Dezassete dias. Foi por 17 dias apenas que, em 2019, o miúdo Gukesh Dommaraju não bateu o recorde de mais jovem Grande Mestre de sempre. Dommaraju tinha então apenas 12 anos, sete meses e 17 dias quando chegou a este ansiado estatuto no mundo do xadrez, ainda assim, por incrível que pareça, era velho o suficiente para não tirar o feito ao russo Sergey Karjakin - o recorde foi entretanto batido em 2021, pelo norte-americano Abhimanyu Mishra.

Mas as batidas na trave ficariam por aí para este prodígio do xadrez nascido em Chennai, na Índia. Aos 16 anos, tornou-se no mais jovem xadrezista a bater o número 1 do mundo, Magnus Carlsen. Em abril deste ano, ainda com 17 anos, Gukesh Dommaraju chegou ao recorde de mais jovem campeão do Torneio de Candidatos, a duríssima competição que escolhe quem vai desafiar o campeão mundial em título. E, agora, com a vitória frente ao incumbente chinês Ding Liren, por apenas um ponto, Dommaraju é o mais jovem campeão mundial da história, aos 18 anos, tirando do topo da lista Garry Kasparov, campeão mundial em 1985 com 22 anos.

HOW HWEE YOUNG

O título mundial decidiu-se no derradeiro 14.º jogo, numa final sempre equilibrada. Em Singapura, Dommaraju começou por perder o primeiro jogo, jogando de brancas, mas recuperou ao terceiro. A final, que começou a 25 de novembro, arrastou-se então numa série de empates entre os jogos 4 e 10, até Dommaraju chegar pela primeira vez à liderança após vitória no round 11. Liren respondeu no jogo seguinte, o jogo 13 deu empate e foi mesmo na negra que o indiano aproveitou um erro do adversário para chegar a uma vitória inesperada, mas com a qual sonhava desde os sete anos, quando experimentou o xadrez pela primeira vez.

“Primeiro, nem percebi que estava a ganhar, mas quando percebi foi o melhor momento da minha vida”, disse o jovem, que irrompeu em lágrimas perante um triunfo que o coloca na história do xadrez e na história do seu país, que tinha até agora apenas um campeão mundial da modalidade, Vishy Anand, que venceu o título cinco vezes.

O esforço dos pais e o piscar de olho a Carlsen

O xadrez surgiu na vida de Gukesh Dommaraju numa atividade extracurricular da sua escola. Os três treinos por semana rapidamente se tornaram em horas e horas diárias de prática e em viagens para participar em torneios. O miúdo era bom, reconheciam os professores.

A paixão e o sucesso de Dommaraju foi um turbilhão inesperado que obrigou a sua própria família a mudar de rotinas. O pai, Rajinikanth, era otorrinolaringologista e cirurgião, mas passou a trabalhar em part-time para poder acompanhar o filho nos torneios que se tornavam cada vez mais longos e frequentes, já com muitas viagens ao estrangeiro.

Foi a mãe, Padmakumari, cientista na área da microbiologia, quem segurou a casa com o seu salário, trabalhando horas extraordinárias para que o filho continuasse a viajar e o seu sonho continuasse bem vivo. A família contava também com a ajuda financeira de vários médicos, colegas de Rajinikanth, e da própria escola do prodígio. Aluno de mérito, Gukesh conseguiu conciliar o xadrez e os estudos com um acordo com a escola que lhe permitia fazer apenas os exames. E continuou brilhante nos seus dois mundos.

HOW HWEE YOUNG

Com um estilo clássico, mas uma veia tática apurada, Dommaraju tem no norte-americano Bobby Fischer a sua grande referência. Na atualidade, e apesar de já o ter batido, vê Magnus Carlsen ainda como o melhor. “Ganhar o campeonato mundial não significa que sou o melhor, esse é, obviamente o Magnus Carlsen. Quero chegar ao nível dele”, sublinhou aos jornalistas depois do título conquistado esta quinta-feira, deixando no ar o desejo de ter o norueguês à sua frente na próxima disputa pelo título.

Em 2022, Carlsen, superestrela do xadrez, cinco vezes campeão mundial, com um saco cheio de adeptos e patrocinadores, o homem que tornou a modalidade cool anunciou que não iria tentar um sexto título por não se sentir “motivado”. Disse então que só ponderaria voltar a disputar o título mundial se o adversário fosse o iraniano naturalizado francês Alireza Firouzja, que, no entanto, tem fraquejado nos últimos Torneios de Candidatos. Talvez essa fome que disse já ter, essa larica por competir, volte perante a chegada de um novo prodígio.

Um prodígio que é também um rapaz calmo e ponderado, que gosta de badminton e de filmes do seu país natal, que aos 12 anos já era acompanhado por um psicólogo do desporto e usava a meditação como arma para controlar a ansiedade. O autocontrolo continua a ser uma das suas fortalezas, dignas das mais interessantes estatísticas. Se no futebol temos expected goals e quejandos, no xadrez a federação internacional (FIDE) revelou que durante o jogo 11, que viria a ganhar, Gukesh passou 28,4% do tempo de olhos fechados.

“É algo que eu faço habitualmente durante os jogos”, sublinhou, questionado pelos jornalistas presentes em Singapura sobre tão inusitado hábito. “Fechar os olhos ajuda-me a estar mais focado e a calcular as jogadas de forma mais efetiva. Para mim, é algo muito normal”, revelou ainda o miúdo que diz estar apenas “a viver o sonho”, um sonho feito de 64 casas e 32 peças.