Mauro Jerónimo passou pelo Vitória FC em duas ocasiões. Inicialmente, atuou pelos sadinos nos escalões de formação, mas acabou por integrar uma equipa técnica dos escalões de formação. Hoje em dia está no Vietname, onde a aposta em jogadores jovens é um dos seus princípios. O técnico falou um pouco com o Bola na Rede sobre a situação do histórico do Sado.
Bola na Rede: Mauro Jerónimo, que tal está a ser a aventura pelo Vietname? A última vez que falámos foi em outubro de 2023…
Mauro Jerónimo: Está a ser uma boa aventura, mas podia estar a ser ainda melhor. Na última temporada falhámos a promoção. Ficámos em segundo lugar, fomos a um play-off de subida, mas perdemos 3-2. Fizemos uma boa época, estivemos 17 jogos sem perder, apenas uma derrota, que até foi fora de casa e no último minuto. A época estava a correr bem, mas infelizmente este formato de competição é muito complicado. Comparas com Portugal, em que tens o primeiro e o segundo que sobem, com um terceiro a ir a um play-off. Aqui apenas sobe um e o outro vai ao tal ‘mata-mata’, contra uma equipa da Primeira Liga, que vem de um campeonato onde jogam muito estrangeiros. Aparecem com um tipo de intensidade de jogo mais alto do que o nosso. Eu até acho que fizemos um bom jogo, ao intervalo estávamos a ganhar 1-0. Eles depois deram a volta ao resultado, mas ninguém esperava, porque fizemos uma primeira parte tão boa. O estádio estava cheio e a minha equipa é muito jovem. Nesse jogo, a nossa média de idade era 21,3 de média de idade, a deles era de 28,5. É uma diferença grande e a este nível isso é importante. Isto não quer dizer que não possas ganhar, mas em finais ou jogos de subida, é necessário um bocadinho mais de experiência. Faz parte da história e agora seguimos. Este ano vamos ver o que vai acontecer. Sinceramente, não estava à espera de continuar, vamos ver…
Bola na Rede: Estás bastante habituado a orientar jovens e vamos levar a conversa um pouco por aí. Apesar de seres da Ilha de São Miguel, parte da tua carreira foi realizada no Distrito de Setúbal, por onde passaste na equipa de juniores Vitória FC…
Mauro Jerónimo: Foi uma experiência enriquecedora para mim, inicialmente até como futebolista. Eu vivi na Ilha de São Miguel até aos 17 anos e via que o Santa Clara não apostava tanto na formação, nessa altura. Não vale a pena agora pensar no passado…. Eu joguei lá, depois estudei lá e acabei por integrar a equipa técnica. Foi uma cidade que me marcou, fica na minha história. Tenho muito carinho pela cidade e guardo boas memórias.
Bola na Rede: Estiveste como treinador na formação do Vitória FC, mais especificamente como adjunto dos juniores, em 2011/12. Olhamos para o plantel dessa temporada e tinha elementos como Ricardo Horta, Rúben Vezo ou Frederico Venâncio. A formação do Vitória FC sempre teve esta qualidade?
Mauro Jerónimo: Acho que o Vitória sempre foi um clube com tradição em termos de futebol jovem. Isto foi em 2011. Nessa altura, o Vitória disputava jogos contra Benfica, Sporting e eram desafios competitivos. Na altura trabalhava-se muito bem a formação. Havia sempre dois ou três jogadores a subirem para a equipa principal. No final das contas é isso que se tem de analisar. O que uma academia produz para a equipa principal. Sempre houve muito talento no distrito de Setúbal. Por exemplo, vários jogadores da formação de Benfica e Sporting, ao longo da história, são desse distrito. O Vitória nunca teve as condições de infraestruturas dos outros, mas conseguiu sempre produzir e ter jogadores com qualidade para jogarem na primeira equipa.
«O Vitória sempre foi um clube com tradição em termos de futebol jovem. Isto foi em 2011. Nessa altura o Vitória disputava jogos contra Benfica, Sporting e eram desafios competitivos. Na altura trabalhava-se muito bem a formação».
