Na madrugada desta terça para quarta-feira, quando o relógio português sinalizar as 00h30, em São Paulo, dois treinadores lusos vão defrontar-se num desafio que pode marcar as suas carreiras.

Será um duelo de presa e predador, sendo que, dependendo da perspetiva, qualquer um dos treinadores se pode colocar nas duas peles.

O Palmeiras voltou a recuperar de uma desvantagem histórica: há três jornadas, estava seis pontos atrás do Botafogo. Chega hoje em igualdade pontual com a turma de Artur Jorge, e de mãos dadas com o fantasma da temporada passada, quando ultrapassou na linha de chegada do campeonato este mesmo Fogão.

Já o Botafogo parece não gostar de tarefas fáceis. Após ter deixado a seis pontos a concorrência, e de ter chegado à final da Libertadores, a equipa do Rio de Janeiro acusou a pressão e, talvez vendo esse fantasma de 2023 ao longe, bloqueou, estando agora no «ponto zero», como lhe chamou Artur Jorge, após uma sequência de três empates consecutivos.

Botafogo, sei o que não fizeste no verão passado

Bruno Lage tentou continuar o caminho vitorioso de Luís Castro no Botafogo em 2023 @Vitor Silva/Botafogo

A temporada passada foi um choque para os adeptos do Fogão. Quando já planeavam a festa de arromba para festejar um título que escapa desde 1995, viram a saída de Luís Castro marcar o caminho para o abismo, não vencendo um único jogo da jornada 28 até à 38, em menos de dois meses, atirando ao ar uma vantagem de mais de dez pontos.

O episódio mais estrondoso desse caminho para o abismo, que levaria, inclusive, a equipa a cair do primeiro para o quinto lugar, aconteceu à jornada 31, precisamente no duelo com o Palmeiras.

Nessa fatídica noite de 2 de novembro, em pleno Nilton Santos, casa do Botafogo, os alvinegros lançaram-se na frente com um taxativo 3-0 em 36 minutos: «Acabou, não tem jeito. Esta é nossa», gritavam muitos adeptos em êxtase.

Na segunda parte apareceu Endrick, que nem um ladrão de sonhos, a bisar, e num golpe de Netflix, para ser mais atual, aos 89 e aos 90+9, o Palmeiras virou para 3-4. Foi o golpe definitivo do Palmeiras para o título e a empurrar o Botafogo ribanceira abaixo.

Esta temporada, ainda que a quebra de resultados tenha acontecido, o impacto no Botafogo não está a ser tão negativo: apesar de não ganhar há três jogos, também não os perdeu, tendo três empates consecutivos, o que permite a Artur Jorge manter a moral dos seus tropas em alta.

Artur Jorge: «Vamos a eles, estamos preparados»

Artur Jorge procura devolver o título que escapa ao Botafogo desde 1995 @Vitor Silva/Botafogo

O dono da cadeira mais pressionada do Brasileirão, Artur Jorge, fez uma antevisão ao jogo que serviu quase como um murro na mesa, caindo mesmo ~entre dos adeptos botafoguenses como «uma das melhores comunicações da temporada».

O jogo tem caráter de final? «Temos quatro finais importantíssimas para todos nós, três delas para o campeonato. Em relação ao Palmeiras: já fomos campeões, já deixamos de o ser. Já fomos favoritos, já deixamos de o ser. Mas isso nunca foi dito por nós. Ainda bem que chegamos empatados a esta fase, assim estamos iguais. Já ninguém vai atrás de ninguém».

Pressão da campanha do ano passado? «Antes eu não via mais do que duas linhas sobre o Botafogo, agora já vejo alguns textos sobre o estado mental do Botafogo. Estamos muitíssimo bem. É só um fait-diver que querem montar em cima de nós. Não existe nenhum ponto de comparação com a campanha do ano passado, não somos os mesmos, nem o treinador, nem os jogadores.

Que fique claro: temos uma equipa muito preparada para todos os jogos até ao final».

Que argumentos tem para fazer frente ao calendário? «O nosso calendário é terrível, mas eles também têm que jogar contra nós. Ninguém pode ficar satisfeito por jogar contra este Botafogo, somos um adversário incómodo».

Palmeiras, a fénix voltou a renascer das cinzas

A equipa de Abel Ferreira parece não ter limites, e até dá a sensação de gostar de ser dada como acabada para mostrar que tem uma vida para utilizar.

Em busca do seu tricampeonato, naquela que é, talvez, a competição mais difícil do mundo, e onde só o São Paulo conseguiu por uma vez na história a proeza de conquistar três vezes o Brasileirão, o verdão estará novamente a desafiar as probabilidades.

Esta época, o Palmeiras está com a mesma pontuação do ano passado, que lhe permitiu a conquista do bicampeonato, pontuação essa que não será suficiente para a reconquista deste ano, facto que explica a competitividade da prova.

O Verdão até já foi eliminado da Copa Libertadores pelo Botafogo, num agregado de 4-3, sendo que a decisão foi precisamente no palco do jogo desta noite, o Allianz Parque. E esse pode ser outro fantasma para o Botafogo, porque precisamente nesse jogo, esteve também a vencer por 0-2 e viu a equipa de Abel chegar ao empate entre os 86 e os 90 minutos.

Abel Ferreira até já tinha praticamente entregue o título a Artur Jorge, há algumas semanas, numa conferência de imprensa onde previa que dificilmente atingiria a liderança. Os mind games funcionaram na perfeição.

Atendendo aos últimos jogos entre ambas as equipas, pode perspetivar-se um duelo de nervos e disputado até ao último minuto.

Abel Ferreira: «É mais uma batalha. Não andamos nisto há um dia»

Abel Ferreira procura igualar o inédito tricampeonato do São Paulo com o Palmeiras @Cesar Greco/Palmeiras

A capacidade motivacional e mobilizadora de Abel Ferreira está a ser testada, e o teste está a ser dos difíceis, naquela que é uma das características mais fortes do português.

Fruto do calendário denso do campeonato, a conferência de antevisão foi feita logo no campo do Atlético Goianiense, e o treinador do Palmeiras tirou pressão do jogo contra o Botafogo.

Qual a sensação de ter chegado à liderança? «Ficamos fora da Copa do Brasil com o vencedor, ficamos fora da Libertadores com um dos finalistas que é o Botafogo, que tem uma equipa brilhante e um grande treinador. Temos mais uma batalha, mas faltam três. No futebol tudo pode acontecer».

Último jogo num relvado pesado e com um esforço extra da equipa? «O importante é ganhar. Ninguém se vai lembrar se somos o melhor ataque, se somos a melhor equipa, só se lembrarão das vitórias. Temos que estar todos juntos nesta fase onde se vai lutar muito, e esse é o maior talento do nosso grupo».

Sobre a regularidade de desempenho e a pressão do jogo «Há um aspeto que ninguém toca, que é o lado mental. Ninguém mais que os jogadores sente a pressão de ser obrigado a ganhar. É preciso saber lidar com esses momentos. Não andamos nisto há um dia, estamos nisto há quatro anos. Olham para os jogadores como máquinas, mas eles também têm emoções»

Apesar de ser uma jornada importante, e praticamente decisiva para Palmeiras e Botafogo, o campeonato não se decide esta terça-feira, nem apenas entre estas duas equipas. A faltarem três jornadas para o final, ainda há cinco equipas que podem chegar ao tão desejado título, sendo as probabilidades para Internacional, Fortaleza e Flamengo já bastante reduzidas. Veja aqui como está o Brasileirão 2024.