Quando quase 200 ciclistas partem para uma grande corrida por etapas, é evidente que, no final da competição, só um subirá ao pódio como vencedor da classificação geral individual. No entanto, dentro de qualquer pelotão, há pequenas grandes vitórias pessoais que sabem a deliciosos banhos nas águas da glória.

Terá sido isso que Jonas Vingegaard sentiu ao terminar o Tour de France 2024. Competidor feroz, o dinamarquês batalhou até final por conquistar a maior das competições pela terceira vez seguida. Mas, ao ser superado por Tadej Pogačar, o homem da Visma não podia deixar de lembrar-se onde estava três meses antes.

Em abril, na preparação para o Tour, Vingegaard sofreu uma grave queda na Volta ao País Basco. Passou 12 dias numa unidade de cuidados intensivos em Vitória, período em que se acumularam os rumores sobre o estado físico do corredor que subiu ao lugar mais alto do pódio de Paris em 2022 e 2023. Jonas sofreu uma contusão pulmonar e um pneumotórax, além de fraturas de clavículas e nas costelas.

Da cama do hospital, o dinamarquês teria de saltar, com pouco descanso, para cima da bicicleta, preparando-se, em contra-relógio, para pedalar pela terceira vitória seguida na Volta a França. O tri só fora conseguido, na história da competição que arrancou em 1903, por Louison Bobet (1953, 54 e 55), Jacques Anquetil (1961 a 1964), Eddy Merckx (1969 a 1972), Bernard Hinault (1978 a 1982), Miguel Indurain (1991 a 1995) e Chris Froome (2013 a 2017).

O reaparecer competitivo de Vingegaard valeu-lhe o segundo lugar do Tour. Terminou a 6,17 minutos de Pogačar, mas, olhando para trás, valoriza o conseguido: “Foi um milagre estar no Tour, mas foi ainda mais milagroso acabar em segundo. Tendo em conta tudo o que vivi, foi uma grande temporada”, disse o ciclista, de 27 anos, numa conferência de imprensa com presença de órgãos de comunicação social de todo o mundo. Em 2024, Vingegaard conquistou o Gran Camiño, prova na Galiza, o Tirreno-Adriático, em Itália, e a Volta à Polónia.

Dario Belingheri

Depois de Pogačar ter voado no Tour em 2020 e 2021, Vingegaard apareceu em 2022 para estragar o que parecia ser a era de domínio incontestado do esloveno. Derrotou-o na grande boucle desse ano e repetiu a dose em 2023. Na última mão-cheia de edições da prova, Pogi e Jonas ocuparam os lugares cimeiros da classificação.

Apoiado num passado em que já provou conseguir ser melhor que um candidato a melhor ciclista de sempre, Vingegaard deixa uma mensagem de ambição para 2025: “Claro que posso derrotar Pogačar. Já o fiz em 2022 e 2023, já mostrei que o consigo fazer. Se esta temporada tivesse sido normal, terminar a seis ou sete minutos do Tadej tirar-me-ia a fé, mas, com tudo o que me passou, com a operação… Tenho muita confiança”, garante o dinamarquês.

Em 2024, Pogačar protagonizou a melhor temporada da história do ciclismo moderno. Jonas reconhece que o seu rival geracional está “mais forte que em 2022 ou 2023”, mas confia que ele próprio “também pode subir o nível”.

A outra vida

O começo da relação de Jonas com as corridas de bicicletas não foi fácil. O magro dinamarquês sempre foi um rapaz tímido e reservado, cuja mente costumava sofrer antes das provas. Ficava doente, vomitava. A mãe dizia-lhe que “não havia problema nenhum” em deixar o ciclismo, mas Vingegaard respondia que “gostava muito” da modalidade e foi continuando.

A ajuda de um psicólogo foi fundamental para Jonas, tal como fundamental foi o apoio da sua mulher. No Tour 2022, quando se tornou uma estrela do ciclismo, ficou na memória a imagem do corredor a ligar para a mulher no final de cada etapa, procurando o apoio de Trine.

No Tour 2023, na segunda das duas vezes que Jonas bateu Tadej na corrida
No Tour 2023, na segunda das duas vezes que Jonas bateu Tadej na corrida Pool

É conhecida a obsessão dos ciclistas com as horas de descanso. Medem cada minuto de sono com os aparelhos que levam nos pulsos ou nos dedos, conta as horas em que estão de pé, alguns levam uma vida de disciplina monacal.

Não é o caso de Vingegaard nas últimas semanas. Jonas tem estado na Dinamarca, com a mulher e os dois filhos. Reconhece que “as noites de sono não são as melhores”, desde logo porque o segundo filho tem poucas semanas de vida, mas o menor descanso vale a pena: “Amo cada segundo em família.”

A difícil relação de Jonas com a competição parece coisa do passado. Já não há pesadelos, mas sim um equilíbrio mental mais saudável. “O ciclismo não é tudo na vida. Sinto-me bem, não tenho problemas de saúde mental. Ao ter um acidente tão grave como o que eu sofri, é normal que penses nas possíveis consequências. Mas continuo a andar de bicicleta, creio que essa é a melhor resposta”, comentou.

Para 2025, além da óbvia ida ao Tour, o líder da Visma não confirma nem desmente possíveis presenças no Giro ou na Vuelta. Onde o dinamarquês gostaria de estar era nos Mundiais, talvez para tentar acompanhar a já lendária polivalência de Pogačar, que se destaca por vencer constantemente em corridas de etapas e em competições de um dia.

As próximas três edições dos campeonatos do mundo — em 2025 em Kigali, no Ruanda; em 2026 em Montreal, no Canadá, e em 2027 no Sudeste de França, na região alpina — são, nas palavras de Jonas, “propícias para trepadores”, pelo que o dinamarquês vê nisso “uma oportunidade” de tentar vestir a camisola do arco-íris.

Para já, é altura de intensificar a pré-época. Nas últimas semanas, em modo de repouso, Vingegaard só treinou cerca de 10 horas por semana. Os próximos tempos trarão algum afastamento da família, com os duros estágios de pré-época, afinando o corpo para 2025. Preparando-se, no frio do inverno, para mais um verão de disputa com o seu rival geracional.