Tinha de ser assim. Numa noite que resumisse quatro anos e meio, numa vitória com as dificuldades de 2020, com a épica de 2021, com o acrescento de qualidade de 2022, com a veia goleadora de 2023, com as caras novas que 2024 deixa.

Tinha de ser assim. Ruben Amorim tinha de terminar o seu percurso como melhor treinador dos últimos 70 anos do Sporting Clube de Portugal de forma épica. O 4-2 contra o Sporting de Braga sintetiza um período de glória para o Sporting, mas não está isento de novidades.

Raras vezes teremos visto Amorim festejar golos como celebrou o 3-2 de Harder, o 509.º golo da sua era em Alvalade. Nunca havíamos visto o grupo emocionar-se, unido com o líder que parte, como sucedeu após o apito final.

Numa avalanche ofensiva, numa exibição de crença, o 2-0 da primeira parte tornou-se 4-2. 11 vitórias em 11 jornadas, igualando o melhor arranque de sempre do Sporting. Tinha de ser assim. Se fosse escrito para um filme, diríamos que era demasiado épico e dramático. Foi uma montanha-russa, terminando em alta, como em alta termina a era Amorim.

Passaram 1.708 dias da estreia de Ruben Amorim pelo Sporting, numa receção ao Desportivo das Aves. No jogo 231 pelos leões, o técnico voltou à casa de partida na I Liga, à cidade de Braga que o acolheu como jogador e abençoou o começo de uma trajetória nos bancos que terá, como próximo paragem, Old Trafford.

Diogo Cardoso

No entanto, cedo se percebeu que a despedida não seria um passeio. Carlos Carvalhal abordou o desafio de forma agressiva, com muita gente de natureza atacante: Gabri Martínez e Roger eram alas com vocação ofensiva e Ricardo Horta e Bruma davam perigo e intencionalidade nas costas de Amine El Ouazzani. Logo aos 11’, uma iniciativa de Bruma evidenciou de onde viria o perigo dos locais.

Dentro das suas irregularidades e crises de identidade, o Sporting de Braga tem a garantia de contar com o talento de pés requintados e experientes. Talvez os que mais correspondam a estas qualidades sejam Bruma e Ricardo Horta, arquitetos dos dois primeiros golos. Aos 20’, após uma arrancada do ex-Sporting, Roger cruzou ao segundo poste, Debast não conseguiu afastar e Horta atirou para uma baliza deserta. Era a primeira vez que os verde e brancos estavam a perder nesta edição da I Liga.

Uma má notícia não chegou sozinha para os leões. Na jogada seguinte ao golo, Pote lesionou-se. O criativo saiu do relvado a chorar, inconsolável. O grande símbolo futebolístico da era Amorim, o preferido do treinador, o transmontano cujas mutações e evoluções correspondem, também, às mutações e evoluções da era Amorim, desfalcou a equipa para um embate que se ia complicando.

Com Geny Catamo a entrar para o lugar de Pote, o Sporting não melhorou. Os campeões nacionais só somaram o primeiro remate à baliza aos 58', quando Morita marcou, complicando a situação em cima do intervalo. João Moutinho recuperou a bola a Daniel Bragança, Bruma usou o espaço e o tempo para enganar a defesa do Sporting e assistiu Ricardo Horta, que bisou.

Horta remata para o 1-0
Horta remata para o 1-0 NurPhoto

Na linha lateral, Ruben Amorim parecia um homem em desconforto, como alguém que sabe que tem de sair de casa mas não consegue encontrar aquela última peça que faz falta na mala, um técnico a olhar para o presente quando o futuro chama e o passado emociona. Havia uma montanha para escalar nos últimos 45 minutos da era Amorim.

Para procurar subir esse Evereste, entrou, ao intervalo, St. Juste. Os primeiros instantes do segundo tempo não trouxeram melhorias, continuando os visitantes com um jogo desgarrado e sem perigo, perante o conforto dos minhotos. Para agitar a equipa, Amorim lançou Harder e Morita, mexidas com impacto imediato.

Aos 58', Quenda, um dos melhores em campo, bateu um canto na direita, colocando a bola na cabeça de St. Juste. O neerlandês atirou ao poste mas, na recarga, Morita fez o 2-1. Era o primeiro remate do Sporting enquadrado com a baliza do Sporting de Braga.

Os lisboetas cresceram com o golo. Encostaram a equipa de Carvalhal à sua baliza, deixando os bracarenses de criar perigo, tornando-se o desafio numa sucessão de ataques do Sporting. A montanha-russa estava agora com os leões no lugar de domínio, de predadores, e o Sporting de Braga como presa, tentando fugir como podia.

Hjulmand era o farol da resposta do Sporting. Capitão de função e de alma, empatou com um tiro que foi uma demonstração de personalidade.

A era Ruben Amorim terminou de olhos postos no futuro. Com a veia goleadora de Conrad Harder, a nova ameaça nórdica, a jovem aposta para o que aí vem. Um símbolo da herança deixada. 3-2 num tiro de fora da área, 4-2 a concluir um ataque rápido, após passe de Francisco Trincão.

Quando chegou ao Sporting, Amorim escreveu, no livro de visitas do museu do clube, “Guardem espaço!”. Será preciso uma secção do museu só para a era de Ruben, os anos que terminaram à Ruben Amorim.