A ONU declarou hoje oficialmente a fome na cidade de Gaza, a primeira a atingir o Médio Oriente, depois de os especialistas terem alertado que 500.000 pessoas se encontravam numa situação catastrófica.

O Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC, sigla em inglês), um organismo da ONU com sede em Roma, confirmou que uma fome estava em curso em Gaza.

A fome deverá estender-se às províncias de Deir el-Balah (centro) e Khan Yunis (sul) até ao final de setembro, segundo a declaração, citada pela agência de notícias Freance-Presse (AFP).

A declaração foi feita após meses de alertas sobre uma situação de fome no território palestiniano devastado por uma ofensiva de Israel desde outubro de 2023.

Grupos humanitários têm denunciado que as restrições impostas por Israel à entrada de alimentos e outros tipos de ajuda em Gaza, bem como a ofensiva militar, estavam a causar altos níveis de fome entre os civis palestinianos, especialmente crianças.

A fome em Gaza "podia ter sido evitada" sem "a obstrução sistemática de Israel", acusou em Genebra o responsável pela coordenação dos assuntos humanitários das Nações Unidas, Tom Fletcher.

"Esta fome vai e deve assombrar-nos a todos", insistiu.

A declaração do IPC, que confirma pela primeira vez uma situação de fome no Médio Oriente, vai certamente aumentar a pressão internacional sobre Israel, referiu a agência de notícias norte-americana Associated Press (AP).

Israel, que está envolvido numa guerra com o Hamas desde que sofreu um ataque em 07 de outubro de 2023, anunciou que planeia tomar a cidade de Gaza e outros bastiões do grupo extremista palestiniano.

Os especialistas consideraram que a intensificação da guerra vai agravar a crise alimentar.

A província de Gaza representa cerca de 20% da área da Faixa de Gaza.

Somando Khan Yunis (29,5%) e Deir el-Balah (16%), a situação de fome poderá abranger cerca de dois terços da área total da Faixa de Gaza, um território de 365 quilómetros quadrados onde vivem mais de dois milhões de palestinianos.

De acordo com especialistas da ONU, mais de meio milhão de pessoas em Gaza enfrentam condições catastróficas, o nível mais elevado de privação alimentar do IPC, caracterizado pela fome e pela morte.

O número, baseado em informações recolhidas até 15 de agosto, deverá subir para quase 641.000 até ao final de setembro, disse a AFP.

De acordo com o IPC, trata-se da deterioração mais grave da situação desde o início das suas análises na Faixa de Gaza.

Para o IPC, uma fome está em curso quando três elementos estão reunidos: pelo menos 20% dos lares (um em cada cinco) enfrentam uma escassez extrema de alimentos, pelo menos 30% das crianças com menos de 5 anos (uma em cada três) sofrem de desnutrição aguda e pelo menos duas pessoas em cada 10.000 morrem de fome todos os dias.

A situação é o resultado da escalada do conflito nos últimos meses, que provocou deslocações maciças da população, combinadas com o acesso restrito aos abastecimentos alimentares causado por Israel.

No início de março, Israel proibiu totalmente a entrada de ajuda humanitária em Gaza, antes de autorizar, no final de maio, o transporte de quantidades limitadas, provocando graves carências de alimentos, medicamentos e combustível.

Israel, que controla todos os acessos a Gaza, acusa o Hamas de saquear a ajuda humanitária, o que o grupo nega, e as organizações humanitárias de não a distribuírem.

As organizações humanitárias afirmaram que Israel impôs restrições excessivas e considerou muito perigoso distribuir a ajuda em plena guerra.

O ataque de 07 de outubro causou a morte de cerca de 1.200 pessoas e 250 reféns em Israel.

A ofensiva israelita em grande escala provocou mais de 62.190 mortes em Gaza, a maioria civis, de acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, considerados fiáveis pela ONU.