acerca do desporto. De forma didática, João Rodrigues explica no que consiste a prova que se tornou viral:

“O nosso 4.º lugar foi conquistado na prova Double Dutch Contest Speed, que consiste em contar o maior número de saltos realizados em 30 segundos na vertente de Double Dutch - onde duas pessoas rodam as cordas enquanto uma salta no centro em skipping.”

A Double Dutch Contest Speed é apenas uma das 12 provas por equipas que existem no Campeonato do Mundo e que abrangem três vertentes principais: velocidade, resistência e freestyle, “este último com uma componente mais acrobática e gímnica. A nível individual, existem quatro provas que seguem as mesmas vertentes”, realça o atleta português.