O relacionamento entre a FIFA e a Arábia Saudita, não sendo novo, tão pouco pode ser catalogado de discreto face às espreguiçadelas cada vez menos tímidas do tu-cá-tu-lá entre a organização que gere a principal prova de seleções do mundo e o país descrito pela Amnistia Internacional, no seu mais recente relatório, como “perseguidor” de quem “exerce o seu direito à liberdade de expressão”, prendendo “arbitrariamente” essas pessoas e “discriminador” para com mulheres - que apenas foram autorizadas as conduzir um carro em 2018 e a viajarem sem permissão do marido a partir do ano seguinte.

Citando a primeira frase que outra organização, a Human Rights Watch, estampa na sua página dedicada à Arábia Saudita, eis uma nação que “gasta milhares de milhões de dólares a organizar grandes eventos de entretenimento, cultura e desporto para desviar a atenção do seu pobre registo quanto aos direitos humanos”. Não sendo exatamente estes os termos de uma petição de título sugestivo, “O patrocínio da Aramco é um dedo do meio mostrado ao futebol feminino”, a reivindicação de mais de 100 mulheres futebolistas profissionais encarrilou por eixos semelhantes.

Em causa está o anúncio da FIFA de que a gigante petrolífera saudita, hoje a maior empresa do planeta no setor, será uma das patrocinadoras do próximo Campeonato do Mundo em 2027, com sede no Brasil, onde se confirmará o que o ano passado a pressão da opinião pública alegadamente surgiu a tempo de estancar. Antes do último Mundial, os governos da Austrália e da Nova Zelândia, além dos ecos de vozes proeminentes do futebol feminino como Alex Morgan e Megan Rapinoe, então as capitãs da seleção dos EUA que era a bicampeã do mundo em título, terão forçado a FIFA a recuar na intenção de ter a entidade de turismo da Arábia Saudita nos painéis de publicidade do torneio.

Gianni Infantino, à esquerda, ao lado de Abdulaziz bin Turki Al Faisal, ministro do Desporto saudita e membro da família real do país, e de Khaldoon Al Mubarak, CEO do Manchester City e natural do Abu Dhabi.
Gianni Infantino, à esquerda, ao lado de Abdulaziz bin Turki Al Faisal, ministro do Desporto saudita e membro da família real do país, e de Khaldoon Al Mubarak, CEO do Manchester City e natural do Abu Dhabi. Robbie Jay Barratt - AMA

O acordo entre a FIFA e a Aramco, queixa-se a petição, “é muito pior do que um auto-golo para o futebol”, ou um “murro no estômago do jogo no feminino”. As críticas das jogadoras defendem que a entidade “coloca em causa décadas de trabalho de futebolistas e adeptos” com palavras que dispensaram as pantufas: ao abraçar a petrolífera como sua parceira, “mais valia” a FIFA “despejar óleo no relvado e incendiá-lo” porque “as autoridades sauditas atropelam não só os direitos das mulheres, mas a liberdade de todos os restantes cidadãos”.

Entre as signatárias da petição estão várias jogadoras de maior perfil, como Viviane Miedema, avançada e uma das melhores do mundo, atualmente no Manchester City, Becku Sauerbrunn, antiga capitã da seleção dos EUA, ou Niamh Charles, internacional inglesa e defesa do Chelsea, clube campeão inglês. “Imaginem ser esperado que jogadoras LGBTQI+, muitas das quais são heróis da nossa modalidade, promovam durante o Mundial de 2027 a Aramco, a empresa petrolífera de um regime que criminaliza as relações nas quais elas estão e os valores que elas defendem?”, pergunta o documento, no seu início.

A base de crítica das jogadoras é a porta aberta por Gianni Infantino, presidente da FIFA, a “um estado sistematicamente opressor das mulheres” que “não deveria” ter espaço para “patrocinar” o futebol - “o nosso jogo bonito”. Vincando os pontos da sua discórdia, as futebolistas deixaram mais questões na petição: “Como pode a FIFA justificar este patrocínio tendo em conta as violações de direitos humanos do regime saudita? Como pode defendê-lo perante o papel da Aramco na crise climática?”.

Na prática, o finca-pé ao acordo de publicidade desagua no que o grupo de mais de uma centena de futebolistas urge à entidade, que retire a petrolífera da lista de patrocinadores e “reconsidere” substituí-la por empresas cujos valores “estejam alinhados com a igualdade de género e os direitos humanos”. Em paralelo, sugerem a criação de um comité de revisão para futuros acordos de patrocínio, com a presença de jogadoras e jogadores, incumbido de “avaliar as implicações éticas de futuros patrocinadores” e garantir que “estão alinhados” com os valores do futebol.

Como resposta institucional, pelo menos publicamente, a FIFA apresentou-se alinhada com o seu novo parceiro. “Valorizamos a nossa parceria com a Aramco e outros parceiros comerciais”, começou por realçar a entidade no comunicado enviado à Sky Sports e Associated Press, descrevendo-se como “uma organização inclusiva”. A entidade defende-se ainda com o acrescento de que “as receitas de patrocínios” são “reinvestidas de volta” no futebol “em todos os níveis” e “o investimento no futebol feminino continua a aumentar”. A entidade sugere uma leitura da sua estratégia para o futebol jogador por mulheres no ciclo 2023-27 e lembra que “o modelo de distribuição” de prémios de jogo do Mundial anterior “foi inovador”.

Além de a Aramco ser uma das parceiras da FIFA para o Mundial feminino de 2027, no Brasil, o mesmo acontecerá para o torneio masculino, agendado para 2026 com os EUA, o Canadá e o México como anfitriões.