Bola na Rede: Como uma pessoa que segue o clube, como vês a crise que tem ensombrado a instituição nos últimos 10/15 anos?
Mauro Jerónimo: É uma situação triste, é uma pena. Quando eu estava no Vitória FC essa crise já existia, isto não é de hoje nem de ontem. Mesmo na altura do Chumbita Nunes, já havia problemas financeiros. O dia-a-dia dos jogadores era muito afetado. Estes problemas são de há duas décadas, por aí. Mas nunca tinha chegado a este ponto de rotura. O Vitória sempre foi um clube de Primeira Liga, quanto muito Segunda Liga. É um clube tradicional e se fores ao Bonfim, a maior parte dos adeptos são do Vitória, não do Benfica, nem do Sporting. É uma pena ver um clube com tanta tradição, com tantos adeptos e que forma talentos, vá desse o topo até ao fundo.
Bola na Rede: Qual é o nível da AF Setúbal, mais especificamente do segundo escalão?
Mauro Jerónimo: É um nível muito baixo. Os jogadores não são profissionais. Os jogadores trabalham e depois vão treinar. No caso do Vitória, não posso garantir se isso acontece, mas sei que todos os anos o objetivo passará por subir, pelo menos até ao patamar de Campeonato de Portugal/Liga 3. É possível que tenham alguns jogadores profissionais e recebem um salário por jogar futebol. Porém, isto é a exceção. Geralmente nestes escalões os jogadores contam com um trabalho que os sustenta e depois jogam futebol.
Bola na Rede: Vês a formação como algo fundamental para a recuperação deste histórico?
Mauro Jerónimo: Sem dúvida. O Vitória sempre se sustentou maioritariamente pelos jogadores da formação. Mesmo em termos financeiros, principalmente num clube com dificuldades, esta aposta é necessária. Porém, temos de ter em conta que a passagem de um nível de júnior para o de sénior é complicado, é uma transição difícil. Nem todos conseguem saltar e jogar logo. Não é fácil usar apenas jogadores da formação para subir de divisão, mas seguramente é um ponto fundamental.
«Se o Vitória disputar os campeonatos nacionais é sempre atrativo aos jogadores. É sempre atrativo quando jogas o Campeonato Nacional de Juniores e o Vitória consegue sempre jogar aí, mesmo com os seniores numa divisão baixa».
Bola na Rede: Como é que o Vitória conseguiria manter essas jovens promessas, estando numa divisão tão baixa e com clubes como Benfica ou Sporting quase ao lado?
Mauro Jerónimo: Creio que deve ser muito mais complicado agora do que no passado. Possivelmente jogadores da cidade e que vivam lá, que não queiram ir para longe. Não tenho a certeza se o investimento na academia continua a ser alto. Se o Vitória disputar os campeonatos nacionais é sempre atrativo aos jogadores. É sempre atrativo quando jogas o Campeonato Nacional de Juniores e o Vitória consegue sempre jogar aí, mesmo com os seniores numa divisão baixa. Os jogadores querem jogar, ter a oportunidade de aparecer. Aí jogam na mesma contra o Benfica, Sporting, Estoril, etc.. Há visibilidade para as suas carreiras.
Bola na Rede: Como é que vês este fenómeno de queda de clubes históricos para divisões mais baixas? Embora por razões diferentes, existem os exemplos de Belenenses, Académica…
Mauro Jerónimo: É um bocadinho como o país, temos de ver a crise financeira e o problema de não existir investimento suficiente. Os clubes também não criam receitas para serem sustentáveis, em certos casos. Às vezes há problemas entre clubes e SAD’s. O Belenenses é o expoente máximo deste problema. A divisão entre um clube e a SAD eu nunca tinha visto situação como tal. Mas o problema está no projeto, não há uma ideia de longo prazo. Quer-se ganhar amanhã. Não há um passo a passo. Há muitos jogadores estrangeiros a jogar em Portugal e eu acho que o futebol deve ser global. Mas eu acho que Portugal produz imensos jovens com qualidade e a aposta neles é uma maneira de ser financeiramente mais estável. Há imensos clubes com jogadores estrangeiros na formação, com um investimento. A longo prazo isto pode ser complicado, para atingir a estabilidade. Há várias razões essas quebras: a visão a curto prazo, o país em si, já que Portugal não vive financeiramente o melhor momento financeiro. Mesmo na Primeira Liga há clubes que sofrem em termos financeiros. É um problema geral. Sporting, Benfica e FC Porto não são tão afetados, têm outro tipo de estrutura.
