Como dizia alguém bem conhecido do mundo do futebol: «O futebol tem dois tempos. O olímpico em que se ganhava seis contos por mês e o atual e moderno, que se tornou num dos maiores negócios e que movimenta bilhões». O principal que se deduz desta comparação é que os tempos atuais são, muitas vezes, dominados pelo dinheiro e pelas ações que o mesmo pode provocar nos principais intervenientes do jogo.

Há coisas que não se ensinam nos treinos: respeito, lealdade e palavra dada. Tal pode parecer duro de constatar e ao se falar desta forma, mas por vezes tem de se tocar na ferida e neste caso, o mundo do futebol e o funcionamento do mesmo tem muitas condutas erradas e que se agradecia uma correção.

No dossiê atual (e que se tornou num conflito) que coloca Viktor Gyokeres e o seu empresário Hasan Çetinkaya em rota de colisão com o Sporting, em particular com o presidente Frederico Varandas para uma putativa saída para o Arsenal, pode-se dizer que é um desses casos e que pode terminar mesmo muito mal para uma das partes… a do jogador. Embora o empresário e ambos os clubes possam terminar prejudicados cada um à sua maneira, não se compara à situação em que o internacional sueco se colocou e que muito dificilmente sairá bem.

Desde logo porque Gyokeres, embora tenha decidido representar a cor verde em Alvalade e fê-lo brilhantemente durante duas épocas, com um rendimento mais que histórico e simbólico (97 golos e 27 assistências em 102 jogos), a dada altura aparenta querer enveredar por outro caminho apesar da mesma cor (o verde… do dinheiro) e pelas ações que o mesmo pode provocar na sua mentalidade. Apesar de se poder admitir aqui que não será só ou mais o dinheiro, mas mais a vontade de jogar num nível superior como Inglaterra e a Premier League, ainda assim, tal não justifica as ações do avançado sueco.

Ainda para mais, está a ficar bem patente que caso não se concretize a opção Arsenal, caso o clube londrino não chegue aos valores pretendidos pelo Sporting (80 milhões de euros), restam pouquíssimas opções para Viktor Gyokeres. Apenas duas e ainda que remotas, podem ainda colocar o sueco num bom patamar novamente. A primeira é a hipótese Manchester United, caso Ruben Amorim o pretenda reencontrar para fortalecer o ataque dos red devils, algo que ajudaria, pois, com jogadores que conhece, um treinador tem sempre mais hipótese de colocar as suas ideias em prática. No entanto, dinheiro não existe em abundância naquela casa e mais para um avançado caro e que não reúne consenso. A segunda seria de um ingresso na Arábia Saudita, um mercado que já tinha sido rejeitado pelo sueco. A situação está tal que ou existe Arsenal a pagar o pedido ou então…teme-se um fim de história infeliz para o “fenómeno com máscara”.

Esta novela que já se está a tornar gigante e que ainda não lhe conhecemos um final, fica desde já marcada por uma ideia clara: Viktor Gyokeres não está a proceder nada bem, pode estar mesmo a dar cabo do seu desenvolvimento futebolístico e da sua carreira, ainda que possa existir má influência do seu agente, geralmente o mesmo só faz aquilo que o jogador permite.

Fica muito mal a um jogador assinar um contrato que ninguém o obrigou a assinar, e depois fazer mais do que força para sair desta forma. Pior ainda, quando foi o Sporting que lhe deu as melhores condições para mostrar o potencial que ele tem e acreditou nele. Fazer isto ao clube que lhe deu a mão para voos maiores, roça claramente a ingratidão e mais ao ponto de dizer que não joga se ficar.

A única coisa que podia haver a seu favor (e ainda não há 100% de certezas), era se a direção do Sporting e Frederico Varandas lhe tivessem prometido algo que agora não estivesse a ser cumprido. Aqui ao que parece, existiu alegadamente uma conversa com Hugo Viana antes de sair para o Man. City, mas a não ser que se saiba a verdade e a mesma seja para perceber o sueco, a razão não está do seu lado de todo. Embora possam ser verdade, aqui duvida-se também sinceramente da existência de mensagens de Hugo Viana a prometer a saída neste verão do sueco por 70 milhões + dez, pois, se fossem verdade já seriam do conhecimento público, fosse de forma lícita ou ilícita.

Apesar de não ser apreciador de Frederico Varandas de todo, nomeadamente pela sua arrogância e falta de respeito constante aos adversários (nomeadamente a um que está muitas vezes nas suas palavras), há que saudar a mão de ferro do presidente leonino na defesa do superior interesse do clube. Ao contrário do que acontecera com muitos dos seus antecessores, Varandas segue aqui a linha do seu antecessor no que diz respeito ao pulso de ferro pelos valores que o Sporting acha que merece pelos seus maiores ativos.

