
A história de Roberto Carlos Lopes, capitão e alma mater do Shamrock Rovers – adversário do Santa Clara na Conference League – começa como deve começar qualquer história: por amor.
O pai abandona Cabo Verde em busca de uma vida melhor. Sobe o Atlântico em direção a Dublin e apaixona-se por uma irlandesa. Da paixão nasce um menino, há pouco mais de 33 anos.
O menino cresce nos subúrbios da capital irlandesa, entre pubs e as lendas de duendes e elfos, até se entregar por completo ao futebol. Faz sete épocas no Bohemian FC e já vai em nove com os Rovers.
Para o círculo da vida desportiva se fechar, faltava este encontro contra uma equipa de Portugal.
O primeiro de sempre na já longa carreira de Roberto.
«Eu não podia ter um nome mais português, de facto», brinca o defesa central, patrão do Shamrock, na conversa com o zerozero a partir da República da Irlanda.
«A história é até engraçada, podemos começar por aí. O meu pai é fanático por futebol e adorava o Roberto Carlos, lateral que na altura estava a aparecer no Palmeiras. O pior é que a minha mãe detestava futebol», conta, entre gargalhadas.
«Para convencer a minha mãe a aceitar o nome, o meu pai disse-lhe que era em honra do famoso cantor brasileiro. E assim a enganou.»
O criador de Emoções e O Calhambeque não é para aqui chamado, mas há no Roberto irlandês uma musicalidade muito curiosa, como se a voz tivesse pautas e refrão próprios.
«Há uma explicação para isso. Descobri há não muitos anos as minhas raízes cabo-verdianas e apaixonei-me pelo país do meu pai, que agora é também o meu país. Aquele povo é alegre, feliz, canta e dança. Sinto-me contagiado por tudo isso.»
A lusofonia em Roberto cresce com o tempo. Está a «aprender português devagarinho» e não esquece «as muitas férias» passadas no nosso país quando era ainda criança.
«O meu pai tinha e tem família em Portugal. Fomos muitas vezes aí, talvez a partir dos meus cinco/seis anos. Por isso, sim, este jogo contra o Santa Clara, ainda por cima nos Açores, é um dos mais importantes para todos nós.»
Roberto é tratado por Pico por amigos e familiares. A alcunha, também bastante comum nos PALOP e em Portugal, é explicada pelo portador da gentileza paterna.
«O meu pai passou a chamar-me assim desde bebé. Pico significa algo pequenito, encaixava bem em mim», brinca o agora matulão de 186 centímetros. «Sempre gostei da sonoridade da palavra e mesmo no futebol há muita gente a tratar-me assim.»

Shamrock, o grande dominador do futebol irlandês
A liga doméstica irlandesa é ofuscada pela Premier League inglesa. Não é raro entrar em Dublin e encontrar rapidamente adeptos do Liverpool ou até do Celtic escocês.
As origens dos dubliners e a riqueza superior dos campeonatos vizinhos explicam o fenómeno.
Nos últimos anos, porém, algo mudou. Roberto Lopes apresenta pormenores relevantes, ao cuidado dos responsáveis do Santa Clara.
«Pela primeira vez desde a criação do campeonato, há uma equipa sem nenhum jogador amador», revela o líder do balneário dos Rovers.

6 títulos oficiais
«Essa equipa é a minha, o Shamrock Rovers. É uma notícia fantástica para o futebol irlandês e um passo fundamental. Desde a pandemia da covid, e a paragem que houve na altura, sinto que os irlandeses estão mais próximos dos clubes do país.»
Os Hoops são os grandes dominadores de um futebol sem grande expressão, se excetuarmos as campanhas razoáveis da seleção nacional em Mundiais (três presenças – 1990, 1994 e 2002) e Europeus (três qualificações – 1988, 2012 e 2016).
Os 21 campeonatos conquistados são um recorde no universo irlandês, à frente dos 14 do Shelbourne e do Dundalk. Roberto fala da «estabilidade financeira» e da «ligação à comunidade» do sul de Dublin, como fatores determinantes para o crescimento recente.
«Temos um estádio moderno (Tallaght Stadium), com dez mil lugares sentados e um bom relvado. Acredito que na segunda-mão a atmosfera vai ser decisiva. Podemos ganhar aí o duelo contra o Santa Clara, mas para isso há que sobreviver nos Açores.»
O arquipélago açoriano partilha com o de Cabo Verde a atlanticidade. Também por aí, pelas correntes frias e a insularidade, a visita a São Miguel será marcante para Roberto Carlos Lopes, irlandês de nascimento e cabo-verdiano por herança sanguínea.
«Na Irlanda somos o clube com mais campeonatos e taças, mas falta-nos dar esse passo nas provas da UEFA. Já jogámos uma vez a fase de grupos da Liga Europa e duas vezes a da Conference League. No mínimo, temos de repetir esse passo», adverte Roberto, o Pico de Dublin.

Cabo Verde no Mundial de 2026? «Será digno de documentário»
A seleção de Cabo Verde é a segunda casa de Roberto Carlos Lopes desde 2019. Soma 39 internacionalizações, presenças no CAN de 2021 e de 2023, e está «apaixonado» pela cultura e pelo balneário africanos.
«Sinto que estou em casa dos meus avós, sinto o chamamento do país. É uma alegria vestir esta camisola, ainda por cima com os resultados a serem tão bons», exclama Roberto, já «ansioso» pelos jogos de setembro e de outubro para a fase de qualificação do Mundial de 2026.
«Estamos no primeiro lugar do nosso grupo e temos uma seleção de qualidade. Tive muita sorte em encontrar um grupo assim, deu um novo sentido à minha carreira», descreve Roberto Lopes.
«Setembro e outubro serão meses cruciais. Vamos receber os Camarões, uma equipa muito forte, e depois visitamos a Líbia.»
E se Cabo Verde se qualificar pela primeira vez para um Mundial?
«Ui! Será digno de um documentário. Avisem a Netflix», graceja Roberto Carlos Lopes, senhor de um nome portuguesíssimo e já a arriscar numa ou noutra palavra na língua de Camões.
«Abraço e obrigado pela conversa. Vemo-nos nos Açores?»
O Santa Clara-Shamrock Rovers, na 1ª mão do playoff de acesso à fase de grupos da Conference League, realiza-se na quinta-feira às 20 horas (19 horas em Ponta Delgada).