Bola na Rede: O Vitória FC, estando no escalão em que está, consegue fazer um plano a longo prazo, por exemplo, a cinco anos?
Mauro Jerónimo: Eu acho difícil, cinco anos é curto. Eles estão a começar mesmo por baixo. É o mais baixo do mais baixo. No futebol não há nada impossível, mas não é assim tão fácil. Quando se chega ao Campeonato de Portugal ou à Liga 3, a situação fica mais complicada, mas tudo é possível. Se o Vitória tiver um projeto com visão, com um investimento, se não se deixarem afetar pela derrota, ao mesmo tempo que se aposta na academia. O Vitória tem sempre aquela possibilidade de atrair jogadores com qualidade, porque o nome está lá, independentemente da divisão em que se está. Isso é uma vantagem que existem comparativamente a outros clubes. O potencial está lá, a cidade é brutal. Vamos ver como vão criar o tal projeto de sustentabilidade, que ao mesmo tempo terá que ter resultados. São dois pontos que têm que ir lado a lado.
«Se fores contratar elementos de outro nível, a tua probabilidade de ganhar é muito maior. Se for esse o caso, a subida pode ser mais rápida. O Miguel Rosa foi agora para o Vitória, mas não é fácil trazer jogadores desse currículo, com passagens de Primeira Liga ou Segunda Liga».
Bola na Rede: Consegues ver o Vitória FC daqui a dois anos de regresso ao Campeonato de Portugal?
Mauro Jerónimo: Eu espero que sim. Tem que subir duas vezes seguidas. Eu espero que sim, para o bem do clube e do futebol português. Era bom ver o Vitória chegar perto do nível onde deve estar. Porém, sabemos que o futebol hoje em dia está mais competitivo. Todos os clubes têm as suas ferramentas e os seus recursos humanos. Mesmo aqui no sudeste da Ásia eu vejo isso, a competitividade é muito alta, o conhecimento é maior. A não ser que haja um investimento financeiro realmente superior a todos os outros, onde tens a possibilidade de ir buscar a diferença, que é a qualidade de jogadores. Se fores contratar elementos de outro nível, a tua probabilidade de ganhar é muito maior. Se for esse o caso, a subida pode ser mais rápida. O Miguel Rosa foi agora para o Vitória, mas não é fácil trazer jogadores desse currículo, com passagens de Primeira Liga ou Segunda Liga.
Bola na Rede: O Vitória está a passar um pouco aquilo que o Belenenses passou, salvo as devidas diferenças, já que a equipa de Belém foi para ao último escalão da AF Lisboa e teve que recomeçar, sendo que neste caso até são mais divisões…
Mauro Jerónimo: É possível, tudo é possível. O Vitória sempre teve bons jogadores, é uma região com bons técnicos. Eles têm o potencial para progredir. É preciso é que haja um projeto sustentável para que as pessoas consigam trabalhar bem e com a motivação e o espírito que a cidade tem. Mesmo a jogar na Segunda Distrital há muitas pessoas a irem ao Bonfim. Há essa audiência. Espero que consiga vir para cima.
Bola na Rede: Para fechar, acreditas que algum dia vais regressar ao clube?
Mauro Jerónimo: Não te sei responder. Não te posso dizer nem que sim, nem que não (risos). O futebol dá tantas voltas que nem sei. No outro dia perguntaram-me exatamente o mesmo, mas sobre o Santa Clara, onde eu joguei e fica na minha terra natal. O futebol é imprevisível. O mundo do futebol não é assim tão grande, é pequeno. Sinceramente, não sei. O que sei, é que vou voltar a Portugal um dia, isso é certo, mas para onde pertence a Deus e vamos ver o que irá acontecer.