
Depois de Emmanuel Macron ter anunciado que França vai reconhecer o Estado da Palestina na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, realizou-se esta segunda-feira uma conferência internacional na sede da ONU, em Nova Iorque, para discutir a solução dos dois Estados como “único caminho credível para uma paz justa e duradoura entre israelitas e palestinianos”, nas palavras do secretário-geral.
Numa altura em que a catástrofe humanitária na Faixa de Gaza se agrava a cada dia que passa — com a fome a ser utilizada como autêntica arma de guerra por Israel — António Guterres afirmou que “o conflito continua a ceifar vidas, a destruir futuros e a desestabilizar a região e o mundo”. O antigo governante português frisou, porém: “Também sabemos que esta persistência não é inevitável. Pode ser resolvida. Tal exige vontade política e liderança corajosa, e exige verdade. A verdade é que estamos num ponto de rutura, a solução de dois Estados está mais distante do que nunca.”
Ainda assim, “é o único caminho credível para uma paz justa e duradoura entre israelitas e palestinianos”, acrescentou o secretário-geral da ONU nas declarações de abertura do encontro, que foi boicotado por Israel e pelos Estados Unidos da América (EUA). “Temos de garantir que esta conferência não seja mais um exercício de retórica bem-intencionada. Pode e deve servir como ponto de viragem decisivo que catalise um progresso irreversível no sentido de pôr fim à ocupação e concretizar a nossa aspiração comum de uma solução viável de dois Estados”, declarou.
Pelo menos 146 dos 193 países-membros das Nações Unidas reconhecem o Estado palestiniano. Na União Europeia são apenas cinco: Eslovénia, Espanha, Irlanda, Noruega e Suécia. Na última quinta-feira, Macron revelou que França vai reconhecer o Estado da Palestina. Será o primeiro país do G7 (grupo dos países mais industrializados do mundo) a fazê-lo.
“Não há alternativa” à solução dos dois Estados
O ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Noel Barrot, foi um dos copresidentes da conferência e aproveitou o protagonismo para apelar à humanidade de todos os presentes. “Oitenta anos após a criação das Nações Unidas, não podemos aceitar que civis, mulheres e crianças sejam alvos de ataques quando se dirigem a locais de distribuição de alimentos”. As forças israelitas continuam a disparar contra civis que vão buscar comida ou ajuda humanitária a pontos destinados para esse efeito.
“Esta conferência deve ser um ponto de viragem na aplicação da solução de dois Estados. Temos de trabalhar nos métodos e meios para passar do fim da guerra em Gaza para o fim do conflito israelo-palestiniano, numa altura em que esta agressão está a comprometer a estabilidade e a segurança de toda a região” do Médio Oriente, apelou Barrot.
“Só uma solução política de dois Estados ajudará a responder às aspirações legítimas dos israelitas e palestinianos de viver em paz e segurança. Não há alternativa. Perante a aceleração sem precedentes dos colonatos israelitas em Gaza e na Cisjordânia, as perspetivas de um Estado palestiniano viável devem ser preservadas”, defendeu o chefe da diplomacia francesa.
Guterres aproveitou para condenar Israel pela destruição da Faixa de Gaza e pela ocupação ilegal da Cisjordânia. “Sejamos claros: a anexação gradual da Cisjordânia ocupada é ilegal. Tem de parar. A destruição total de Gaza é intolerável. Tem de parar”, vincou. A expansão dos colonatos israelitas tanto em Gaza como na Cisjordânia continua a aumentar, apesar de ser ilegal, ocupando cada vez mais território palestiniano.
“Independência, não destruição”
Para o primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, Mohammed Mustafa, também presente em Nova Iorque, a conferência internacional foi uma “oportunidade histórica”. “É uma mensagem ao povo palestiniano de que o mundo nos apoia na concretização dos nossos direitos, incluindo o direito a um Estado soberano. Há um caminho para a paz e para a integração regional que será alcançado através da nossa independência, não da nossa destruição”, sublinhou.
Mustafa lembrou que todos os Estados têm a responsabilidade de agir para acabar com a guerra em Gaza e agradecenu os esforços de mediação para um cessar-fogo liderados pelo Catar, Egito e EUA. Israel e o grupo extremista Hamas continuam num impasse para chegar a nova trégua que permita cessar as hostilidades no enclave, pôr fim ao bloqueio de ajuda humanitária e recuperar os reféns israelitas.
O primeiro-ministro palestiniano pediu ainda o “fim imediato dos massacres e da fome provocada por Israel”. A fome e a desnutrição estão a atingir níveis catastróficos na Faixa de Gaza. “Quase uma em cada três pessoas não come há vários dias”, estima o Programa Alimentar Mundial, agência das Nações Unidas responsável pela ajuda alimentar.
O número de palestinianos mortos desde o início da guerra, a 7 de outubro de 2023, cifra-se nos 59 mil, segundo o balanço das autoridades de saúde locais, considerado fidedigno pela ONU. Esta, como outras organizações humanitárias, acusa Israel de genocídio na Faixa de Gaza. Do lado israelita, o Hamas fez 1200 mortos.