Os oitavos da Taça de Portugal têm um confronto muito especial na ementa. Tirsense e Rebordosa AC, adversários na Série A do Campeonato de Portugal, encontram-se por um lugar nos quartos de final.
Apesar de não ser um fim de semana de Taça de Portugal - os campeonatos não param - e do jogo ser a um horário pouco convidativo - 11:00 de um sábado friorento, a três dias do Natal, vá-se lá saber porquê -, há muito entusiasmo para um duelo que pode ser histórico.
Em antevisão a este duelo, o zerozero conversou com Daniel Rodrigues e Sandro Fonseca, jogadores de Tirsense e Rebordosa respetivamente.
A Taça para inverter o ciclo negativo
Em terras jesuítas, a Taça vai sendo o motivo de alento dos adeptos. Com o objetivo da subida a parecer já uma miragem - ao contrário do terror da descida de divisão -, o Tirsense tem-se agarrado a uma boa campanha na Taça. Daniel Rodrigues, jovem que decidiu a última eliminatória, diante do Brito, enumerou as vicissitudes da temporada, antevendo a partida para a prova rainha.
«Esta época não está a ser regular como gostávamos que fosse. Estamos a trabalhar para tentar inverter este ciclo negativo e este jogo também vai ser muito importante. Acho que há sempre aquele sentimento inconsciente de que é um jogo da Taça e um jogo a eliminar. É um jogo diferente, tem aquela pitada de sal especial e queremos ficar na história do clube».
As duas equipas, que disputam a mesma série do quarto escalão do futebol português, já se encontraram esta temporada. Em agosto, os Marceneiros, a jogar em casa, entraram na temporada da melhor maneira. A vitória do Rebordosa para o campeonato (2-1) não significa nada para Dani, que garante que as equipas estão muito diferentes.
«Foi o primeiro jogo da época, acabamos por perder 2-1. Agora, as duas equipas estão completamente diferentes. O jogo vai ser também noutra competição, vai dar na televisão, portanto, eu espero um jogo totalmente diferente daquele que aconteceu na primeira jornada do campeonato e acredito também que o resultado poderá ser favorável para nós, desta vez».
Aos 22 anos, Dani caiu no Campeonato de Portugal, depois de jogar toda a formação no Sporting CP. É internacional jovem, esteve no Europeu de sub-17 em 2019, e ainda chegou a jogar pela equipa B dos leões. Agora, a realidade é outra, mas a ambição é clara: voltar a subir patamares na pirâmide do futebol português.
«Fiz a minha formação no Sporting, mas agora estou aqui no Tirsense e tenho de me focar nisso. Estou a fazer uma época regular em termos de jogos e tenho ambição também de ainda chegar a outros patamares. A Taça de Portugal é uma montra e temos que aproveitar, muitos de nós ainda temos esse sonho», disse o jovem natural de Resende.
Prolongar a história já alcançada
Do lado dos Marceneiros, a história já está a ser escrita. O Rebordosa nunca tinha alcançado os oitavos da prova rainha e o clima que se vive à volta do clube é de apoteose.
«Tem sido uma experiência incrível. Os adeptos estão excitados quanto nós. Fizemos história, o clube nunca tinha chegado tão longe na competição e tem sido muito bom, principalmente pela parte dos adeptos. Vêm-nos na rua e dão sempre aquela forcinha. Dizem ´Para a Taça que vai ser´ e ´Nunca tivemos tão longe na taça, é para ganhar, é para irmos aos quartos´. Tem sido engraçado», disse Sandro, defesa central da turma de Rebordosa.
Tal como o Tirsense, também o Rebordosa teve de eliminar uma equipa de um escalão superior para chegar a esta fase da Taça. O jogo na Covilhã arrastou muita gente do concelho de Paredes até à Beira Interior, algo que impressionou os jogadores.
«Foi um jogo muito especial. Tivemos um apoio incrível da malta de Rebordosa, num jogo a distância muito grande. Não esperávamos ter tantos adeptos lá, foi como se estivéssemos praticamente a jogar em casa. Conseguimos marcar cedo, foi um daqueles jogos em que tudo parece correr bem».
O duelo em Santo Tirso é ainda mais especial para Sandro. O defesa regressa à casa do clube que representou há duas temporadas e onde ainda mantém muitos amigos: «Vou encontrar certamente caras conhecidas do outro lado, tanto jogadores como equipa técnica, direção, estrutura, adeptos. Foi um clube que me ajudou e que me acolheu muito bem.»
«Já lhes ganhamos esta temporada e eu, na altura, ainda brinquei com alguns colegas que tenho lá. Desta vez ainda nem liguei para eles. Estou quietinho no meu canto, que eles podem estar nervosos e não quero que eles fiquem nervosos (risos)», confessou, bem humorado, Sandro Fonseca.
Campeonato de Portugal: um refúgio difícil para quem gosta de ter a bola
Apesar dos cinco anos de diferença, Dani e Sandro têm um ponto que os une: ambos jogaram na formação de um grande, ambos não cumpriram com as expectativas criadas em tenra idade.
«Não vou dizer que foi fácil, porque não foi. Eu tinha, de facto, umas expectativas muito elevadas, porque fui acabei por ser uma das referências das da minha geração. Não foi fácil gerir, fui para a Liga 3 e acabei por ter de outro passo atrás para o para o Campeonato de Portugal. Acho que tenho uma mentalidade que me fez ultrapassar isso da melhor maneira», confessou Daniel.
Já Sandro, assume que falhar no FC Porto - onde esteve dez anos da sua formação -, levou-o a não criar grandes metas para a sua carreira, vivendo a vida passo a passo.
«Desde que saí do Porto e não cumpri com as minhas metas pessoais que eu tinha que tinha proposto a mim mesmo, decidi que neste momento faço a minha vida passo a passo. Tento não criar grandes expectativas, não gosto de dizer que para o ano quero estar numa equipa de segunda liga ou quero ir para fora. Tento fazer o melhor a cada dia e se surgir a oportunidade, fantástico, se não surgir, mantenho os pés na Terra e continuo a trabalhar que a vida é assim mesmo.»
Os dois jogadores concordam ainda que «para um jogador que sai de um grande, jogar no Campeonato de Portugal é mais difícil do que jogar na Segunda Liga».
«Há muita intensidade nos duelos, agressividade. Há muitos jogos que são mal jogados. São só na raça, no querer. E é isso que eu também tento melhorar, se estou neste campeonato tenho de me adaptar. Já tive a oportunidade de jogar contra equipas de Segunda Liga e Liga 3 e é mais fácil do que jogar contra uma equipa Campeonato de Portugal, que não queira jogar futebol e só jogue para o ponto», começou por dizer Daniel.
«Na Segunda Liga, pratica-se um futebol mais jogado. É melhor para nós, que estamos habituados a fazer formação nos grandes. O futebol dos grandes é diferente. No CP, se não estiveres bem preparado tanto fisicamente como mentalmente, passas grandes dificuldades», disse o jogador do Rebordosa, que trabalha em part-time como TVDE na zona do Porto.
Dani, mais jovem, ainda tem esperanças e crença numa vida ao mais alto nível. «Cada pessoa tem o seu tempo de lá cima. Ainda não chegou o meu, mas acredito que, se continuar focado e a ser humilde, chegarei lá. Não sei se é daqui a um ano, a dois ou a três, mas tenho a certeza que vou conseguir».