Na qualidade de futuro diretor-desportivo do Manchester City, Hugo Viana está numa posição privilegiada para compreender as preocupações de Mikel Arteta com um inimigo comum que anda a todo o vapor nas mais diversas frentes. O Liverpool lidera a Premier League e lidera a Liga dos Campeões... pelo menos até logo à noite, restando saber se o Arsenal será capaz de evitar a derrota em Alvalade e a consequente subida do Sporting, ainda que à condição, ao topo da superprova da UEFA.
Graças ao 3-2 dominical na casa do Southampton, adversário que volta a encontrar nos quartos de final da Taça da Liga, os “reds”, no campeonato interno, têm oito pontos de vantagem sobre o City e nove sobre os “gunners”, o que significa que na próxima jornada da Premiership, em caso de triunfo ante os atuais campeões, beneficiarão de 11 pontos de vantagem sobre os favoritos do costume.
Pep Guardiola, que se recusou, no estádio onde daqui a algumas horas o seu outrora colaborador vai medir forças com João Pereira, a validar a confissão de Bernardo Silva, já deve ter percebido que, afinal, o buraco negro em que se afundou a equipa é até maior do que tinha sido apontado pelo internacional português depois de sofrer na pele o “hat trick” de Viktor Gyokeres.
Goleados em Lisboa por 4-1, os “citizen” voltaram a consentir quatro golos no sábado, tendo sido esmagados pelo Tottenham em pleno Ithiad e logo na tarde em que o lesionado Rodri mostrou aos adeptos a primeira Bola d’Ouro conquistada por um jogador do clube. A prolongada lesão do médio espanhol e a ausência do Rúben (Dias) que tudo fará para travar Amorim muito têm contribuído para a fase delicada dos tetracampeões, incapazes de evitar cinco derrotas nos últimos cinco jogos e de marcar neste ciclo mais de quatro golos.
Em Portugal, o azul do FC Porto, como acontece desde a fundação das duas instituições, confunde-se com o azul-celeste do City e Vítor Bruno veste-se de Guardiola. O tricampeão da Taça de Portugal (não deu nenhuma hipótese à concorrência nas últimas três edições) foi forçado pelo sensacional Moreirense a abandonar a competição e, conforme se constata pelos dados fornecidos pelo “Zerozero”, interrompeu uma fabulosa série de 22 vitórias, recorde nacional nos caminhos para o Jamor.
O emblema de Moreira de Cónegos nunca tinha eliminado o gigante da Invicta e este há 16 anos que não sofria três desaires consecutivos, sendo preciso recuar à temporada de estreia de Pep em Manchester (2016/2017) para encontrar a época em que os azuis e brancos se despediram da Taça à quarta eliminatória. Como Vítor Bruno, o catalão conheceu recentemente o sabor da eliminação na quarta ronda, tendo sido afastado da Taça da Liga pelo... Tottenham no jogo que assinalou o início da crise sob o patrocínio do padrinho dos grandes pesadelos. Desde que aterrou em Inglaterra, o técnico que nasceu no Barcelona B arrebatou
18 troféus de enorme expressão (seis vezes campeão e uma Liga dos Campeões à cabeça), num total que dobra o número de confrontos perdidos ante os “spurs”.
Além da humilhação assinada este fim-de-semana, os londrinos podem orgulhar-se de terem imposto mais oito desaires, obrigando neste momento Guardiola a igualar um registo que não se via no escalão principal desde 1956. Há 68 anos, o Chelsea, também a defender o estatuto de campeão, entrou numa espiral negativa que se traduziu em cinco derrotas consecutivas, a última diante do West Bromwich e a primeira frente ao inevitável Tottenham e, dir-se-ia, por inevitáveis 4-0.
Pep, Pepe e Pepê
Só à conta de Pedro Porro e companhia, o City sofreu oito golos nos derradeiros cinco encontros, o que reflete outro paralelismo com o FC Porto que daqui a 48 horas vai ter uma autêntica final com o Anderlecht. Devido à permeabilidade coletiva exibida em Roma, na Luz e em Moreira de Cónegos, Diogo Costa e Cláudio Ramos foram por oito vezes buscar a bola à baliza, precisamente o número de golos que os dragões consentiram tanto na Liga portuguesa como na Liga Europa.
A seis pontos dos belgas e a cinco dos lugares de apuramento direto, Vítor Bruno joga em Bruxelas a sua história como treinador principal do FCP e tudo fará para impedir que os seus jogadores imitem a sequência de quatro jogos a perder que remonta aos longínquos anos 60. Os portistas, em 1964/65, sob o comando de Otto Glória, fizeram o “poker” que ninguém deseja ter em mãos e que apesar de tudo não impediu o lendário treinador brasileiro de se mudar de armas e bagagens para o... Sporting assim que terminou a época sem sucessos a norte.
Contra as previsões em tempo real, o atual campeão nacional proporcionou ao antigo braço-direito de Sérgio Conceição a conquista da Supertaça no arranque de 2024/25, mais uma vez em linha direta com o resultado do dérbi de Manchester que levou a Community Shield para longe de Old Trafford.
No meio de tantos pontos (ou falta deles...) em comum, Vítor Bruno, ao contrário do colega espanhol do City, não foi convidado a renovar contrato mas recebeu, diretamente de Angola, o apoio público de André Villas-Boas (AVB), num gesto de solidariedade que só pecou por ser à distância.
Se o presidente, antes da final de Bruxelas, tivesse tirado o tapete a quem se atravessou para fazer o pós-Conceição, estaria da mesma forma a demitir-se e a honrar pouco a vitória nas urnas sobre Jorge Nuno Pinto da Costa. AVB está para Jorge Nuno como o ex-adjunto está para Conceição, ou seja, ambos estão ainda como principiantes num longo caminho e nenhum deles merece ser engolido assim que se levantam ondas de contestação.
Mais depressa Villas-Boas teria razões para ponderar a continuidade dos responsáveis diretos pelo futebol (Jorge Costa e Andoni Zubizarreta), face às dúvidas que se levantam sobre a qualidade média de um plantel que foi muito retocado na defesa, não conseguiu superar o ponto final dado na carreira de Pepe e desespera pelos “regressos” de Galeno e Pepê.
É verdade que Hugos Vianas não abundam no mercado dos diretores-desportivos e nesse aspeto o incontornável Pep Guardiola acautelou-se em devido tempo. Viana, além de estar numa posição privilegiada, é um privilegiado. Em sintonia com o mestre do tiki-taka e distante do tic-tac que está a contar sobre a cabeça de Vítor Bruno e de outros inimigos em comum.