Se antes o problema do Sporting era não ter o conforto e as facilidades que marcar primeiro permite, agora o problema é, precisamente, ter um conforto traduzido em relaxamento e descompressão após marcar primeiro. Vencer o segundo jogo consecutivo, ainda que no prolongamento, vale a João Pereira mais um sopro no balão de oxigénio ao qual se agarra, mas não apaga todos os problemas de que o conjunto verde e branco ainda sofre. O principal, neste momento, é a forma como se revela incapaz de gerir uma vantagem no marcador.

Uma palavra-chave para definir a época do Sporting é conforto. Aquele que Ruben Amorim trouxe ao reino de Alvalade, onde o aproximar de um jogo era visto como prenúncio para mais uma vitória, e aquele que, na equipa B, longe dos olhares e da pressão, João Pereira continuava a evoluir e a preparar uma sucessão anunciada. O Manchester United apareceu, em busca do conforto que escapa desde que Sir. Alex Ferguson, e a serenidade na toca do leão deu lugar a desilusão, à apreensão e, agora, ao medo. Medo por parte dos adeptos, que viram uma época a roçar a perfeição, e de João Pereira, que se viu atirado às feras sem estar preparado por tal. Mais que culpado, o treinador do Sporting é vítima das circunstâncias. E, face a estas, tem procurado o conforto no que mais lhe é familiar.

O aparecimento de João Simões era inevitável face à onda de lesões que, de um momento para o outro, assolou o Sporting. Menos certo era o protagonismo que o jovem médio teria na equipa do Sporting, mas este era previsível por duas razões. A primeira está na qualidade do jovem médio com apenas 17 anos. Capitão da seleção sub-17 que chegou à final do Europeu da categoria no verão e figura de destaque na formação leonina, João Simões resgatou a alma que se foi evaporando em Alvalade e juntou-lhe a qualidade técnica e tática que sempre foi evidenciando.

Multiplica-se em campo, aparecendo mais baixo em posições de saída para dar andamento à bola, gerir os ritmos do jogo e superioridade e trouxe de regresso os movimentos sobre a esquerda que permitem a Maxi Araújo ganhar amplitude e profundidade em campo. Mais à frente, é um jogador muito capaz de ler o jogo e identificar os espaços, arrastando marcações, sobrecarregando áreas e compensando os movimentos do extremo. Não se entrega a marcação, desdobra-se em campo e garante linhas de passe próximas. Junta-lhe a agressividade defensiva, o preenchimento do campo e a capacidade de forçar erros. Para além da qualidade individual, é um jogador com confiança total de João Pereira e, provavelmente, o que mais lhe conhece a forma de pensar. Aproximar o grupo das suas ideias, não tão longe de Amorim como os críticos que pretendiam um Sporting em piloto automático fazem parecer, não tão perto das do antecessor como outros tantos achavam imprescindível, é a principal necessidade de João Pereira.

Trazer Geovany Quenda para a meia esquerda, lugar reservado a Pedro Gonçalves, é outra forma que João Pereira tem para, dentro do possível, recuperar o conforto de um lar. O extremo só com Ruben Amorim jogou como ala e, no Sporting B, jogava nas áreas agora pisadas por Francisco Trincão. A forma do extremo, as características individuais e a maturidade fizeram-no ganhar destaque como ala, mas a verdade é que Geovany Quenda é, de todos os que já passaram pelo lugar, o jogador que melhor compreende a especificidade de jogar sobre a meia esquerda.

Mesmo não tendo tão facilitado o uso do pé esquerdo na direção da baliza, a inteligência que Geovany Quenda demonstra aos 17 anos é superlativa e cria soluções. É particularmente destacável a capacidade com que toma frequentemente a melhor decisão, não se agarrando sempre à bola e ao lance individual, mas não se inibindo de o procurar sempre que há espaço. Será sempre um jogador com outros recursos à direita, mas não há dúvidas de que será o português a agarrar o lugar mais avançado à esquerda, recuperando, em parte, o que fazia na equipa B e no modelo de jogo de João Pereira.

