Desde que a Hungria assumiu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia (UE), a 1 de julho, o primeiro-ministro Viktor Orbán tem-se feito andar pelo mundo ao estilo de um “Sr. Europa”.

A 2 de julho, deslocou-se a Kiev, onde se reuniu com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, num encontro que teve como pano de fundo as bandeiras da Ucrânia e da UE. Três dias depois, viajou até Moscovo, para uma reunião com Vladimir Putin, iniciativa que levou o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a dizer que o primeiro-ministro húngaro “não tem mandato para dialogar com a Rússia em nome da UE”.

Esta segunda-feira, Viktor Orbán esteve na China, numa autoproclamada “Missão de paz 3.0”, como escreveu na rede social X, em que Pequim foi a terceira etapa de um périplo que teve o conflito russo-ucraniano no centro da agenda e em que o governante húngaro se posicionou como mediador.

“A China é uma potência fundamental na criação das condições para a paz na guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Foi por isso que vim para me encontrar com o Presidente Xi em Pequim, apenas dois meses após a sua visita oficial a Budapeste”, justificou Orbán, na mesma rede social.

“A China tem promovido ativamente conversações de paz à sua maneira e encorajado e apoiado todos os esforços conducentes a uma resolução pacífica da crise”, acrescentou o Presidente chinês, citado pela agência noticiosa chinesa Xinhua.

Xi apelou à comunidade internacional para que crie condições e preste apoio para a retoma do diálogo direto e da negociação entre os dois lados. “É do interesse de todas as partes procurar uma solução política através de um cessar-fogo rápido.”

Apesar destes apelos, a China não participou na recente cimeira de paz na Suíça — liderada pela Ucrânia e para a qual a Rússia não foi convidada —, preferindo promover um plano de paz próprio, em conjunto com o Brasil, que já recebeu apoio de Moscovo.

À semelhança do que aconteceu durante a visita a Moscovo, o encontro entre Orbán e Xi, realizado na Casa de Hóspedes Estatal Diaoyutai, em Pequim, teve como pano de fundo as bandeiras dos dois países, e não a da UE.

Apenas em Kiev, Orbán agiu com cobertura formal dos 27. Tal como já foi afirmado por vários responsáveis europeus, o vice-chanceler alemão Robert Habeck realçou, esta segunda-feira, que Orbán foi à China por conta própria e que não representa a UE.

Amigos, amigos, façamos negócios

A visita de Orbán a Pequim realizou-se escassos quatro dias após a Comissão Europeia anunciar a imposição de tarifas de até 37,6% à importação de carros elétricos fabricados na China. A medida é provisória, na expectativa de que as negociações entre Pequim e Bruxelas continuem e que apenas em outubro haja uma decisão definitiva.

Se vários membros da UE querem reduzir a sua dependência económica da “fábrica do mundo” que é a China, a Hungria não é um deles. Segundo noticiou a agência Reuters, enquanto Pequim ameaça retaliar a medida de Bruxelas, o ministro húngaro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio, Peter Szijjarto, fez saber que Pequim e Budapeste negociaram um acordo sobre o relançamento das exportações de carne de porco e de aves para a China.

No encontro com Orbán, Xi Jinping recordou a sua visita à Hungria há dois meses onde “as relações bilaterais foram elevadas ao patamar de parceria estratégica abrangente”, escreve a agência Xinhua. A deslocação do chinês a Budapeste incluiu-se num périplo pouco usual à Europa que o levou a apenas três países: França, Sérvia e Hungria.

Então, Xi referiu-se a Orbán como um “amigo” da China e um ativo para o desenvolvimento da Iniciativa Faixa e Rota (também conhecida por Nova Rota da Seda).

A 9 de maio, Viktor Orbán recebeu Xi Jinping, no Mosteiro Carmelita, em Budapeste
A 9 de maio, Viktor Orbán recebeu Xi Jinping, no Mosteiro Carmelita, em Budapeste SZILARD KOSZTICSAK / AFP / GETTY IMAGES

Estes encontros sino-húngaros ao mais alto nível dão visibilidade à crescente importância que a China significa para a Hungria a enquanto parceiro comercial. Paralelamente, consagram a Hungria como um modelo para a China dos laços diplomáticos que quer desenvolver com a Europa.

Uma inspiração chamada Trump

No próximo ano, UE e China celebram o 50º aniversário do estabelecimento de relações diplomáticas. Xi disse a Orbán que espera que a Hungria, enquanto detentora da presidência rotativa da UE, “desempenhe um papel positivo na promoção do desenvolvimento sólido e estável das relações China-UE e na facilitação de interações construtivas”.

Numa escolha que provocou alguma polémica, a presidência húngara da UE escolheu como slogan “Make Europe Great Again” (Fazer a Europa grande outra vez), numa adaptação não assumida do chavão eleitoral de Donald Trump “Make America Great Again” em 2016.

A admiração de Orbán em relação a Trump é conhecida. Num acaso que o primeiro-ministro húngaro não enjeitará, será a Hungria a deter a presidência da UE quando os Estados Unidos forem a votos e onde o regresso de Trump à Casa Branca já foi uma possibilidade mais distante.

Precisamente os Estados Unidos são a próxima paragem de Viktor Orbán, após a visita relâmpago à China. O primeiro-ministro húngaro seguiu para Washington onde deverá marcar presença na Cimeira da NATO, que se realiza entre terça e quinta-feira — a Hungria é membro da Aliança Atlântica desde 1999.

Em Washington, espera-se que o apoio militar à Ucrânia seja um ponto central das discussões. Orbán tem-se recusado a fornecer armas ao vizinho ucraniano, mas tem revelado talento diplomático na forma como chega à fala com todos os atores importantes.