Embora possa parecer a alguns que o Sporting está a impedir o sueco de sair, tal não é verdade. Apenas exige que se cumpra o valor definido, o mesmo que protegeu o jogador quando renovou no fim de 2023 e que qualquer clube ambicioso deve fazer valer. A ideia de que os clubes portugueses têm de vender à pressa ou em saldos não pode nunca ser a norma.

Sem dúvida que Gyokeres poderá estar a dar um passo em falso e talvez o primeiro grande erro da sua carreira, já que erro não será o primeiro. Forçar uma saída desta forma é uma mancha que fica. Romper assim com o clube que o elevou, embora também tenha dado muito ao mesmo, é uma mágoa que ficará. Além de correr o risco de sair por baixo com o tempo, se as coisas não correrem bem em Inglaterra e se a Premier League, com toda a sua exigência, for demais para o internacional sueco.

Neste dossiê, há que recordar quão lamentáveis foram as declarações de Rio Ferdinand a meio de junho. Aquele que foi um dos melhores defesas centrais do futebol inglês e europeu, veio a aconselhar Gyokeres a forçar a saída de Alvalade e que no seu lugar “estaria a provocar pesadelos a Frederico Varandas até termos um acordo para que ele me deixasse sair”. Se existem pensamentos que não se devem dizer em público, mesmo que se pensem… esse do ex-internacional inglês é uma delas. Mau profissionalismo não se aconselha. Lembra-se aqui o caso de Matheus Nunes a forçar a saída de Wolverhampton com vista ao Manchester City em 2023. Tanto que o internacional português ex-Sporting, ainda hoje é vaiado no estádio dos Wolves.

Olhando para este caso de Viktor Gyokeres, é impossível não recordar um outro caso mais antigo e em Alvalade a seguir a um campeonato ganho: Jardel em 2002. O antigo goleador brasileiro foi mesmo um processo que praticamente despedaçou um dos melhores avançados de sempre e por culpa própria (drogas, álcool e más companhias). Tendo aparecido com o seu empresário para rescindir contrato com os leões por “questões de ordem psicológica” e respondendo com arrogância aos jornalistas que não ficaria no Sporting. Seguiram-se rumores de transferências para colossos europeus que não se verificaram (falou-se em saídas para Barcelona e Real Madrid) e uma apresentação no estágio da equipa verde e branca com excesso de peso e sem condições para repetir os seus melhores dias. A partir daí, a carreira de Jardel foi sempre a descer, infelizmente.

Em sentido contrário há que salientar Costinha, antigo internacional português. Quando o “Ministro” estava ao serviço do FC Porto em 2004, existiu a possibilidade de rumar a voos maiores (Real Madrid, para dar um exemplo) e apesar de ter mostrado interesse em sair (internamente e não em público), o então médio defensivo portista respeitou o facto de o seu clube não ter alcançado as verbas desejadas por si e manteve-se de dragão ao peito, até ao fim do seu percurso. Precisamente pela ideia de que de que se assinou um contrato, não faz sentido fazer pressão para sair a todo o custo. A isto se chama bom profissionalismo.

No fundo, esta história da lealdade no futebol, é uma estrada só com um sentido: dos adeptos para os jogadores e clube e não outro. Tal realidade é triste e era bonito haver uma reversão na mesma, aliada à ideia de respeito pela vontade do atleta em alcançar outras metas e noutros sítios. Não se pode prender um jogador, mas não se pode ficar igualmente preso à vontade ou ao apetite do jogador. O equilíbrio e a maturidade dos intervenientes devem permanecer a fim de evitar situações como esta.

Há uma frase que diz tudo, que é: “O futebol é momento”. Noutras palavras, o mundo do futebol é conhecido por ter memória reduzida, mas muitos adeptos e não só, não a têm. Sinceramente, a bola está ainda muito com Viktor Gyokeres. Se ainda há tempo para retificar a situação, era importante que o fizesse. Se acabar por sair, era importante que saísse com dignidade e com a situação mais apaziguada.

Se acabar por ficar, era muito elegante e um ato de maturidade que Gyokeres pedisse desculpa e provasse novamente em campo, que é o profissional que aparentava ser. Além dos melhores avançados que vimos em Portugal e de leão ao peito. Embora já um pouco demorado, ainda vai a tempo de não ficar na lista dos intervenientes que cuspiram no prato onde se serviram.