Procurar este conforto, como um filho que regressa a casa depois de um longo período de ausência, é necessário para João Pereira conseguir crescer. O problema está quando o conforto dá lugar ao relaxamento, à descompressão e ao baixar a guarda. Porque aí o conforto torna-se caos, e o Sporting sofreu deste mal contra o Boavista e o Santa Clara.

A gestão das vantagens está a ser um novo problema para um Sporting que abdica demasiado facilmente de ter bola e se procura fechar na ilusão de uma segurança e estabilidade defensivas que não existem. Se marcar golos e criar oportunidades são duas lacunas dos leões, a forma como facilmente se deixam bater (o Santa Clara cria três situações de golo nos descontos) é um problema ainda mais sério.

Não é possível descurar o lado mental como forte impacto em toda a situação vivida por um Sporting que, de um dia para o outro, perdeu o rumo. Os jogadores são os mesmos, mas estão mais vulneráveis, irrequietos e inseguros, como se a ausência de um timoneiro que, corresse como corresse o jogo, daria a direção certa ao navio, pesasse e afetasse todo um estilo de jogo que já estava enraizado. À desconfiança que tornou o Sporting uma equipa com ADN diferente – da busca incessante do segundo e terceiro golos à satisfação pela margem mínima – e taticamente, João Pereira não tem conseguido ajudar a equipa, principalmente na forma como defende.

O Sporting de Ruben Amorim começou por ser uma equipa de segurança e estabilidade defensiva, capaz de se defender mais atrás e de conceder muito pouco ao adversário, mas os últimos meses trouxeram uma organização defensiva radicalmente diferente. O Sporting que outrora se fechava atrás passou a pressionar no campo todo, com uma linha defensiva bastante subida, referências individuais e vontade constante em recuperar a bola. De um momento para o outro, nem uma nem a outra, e o Sporting perdeu-se num meio termo que, se por um lado, impede o Sporting de pressionar tão alto (uma vez que a linha defensiva está mais recuada), por outro é incapaz de aparentar serenidade e conforto na defesa da área, com várias abordagens erradas e erráticas em lances simples de controlar.

Nestes entretantos, o Sporting vai quebrando de forma constante e, desde o encontro com o Amarante, o primeiro desde a chegada de João Pereira leva seis jogos sem convencer. As vitórias nos dois últimos e a forma como foram festejadas de forma efusiva pelos jogadores em campo abrem margem para um trabalho em crescente, mas enquanto a tranquilidade não regressar, o Sporting estará mais perto do caos – por não marcar ou não saber reagir quando o faz – do que do conforto. Por muito que João Pereira o esteja a procurar.

BnR na Conferência de Imprensa

Bola na Rede: O Sporting entra em campo com três defesas e termina o jogo com outros três diferentes. Taticamente, quais os motivos que justificaram mexer em todos os elementos da linha defensiva e o que pretendeu acrescentar ao jogo do Sporting, principalmente na troca do Matheus Reis com o St. Juste e do Debast pelo Diomande?

Tiago Teixeira: A linha defensiva de hoje foi escolhida atendendo às características que achávamos que íamos encontrar por parte do Santa Clara. Queríamos ter defesas centrais que conseguissem envolver mais com a bola. Quando entrou o [Alisson] Safira, o Sebo [Debast] já estava mais limitado fisicamente. O Ousmane [Diomande] era mais forte nos duelos aéreos e cumpriu na perfeição. Algumas das trocas foram por limitações físicas, já no fim do jogo, mas acho que o Iván [Fresneda] e o St. Juste até ser expulso cumpriram com o que pretendíamos.

O Bola na Rede não teve possibilidade de fazer uma questão a Vasco Matos, treinador do Santa Clara.