São, todos os 72, "assistentes operacionais" e da esparsa informação que se consegue obter dos contratos padronizados que estão publicados no Portal-Base entende-se que são maioritariamente chamados para trabalhos de limpeza e higiene urbana, mas também serviços de cozinha, estafetas, controlo de pilaretes e apoio a atividades de serviço social da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. A duração dos vínculos varia entre seis meses e um ano (181/3 a 355/6 dias) e os valores fixam-se entre os 4.050 euros e os 16 mil euros.

Nos cinco meses completos deste ano, a freguesia liderada por Miguel Coelho (PS) acumulou uma fatura de 803.250 euros, a que acresce o correspondente IVA, gastos em contratos firmados por adjudicação direta ou mediante mera consulta prévia (a apenas uma entidade, a pessoa contratada). Alguns deles foram assinados em maio, para produzir efeitos apenas a partir de julho, a dois meses das autárquicas, prolongando-se até ao último dia do ano. Recorde-se que o presidente da junta está a terminar o terceiro e último mandato à frente daquela freguesia.

A acumulação de contratos de prestação de serviços em Santa Maria Maior vem ganhando volume sobretudo desde 2020, com particular peso no último par de anos, mas o valor das adjudicações feitas em 2025 excede largamente todos os anteriores. Sucede ainda que a grande maioria configura uma acumulação de contratos sucessivos, cuja duração se vai intercalando entre os seis e os 12 meses mas que cobrem, no seu conjunto, anos corridos de trabalhos das mesmas pessoas. Cerca de um quarto deles são adjudicados a estrangeiros.

Junta justifica contratos com "união de freguesias" e "delegação de competências" da CML

Questionada pelo SAPO, em setembro aquela freguesia justificou esse movimento com o "caso particular no panorama autárquico" que Santa Maria Maior constitui, "pois resultou da fusão de nada menos do que 12 das antigas freguesias de Lisboa" — uma reestruturação que aconteceu em 2015, agregando Castelo, Madalena, Mártires, Sacramento, Santa Justa, Santiago, Santo Estevão, São Cristóvão e São Lourenço, São Miguel, São Nicolau, Sé e Socorro numa gestão única, já então sob a liderança de Miguel Coelho.

"A consolidação da reduzida estrutura, em termos de recursos humanos, destas antigas freguesias, de modo a corresponder às novas atribuições que foram cometidas às Juntas de Freguesia pela Lei da Reforma Administrativa — especialmente em termos de higiene urbana, licenciamento e fiscalização da utilização do espaço público e apoio social — obrigou à definição de um quadro de pessoal de dimensão adequada, o qual foi preenchido parcialmente, há cerca de cinco anos, nomeadamente através da regularização da situação de diversos trabalhadores com vínculos precários através do programa PREVPAV", justifica ainda a estrutura, referindo-se à regularização de 97 colaboradores, através de um concurso extraordinário nas categorias de Assistente Operacional, Assistente Técnico e Técnico Superior, em 2019/2020.

"Embora tendo um número de residentes em declínio, o território de Santa Maria Maior é frequentado diariamente, em média e segundo dados da Câmara Municipal de Lisboa relativos ao ano de 2021, por mais de 300 mil pessoas, na sua maioria turistas – o que significa que no período de verão e em especial na época dos Santos Populares, este número poderá rondar o meio milhão de pessoas. No ano de 2023, com a realização da Jornada Mundial da Juventude, tal valor deverá mesmo ter sido ultrapassado", continua a Junta, em resposta às questões do SAPO.

No Portal-Base, porém, constam apenas seis contratos deste tipo anteriores a 2023. Entende-se, portanto, que os efeitos do "caso particular" só se revelaram problemáticos nesse ano, quando Miguel Coelho fez já 49 adjudicações deste tipo, num valor total de aproximadamente 470 mil euros (mais IVA). E pioraram em 2024, já sem efeito da Jornada Mundial da Juventude, com 67 contratos, ainda que o valor global se tenha reduzido em 60 mil euros. Em todo o caso, longe das 72 chamadas a prestação de serviços de assistentes operacionais para Santa Maria Maior acumuladas nos primeiros cinco meses de 2025, num valor global superior a 800 mil euros.

Mais de metade destes contratos estão em Santa Maria Maior

Para devidamente enquadrar o valor e a quantidade de contratações, há que apontar que, nestes mesmos cinco meses completos, o total de 3.091 freguesias do país adjudicou 126 serviços de assistentes operacionais. Ou seja, 56% destes contratos foram feitos em Santa Maria Maior. E só a Junta que gere os bairros de Alfama, Baixa, Castelo, Chiado, Mouraria e Sé gastou, nessas 72 pessoas que chamou a "serviços ocasionais", mais 50% do que todas as outras freguesias do país juntas. Miguel Coelho assina um cheque de mais de  800 mil euros, enquanto a fatura conjunta de todos os outros nestes cinco meses não chega aos 550 mil.

