Foi há 20 anos que Manuel dos Santos aterrou em Lisboa para viver o que seria a sua única experiência fora do futebol francês. Essa experiência, ou pelo menos a primeira temporada da mesma, resume-se em três passos: assinar pelo Benfica de Trappatoni, ganhar a titularidade a Fyssas e ajudar as águias a conquistar um campeonato nacional que já fugia há onze anos.
As coisas não correram assim tão bem na temporada seguinte, de maneira que o mês de janeiro trouxe outros convites. O lateral esquerdo estava preparado para rejeitá-los, mas um deles tocou-lhe no ponto fraco: as saudades de casa.
Casa é neste contexto aquele brilhante rochedo que não é bem França - o Mónaco -, e aos 50 anos de idade, Manuel dos Santos diz com orgulho que passou 30 deles a carregar ao peito o símbolo do clube do Principado: na formação, como jogador profissional e agora como treinador. A propósito da visita do Benfica a essa casa, o zerozero foi falar, em português, com um dos responsáveis pela formidável formação do Monaco.
Temporada de sonho e Luz em festa
«Foi uma grande temporada, fomos muito felizes. Nunca me vou esquecer da festa que fizemos no Estádio da Luz depois do último jogo, às três da manhã ainda estava o estádio cheio de gente. Nunca imaginei nada assim, foi uma boa surpresa», começou por recordar, à conversa com o nosso jornal.
«Tínhamos um plantel de qualidade. Lembro-me que no início não foi simples, tive de jogar muito bem para conseguir um lugar e isso aconteceu ao fim de uns jogos. Mas era fácil trabalhar no Benfica, o Trapattoni preparava bem o jogo e dava-nos muita informação importante, mesmo em momentos que tinham muitos jogos e por isso não podíamos treinar muito, só recuperar.»
«Lembro-me sempre dos meinhos antes do treino, com a malta toda. Também dos muitos estágios que fazíamos antes dos jogos e passávamos horas a jogar às cartas à noite», recorda ao zerozero. Se ganhava nos jogos de cartas? «Claro!»
Foi tudo realmente memorável, de maneira que Manuel dos Santos rotula essa temporada como uma das melhores em toda a carreira. Certo é que não durou para sempre... 2005 trouxe Koeman para o comando técnico e Léo para o lado esquerdo da defesa, nomes que mexeram com o Benfica, mas também com o espaço do francês.
«O treinador preferiu o estilo do Léo, é assim o futebol. Eu treinei sempre com motivação para ganhar o meu lugar, mas percebi que não havia muito que pudesse fazer por isso quando apareceu o Monaco, que é o clube da minha infância, aceitei. Eu estava pronto para ficar um ano sem jogar, porque a vida no Benfica era boa para mim e para a minha família, mas por ter sido o Monaco a chamar...»
«Cada ano é diferente, há sempre uma geração nova»
Nasceu em Cabo Verde, mas Manu, como é conhecido em França, tinha pouco mais de seis meses quando os pais decidiram trocar África pela Europa.
«Os meus pais vieram cá para trabalhar e a vida deu-me este clube, onde eu cresci. Já cá estive 30 anos e isso é muito especial», diz-nos. Aos seis anos começou a jogar no Monaco e aos 21 estreou-se pela equipa principal, num dérbi frente ao Nice. Ganhou espaço, mas uma lesão no ligamento cruzado levou-o a jogar apenas quatro jogos e a assistir do banco à conquista do seu único título de campeão francês.
Quando regressou, já depois de Marseille, Montpellier e Benfica, chegou como um elemento experiente, curiosamente para substituir Patrice Evra, que rumara a Manchester. Ao zerozero diz que «sabia que estava no final da carreira e que vinha para ajudar os mais jovens do clube». Desde então, dedicou-se mesmo a essa arte de ajudar a juventude monegasca: «Como não podia jogar mais, tive de ser treinador.»
«O Kylian Mbappé era especial, mas não o treinei muito porque ele estava adiantado e só durou três ou quatro meses nos sub-17. Mas houve muitos, alguns que vão jogar com o Benfica como o Akliouche o Ben Seghir, o Magassa... Também trabalhei muito com o Badiashile, que está no Chelsea agora. O desafio é ensinar-lhes que o futebol não é só no campo, que há muito a fazer fora do campo em termos de nutrição, hidratação, descanso e tudo mais.»
Os vários anos de clube e de futebol podiam até deixar Manuel dos Santos a olhar para uma um capítulo seguinte, mas não é o caso. «Por enquanto estou muito bem com os jovens. Cada ano é diferente, porque há sempre uma geração nova e isso é muito estimulante e motivador. Todos os anos tenho de pensar de novo e mudar as ideias e forma de treinar porque os miúdos são novos. Eu gosto muito disso...»