
O Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, visita a Rússia e a China entre 08 e 13 de maio quando crescem as tensões entre ucranianos e russos e a guerra comercial iniciada pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Lula da Silva embarcou na noite de terça-feira para Moscovo, a convite do Presidente russo, Vladimir Putin, para participar, sexta-feira, na comemoração dos 80 anos do Dia da Vitória, data que marca a tomada de Berlim pelo Exército soviético na Segunda Guerra Mundial. Entre quinta-feira e sábado, Lula cumprirá uma agenda oficial na Rússia, que inclui um encontro com o seu homólogo russo.
A comitiva brasileira conta com vários ministros, incluindo Mauro Vieira, das Relações Exteriores, e o presidente do parlamento, senador Davi Alcolumbre, e prevê assinaturas de documentos nas áreas da ciência e da tecnologia.
Na agenda do chefe de Estado brasileiro está previsto um encontro com Putin e uma reunião com o primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico.
Na Rússia, Lula da Silva tentará novamente posicionar o Brasil como mediador da paz no conflito iniciado pela invasão russa ao território da Ucrânia, em 2022, e passar o sinal de independência da política externa.
Como presidente do BRICS (grupo de países emergentes fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o líder brasileiro tem defendido que o grupo participe numa eventual negociação para um acordo de paz na Ucrânia.
O Governo russo informou que drones ucranianos lançaram ataques contra a capital russa na segunda e na terça-feira, interrompendo voos em quatro aeroportos de Moscovo e em diversos outros locais, elevando a tensão no conflito.
No domingo, Lula da Silva aterrará na China para uma visita de Estado com agenda oficial entre os dias 12 e 13 de maio. O Presidente brasileiro vai reunir-se com o Presidente chinês, Xi Jinping, e participar na quarta reunião do Fórum China-CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos).
Será o terceiro encontro de Estado com o líder chinês desde que Lula da Silva voltou ao poder para um terceiro mandato. O último encontro ocorreu em novembro de 2024, quando Xi Jiping esteve em visita à capital brasileira.
Numa conferência de imprensa realizada na terça-feira, o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Eduardo Paes Saboia, afirmou que há previsão de que ocorra a assinatura de pelo menos 16 atos bilaterais entre Brasil e China, mas este número pode ser maior já que há outros acordos em negociação.
O encontro entre Lula da Silva e Xi Jinping ocorre num momento de acirramento da guerra comercial entre Estados Unidos e China, com a imposição de tarifas mútuas, desencadeada por iniciativa do Presidente norte-americano, Donald Trump.
Questionado por jornalistas, Lyrio reafirmou que o Brasil não quer problemas com nenhum país e valoriza as relações sólidas com a China.
"O Brasil e a China têm uma agenda que é muito mais ampla do que as considerações de uma conjuntura, que obviamente preocupa. Acho que o Brasil preza a sua relação com os Estados Unidos e não faz da sua relação com a China algo que se contrapõe ao interesse em manter ótimas relações que, aliás, mantemos com os Estados Unidos", afirmou.
Já sobre a participação de Lula da Silva na cimeira China-CELAC, a secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Gisela Padovan, explicou, na mesma conferência de imprensa, que o Presidente representará o Brasil num claro sinal de que valoriza a integração regional.
"Os dois lados [CELAC e China] estão muito interessados um no outro e nesse diálogo das duas regiões, que, evidentemente, o Brasil tem uma responsabilidade, não digo de liderar, mas de convocar, de propor, de reunir e de mobilizar as sinergias também regionalmente", afirmou Gisela Padovan.
A CELAC é um bloco regional intergovernamental formado por 33 países da América do Sul, América Central e Caribe.
Visita sinaliza aproximação à Rússia mas não ruptura com Ocidente
A participação de Lula da Silva na celebração dos 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial, em Moscovo, sinaliza uma aproximação com a Rússia, mas não indica que o Brasil romperá laços com o Ocidente, disseram analistas à Lusa.
O Presidente brasileiro estará em Moscovo entre quinta-feira e sábado a convite do homólogo russo, Vladimir Putin, e será um dos poucos chefes de Estado presentes nas celebrações dos 80 anos da vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazi, comemorada em 09 de maio. Durante a visita, está prevista uma reunião bilateral entre os dois chefes de Estado.
Antes mesmo de acontecer, a viagem de Lula da Silva a Moscovo provocou críticas por parte da Ucrânia, que está em guerra desde a invasão russa ao seu território, em 2022.
O representante permanente do Governo ucraniano na ONU, Andrey Melnik, considerou que o Brasil estaria "gravitando em direção à Rússia" e "distanciando-se gradualmente do mundo ocidental", de acordo com a agência de notícias RBC-Ucrânia.
Melnik também declarou que o Governo brasileiro não tem interesse em desenvolver relações com a Ucrânia, demonstrando, em vez disso, uma postura pró-Rússia.
Angelo Segrillo, professor de História da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Rússia, disse à Lusa que concorda com Melnik no que diz respeito à avaliação de que o Brasil se está a aproximar muito da Rússia.
"Lula da Silva, apesar do discurso de que está sendo equidistante entre as duas partes [Rússia e Ucrânia], claramente está dando um peso para a Rússia, um pouco pelas posições políticas dele, mas também muito pela questão dos BRICS. Ele não quer se alienar dos BRICS. Então, nesse ponto sim", disse o especialista.
"Agora, no ponto que ele fala que o Brasil está se afastando do Ocidente, não necessariamente, porque Lula da Silva não quer se alienar dos Estados Unidos, por exemplo, ele quer ser simplesmente independente, o que às vezes cria conflito", completou.
Já Leonardo Trevisan, professor de economia e relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), lembrou que uma visita de Lula da Silva à Rússia já havia sido adiada devido a um acidente doméstico e não compareceu na cimeira dos BRICS (grupo de países emergentes fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e Africa do Sul), em Kazan, no ano passado.
Sobre a possibilidade de o Brasil estar a afastar-se do Ocidente à medida que se torna mais próximo da Rússia e da China, parceiros do país no BRICS, Trevisan avaliou que não há sinais de que isto está a acontecer e considerou que é preciso entender a distância que há entre as palavras e a ação real.
"O Brasil tem uma fala de, às vezes, aparecer como um intermediário, como um parceiro mais efetivo até mesmo da Rússia em posições chinesas. Porém, na hora do voto real, em todas as posições no cenário internacional, especialmente nos votos na ONU, o Brasil tem uma posição de moderação", disse.
O especialista pontuou, no entanto, que a viagem de Lula da Silva a Moscovo é sensível neste momento porque pode ter alguma conotação negativa em relação à Europa Ocidental, que, visivelmente, tem preocupações com o avanço russo na Ucrânia.
"Isso de alguma forma preocupa os europeus porque eles estão frente a frente com uma situação de facto. O avanço sobre a Ucrânia é um avanço que hoje é irreversível. Putin, de facto, rompeu as regras internacionais e sairá, na melhor das situações, com a Crimeia consolidada e com aquelas quatro províncias em processo de consolidação", apontou.
"Isso preocupa o todo da Europa, porque a Europa sabe perfeitamente que esse apetite russo por reconstruir uma zona de segurança em torno das suas fronteiras é real. Putin não esconde isso", acrescentou.
Tevisan concluiu lembrando que pode ser preocupante para o contexto europeu um sinal de aval do Presidente brasileiro a Putin, tendo em conta que, neste momento, o Brasil procura uma aproximação com a Europa por causa do acordo comercial negociado entre o Mercosul e a União Europeia.