A ONU confirmou esta sexta-feira oficialmente que existe fome na cidade de Gaza, após um relatório do Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC, sigla em inglês), um organismo da ONU com sede em Roma, ter denunciado situação catastrófica que afeta meio milhão de pessoas.

O IPM elevou a sua classificação para Fase 5, o pior nível da sua escala de insegurança alimentar aguda. O relatório confirmou a fome em curso na província de Gaza, que inclui a Cidade de Gaza e seus arredores, e indicou que deverá estender-se a Deir el-Balah e Khan Yunis até ao final de setembro, afetando mais de 500 mil pessoas.

Além disso, alerta para "a desnutrição" que ameaça a vida de "132 mil crianças menores de cinco anos" em Gaza até junho do ano que vem, sendo que 41 mil destes casos são de desnutrição "grave", o dobro do número estimado na avaliação de maio do IPC, colocando-os em "risco elevado de morte".

A análise do organismo aponta que quase um terço da população (641 mil pessoas) "deverá enfrentar condições catastróficas (Fase 5 do IPC), enquanto aqueles em Emergência (Fase 4 do IPC) provavelmente aumentarão para 1,14 milhão (58%)". Sublinha ainda que "a desnutrição aguda deverá continuar a piorar rapidamente".

"Quase 55.500 grávidas e lactantes desnutridas precisarão de resposta nutricional urgente", dá conta o IPC.

Segundo o relatório de 59 páginas, a fome em Gaza é "inteiramente causada pelo homem" e pode ser "interrompida e revertida".

"O tempo de debate e hesitação já passou , a fome está presente e a espalhar-se rapidamente. Qualquer atraso adicional — mesmo que de dias — resultará numa escalada totalmente inaceitável de mortalidade relacionada à fome ", acrescenta o relatório.

O documento reforça que não deve haver "dúvida nenhuma na mente de ninguém de que uma resposta imediata e em larga escala é necessária".

A declaração foi feita após meses de alertas sobre uma situação de fome no território palestiniano devastado pela guerra desde outubro de 2023.

Israel rejeita que exista fome e diz que relatório é "falso"

Israel "rejeitou firmemente" as conclusões do último relatório do IPC, "especificamente a alegação de fome na Cidade de Gaza". Segundo a Coordenação de Atividades Governamentais nos Territórios (Cogat), o órgão militar responsável pela ajuda, "o relatório é falso e baseia-se em dados parciais e tendenciosos e informações superficiais originadas do Hamas, uma organização terrorista".

O órgão militar afirma que a avaliação do IPC ignora os "amplos esforços humanitários realizados em Gaza" e que mudou os critérios de combate à fome, alegação já desmentida pelo IPC.

Cogat também acusa o órgão da ONU de não levar em consideração as medidas de Israel para estabilizar a situação alega que há uma "política israelita consistente para facilitar a assistência humanitária à população civil de Gaza" e que isso continuará "em total conformidade com o direito internacional".

"Crime de guerra" que não pode "continuar impunemente"

As reações ao relatório do IPC não tardaram em chegar. O chefe dos direitos humanos da ONU, Volker Türk, reiterou que “passar fome para fins militares é um crime de guerra”.

Por sua vez, o chefe da coordenação dos assuntos humanitários das Nações Unidas, Tom Fletcher, garante que a fome em Gaza “poderia ter sido evitada” sem a “obstrução sistemática de Israel”. O coordenador diz que a fome em Gaza deveria "envergonhar o mundo e fazer com que ele fizesse melhor".

"Abram as travessias, norte e sul, todas elas. Deixem-nos levar comida e outros suprimentos sem impedimentos e na escala massiva necessária. Acabem com a retaliação", reforça.

Já o secretário-geral da ONU, António Guterres, sublinhou que "não podemos permitir que esta situação continue impunemente". E acrescentou: “Precisamos de um cessar-fogo imediato, da libertação imediata de todos os reféns e de acesso humanitário total e desimpedido."

Guterres defendeu que "não é um mistério", mas sim "um desastre causado pelo homem, uma acusação moral e uma falha da própria humanidade".

"A fome não diz respeito apenas à comida; é o colapso deliberado dos sistemas necessários à sobrevivência humana", acrescentou o secretário-geral da ONU.

O português frisou ainda que já "chega de desculpas" e que "a hora de agir não é amanhã, é agora".