Quando em campo tudo se espelha, são os detalhes que fazem a diferença. E, infelizmente para o Sporting, foi Hannah Seabert quem, com o lance controlado, deixou escapar a bola de forma extraordinária e não Misa, guarda-redes do Real Madrid. De outra maneira, o resultado (1-2) transpareceria melhor o que se desenrolou dentro de campo. Porque o Sporting não só não foi inferior ao Real Madrid, como foi, em muitos momentos superiores. Mesmo com o espelho que José Alberto Toril preparou para o jogo.

O Real Madrid apresentava variabilidade na saída, mas o quadrado no meio-campo replicava, em certa parte o 4-2-2-2 do Sporting que joga com as extremos muito por dentro. Caroline Weir partia da esquerda para dentro e juntava-se a Melanie Leupolz numa faixa mais adiantada. Atrás, Filippa Angeldal estava mais posicional, frequentemente perto de Sandie Toletti que definia uma nuance importante na construção do Real Madrid.

Com bola, Sandie Toletti procurava frequentemente lateralizar, permitindo a Olga Carmona projetar-se no corredor. À direita, Athenea de Castillo, a pé natural, jogava aberta e Oihane ficava mais baixo na construção, num modelo assimétrico que permitiu ao Real Madrid desfazer-se do nó espelhado que o quadrado no meio-campo permitiria igualar. E, principalmente na primeira parte, foi sem bola que o Sporting teve maiores problemas.

As assimetrias do Real Madrid geraram alguns problemas nos saltos das jogadoras do Sporting. Sandie Toletti e Oihane conseguiam ter tempo e espaço em situações de bola descoberta para ver o jogo de frente e tomar a decisão com calma de onde colocar a bola. As médios do Sporting, fundamentais com e sem bola, viam aumentar a zona a cobrir e a equipa merengue, principalmente no fim do primeiro tempo, conseguiu crescer a partir destes padrões. Curiosamente, e porque o futebol é imprevisível, foi nesta altura que surgiu o golo… do Sporting.

Retirar a bola ao Real Madrid era o plano estratégico das leoas que, principalmente na segunda parte, controlaram o jogo. Sem serem superiores ou avassaladoras, as comandadas do Sporting conseguiram ter critério com bola e foram ameaçando o conjunto merengue por várias ocasiões e de diversas formas.

Sem deslumbrar, os apoios de Telma Encarnação, avançada que além da veia goleadora tem detalhes técnicos e ao nível da interpretação muito apurados, eram constantemente procurados, com a bola a passar pelas médios – Brenda Pérez e Andreia Bravo encheram o campo – ou partindo de passes mais diretos. Ao seu lado, o poderio físico de Brittany Raphino, jogadora claramente para atuar sem bola, procurando vencer duelos no corpo a corpo ou no ar e atacando o espaço, deu soluções diferentes ao jogo das leoas que, sem causar calafrios, tiveram períodos de superioridade posicional e ameaçar de tempos a tempos. Um último passe e uma definição mais apuradas dariam números mais precisos ao jogo.

Fora dos números esteve também o jogo de Cláudia Neto, criativa do Sporting que voltou a evidenciar que a arte do malabarismo e do engano é a melhor amiga dentro de campo. Partindo da meia esquerda, mas jogando por dentro, como todas as pensadoras desequilibradoras, deu opções de passe e sequência aos lances. A internacional portuguesa e porta-estandarte do futebol feminino português pela Europa tem ações diferenciadas, escondendo a bola, ganhando a frente com receções e deixando passes precisos e delicados, como se em vez de pés, tivesse tacos de snooker perfeitamente calibrados. Um deleite em campo que foi permitindo ao Sporting, através da magia, superar linhas de pressão do Real Madrid.

Mesmo não sendo inferior, o Sporting acabou por perder. Ao espelho, as leoas viram uma versão com personalidade e capaz de se bater de frente com uma das melhores equipas do mundo. O resultado permite manter o sonho vivo da chegada histórica à fase de grupos da Champions League, mas é a exibição que fica. E prova que o Sporting está a caminhar no sentido correto. Em oito dias, as leoas voltarão a procurar voltar a surpreender os merengues e causar um pequeno terramoto no futebol europeu.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: Nos últimos minutos da primeira parte o Sporting quebra um pouco, mas consegue manter-se vivo e chega mesmo ao golo. Na segunda a quebra não foi tão evidente, apesar do cansaço ainda mais acumulado. O que foi feito de forma diferente que permitiu ter o jogo controlado, apesar do infortúnio no último segundo?

Mariana Cabral: Nós ao intervalo tentamos ajustar um bocadinho a forma como estávamos a pressionar em determinadas zonas e em determinados momentos. Agora não vou dizer porque não quero que o treinador adversário saiba [risos]. Acho que isso melhorou um bocadinho na segunda parte, mas ainda podia ter sido melhor e podíamos ter provocado ainda mais erros. Obviamente que contra uma equipa que gosta tanto de ter a bola e com tanta qualidade como o Real Madrid, se passamos muito tempo com a bola depois as nossas jogadoras acumulam muita fadiga e quando têm a bola já não conseguem tomar as melhores decisões. Precisávamos de defender e de pressionar um bocadinho melhor. Conseguimos fazer isso na segunda parte, mas depois nessas bolas que ganhámos faltou um bocadinho o último passe e o remate. Não foi tão bem definido e acabámos por não conseguir criar tanto proveito dessas situações. Mas as jogadoras perceberam e tentaram fazer isso muito bem.

Bola na Rede: O Sporting e o Real Madrid estiveram frequentemente espelhados em campo, com as jogadoras a encaixar umas nas outras. Taticamente quais as dificuldades que isso trouxe ao jogo e como foram superadas?

José Alberto Toril: O Sporting tem um sistema muito peculiar. É complicado de contrariar. Joga com as extremos por dentro e com duas avançadas e é difícil fechar as linhas de passe para que não recebam e possam transitar. É aí que são fortes, quando recebem e podem lançar a Telma Encarnação e a Brittany Raphino. Aí convertem-se numa equipa perigosa, mas conseguimos impedi-lo muito bem e não concedemos nenhuma ocasião para transitar. Nesse aspeto fizemos um trabalho muito bom. Faltou-nos um pouco ataque, talvez ser mais agressivos, como habitualmente somos. Somos uma equipa que faz muitos golos e hoje não estivemos tão bem nisso. Mas o que importa é o resultado.