"Pelas características próprias dos bairros populares e pelo seu perfil específico – com escadas, escadinhas, becos e ruelas – a limpeza dos respetivos arruamentos só pode ser efetuada com recurso à utilização intensiva de mão-de-obra, obrigando à contratação de um elevado número de assistentes operacionais", explicou ao SAPO a Junta de Santa Maria Maior, frisando que, "para além das atribuições que lhe competem por lei", tem ainda necessidade de desenvolver "diversas outras funções, sobretudo no domínio da higiene urbana, que lhe são cometidas através de contratos de delegação de competências (CDC) celebrados com o Município de Lisboa e que, por definição, têm natureza temporária".

Justifica ainda a Junta que, para o desempenho destas funções, é "indispensável a contratação de mais colaboradores, com os quais só podem ser estabelecidos vínculos de caráter temporário e que correspondam ao período de vigência dos referidos contratos" e que as oportunidades de recrutamento são divulgadas por edital, "mas o número de candidaturas tem-se revelado bastante escasso". "Acresce que em função destas dificuldades de recrutamento que atualmente se verificam para este tipo de funções, muitos dos trabalhadores que atualmente as executam não reúnem as condições necessárias para integrarem os quadros da Junta de Freguesia."

Questionada sobre que condições são essas, a Junta explica que se trata "das habilitações literárias exigidas por lei".

Contratos sucessivos cobrem anos de trabalhos

Necessidades extraordinárias ou nem tanto, a verdade é que só uma dezena das 72 pessoas a quem foram adjudicadas prestações de serviços neste ano foi contratada pela primeira vez em 2025. A larga maioria acumula cinco ou mais contratos com a Junta de Santa Maria Maior, de duração variada mas cobrindo anos completos de serviço e perfazendo montantes definidos para pagamento com periodicidade mensal.

Há, por exemplo, uma cozinheira que, desde junho de 2022, soma cinco contratos: os dois primeiros com duração de meio ano e um valor de 5.100 euros, os dois seguintes de um ano com pagamento de 10.800 euros cada e o último com data de 23 de maio e 183 dias de duração, com um montante adjudicado de 5.700 euros. Os valores são sensivelmente os fixados pelo Salário Mínimo Nacional.

Há também, noutro exemplo, uma pessoa chamada a ajudar no Gabinete de Ação Social, que soma cinco contratos em três anos (dois de seis meses, dois de um ano, de verão a verão, e agora um novo que se cumpre de julho a dezembro) para realizar "todas as tarefas equiparadas às de assistente operacional; e participar em projetos e/ou ações promovidas pelo GAS". E outra recrutada para "efetuar serviços de estafeta entre os diversos serviços da Junta de Freguesia; fazer depósitos bancários e deslocar-se a diversas entidades", que cumpre contratos sucessivos desde 2021, variando entre os de 183 dias e os de 365. Em ambos os casos, os valores dos contratos semestrais, justificados "dado que o contraente público não possui meios humanos suscetíveis de realizar os serviços compreendidos no seu objeto", ficam ligeiramente acima de 5 mil euros, pagos em "prestações mensais iguais", constituindo, portanto, uma remuneração mensal de cerca de 450 euros.

Noutro caso ainda, de entre muitos que podem ser consultados no Portal-Base, há um prestador de serviços que acumula dez contratos sucessivos com a mesma junta, tendo recebido um total de 58.854 euros desde 2020, entre adjudicações diretas e consultas prévias, para serviços de duração variável mas que cobrem a totalidade dos cinco anos. Foram três em 2020, a somar os mesmos 7.560 euros que lhe foram atribuídos para a totalidade do ano seguinte; depois mais dois de valor igual em 2022, num total de 9 mil euros. Outro para cobrir meio ano de 2023 (4.800) seguido de mais um cobrindo 366 dias (o resto desse ano e metade de 2024), no valor de 9.600 euros. Há anda um contrato que valida a prestação de serviços no restante do ano passado, agora a valer 6.534 euros, e um último datado já de fevereiro de 2025, a cobrir a totalidade deste ano, no valor de 13.800 euros. A "aquisição de serviços, em regime de tarefa, equiparados à função de assistente operacional" que justifica as sucessivas adjudicações é traduzida por "serviços de limpeza e saneamento".

Dadas as aparentemente recorrentes necessidades da Junta e tendo esta, em setembro, adiantado que, apesar das dificuldades mencionadas, estava nesse momento "a preparar um concurso público para admissão de assistentes operacionais, o qual deverá permitir completar pelo menos uma parte do seu quadro de pessoal", o SAPO tornou a dirigir perguntas a Santa Maria Maior, nomeadamente se esse concurso se cumprira.

Na nova resposta, os responsáveis confirmaram estar a decorrer já neste maio de 2025 "um Procedimento concursal comum para ocupação de vinte (20) postos de trabalho na carreira/categoria de assistente operacional, para as áreas de higiene urbana, espaço público e serviços gerais, previstos e não ocupados no Mapa de Pessoal da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, na modalidade de Contrato de Trabalho em Funções Públicas por Tempo Indeterminado". As candidaturas respeitantes a esse edital, publicado a 27 de maio, encerraram a 1 de junho, não sendo ainda conhecidos os resultados. Certo é que, já neste ano, há mais de 50 contratos feitos até final de 2025 para prestação de serviços de limpeza e higiene urbana publicados no Portal-Base.