A Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) considerou esta segunda-feira que o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) à lei dos estrangeiros é uma vitória dos princípios humanistas e salientou que esta é uma oportunidade para o Governo repensar. "Eu diria que é [uma vitória] dos princípios humanistas que dão forma à Constituição e que sempre deram forma às nossas leis, que fizeram com que as nossas leis fossem consideradas uma das melhores do mundo e, portanto, creio que é uma vitória dos princípios humanistas que temos", afirmou à agência Lusa a diretora da OCPM, Eugénia Quaresma.

O TC anunciou na sexta-feira o chumbo de cinco normas do decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. Entre as normas chumbadas, estão várias relativas ao reagrupamento familiar, designadamente a que prevê que cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida e que residem legalmente em Portugal têm direito ao reagrupamento familiar apenas com membros da sua família menores de idade, desde que estes tenham entrado legalmente em Portugal e residam no país.

Após o anúncio do TC, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que pedira a fiscalização preventiva de algumas das normas, vetou o decreto, que será agora devolvido ao parlamento para que sejam expurgadas as normas que violam a lei fundamental.

Para Eugénia Quaresma, esta é uma oportunidade para o Governo "repensar, redigir de uma forma mais concertada". "Temos vindo a afirmar que é importante que os partidos políticos se sentem à mesa e que conversem sobre este assunto, porque é importante regular e é importante ser humanista", sustentou, assinalando que o país tem essa "tradição e é importante não a perder".

Para a diretora da OCPM, organismo da Conferência Episcopal Portuguesa criado em 1962, "aquilo que é necessário é a aplicação de uma boa lei". "Espero que esse diálogo tenha lugar e que, de facto, a lei venha um bocadinho mais equilibrada, um bocadinho mais realista também, sem perder o horizonte da regulação, mas que respeite quem cá está e quem trabalha e quem já contribui", adiantou.

O decreto foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.

O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.

Em 21 de julho, O Fórum de Organizações Católicas para a Imigração (Forcim) pediu a Marcelo Rebelo de Sousa para que sujeitasse as alterações à lei de estrangeiros ao TC e lamentou que o tema esteja "refém de ideologias políticas".

Após uma audiência na Presidência da República, Eugénia Quaresma, também coordenadora do Forcim, disse que a comitiva foi recebida pela chefe da Casa Civil, obtendo a "garantia de que vão fazer chegar todas as posições ao senhor Presidente", principalmente a questão do reagrupamento familiar e as limitações aos recursos judiciais.

"Uma das nossas preocupações foi o modo como o processo foi gerido. Nós não negamos a necessidade de regular as migrações, só achamos que este assunto não pode estar refém de ideologias políticas e tem de haver aqui um consenso em torno de princípios", afirmou na ocasião Eugénia Quaresma.


Perigo de "desumanização" nas narrativas


A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) admite que o perigo de algumas narrativas sobre migrantes, especialmente nas redes sociais, é a desumanização, defendendo o envolvimento da sociedade numa onda de empatia. "Há que deixar cair o preconceito, há que enfrentar o preconceito e olhar as pessoas como pessoas, não desumanizar, porque o perigo de algumas narrativas que se encontram, nomeadamente nas redes sociais, é esta desumanização ou, então, acharmos que há um privilégio de umas pessoas sobre as outras", afirmou Eugénia Quaresma à agência Lusa.

A responsável da OCPM, organismo da Conferência Episcopal Portuguesa criado em 1962, falava no âmbito da peregrinação nacional do migrante e do refugiado ao Santuário de Fátima, integrada na peregrinação internacional aniversária de 12 e 13 de agosto, que começa na terça-feira.

Eugénia Quaresma considerou importante que "se perceba que as pessoas não podem dizer tudo, nem de qualquer forma". "Temos de educar a narrativa e muito a partir dos factos e muito a partir das relações de proximidade", preconizou.

Segundo a diretora da OCPM, quando se conhecem as pessoas "muitos preconceitos caem", pois, "as pessoas passam a ter nome, passam a ter uma cultura, passam a ser amigas, é o vizinho". Para esta responsável, chamar as pessoas pelo seu nome, conhecer-se a sua família ou a sua história leva "a um outro tratamento".

"Está na altura de envolvermos, novamente, a sociedade nesta onda de empatia, de reaprendizagem da escuta, da escuta do outro, de troca de histórias, porque se calhar temos experiências muito parecidas, se formos olhar bem", adiantou, destacando que é juntos que se constrói a justiça e não em oposição.

A peregrinação tem o tema "Migrantes, missionários da esperança", o título da mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado, que se assinala em outubro.

As celebrações em Fátima, o momento mais aguardado da 53.ª Semana Nacional de Migrações, que começou no dia 10 e termina no próximo domingo, são presididas por Joan-Enric Vives i Sicília, arcebispo emérito de Urgel, Espanha.

Para Eugénia Quaresma, este é tempo para se olhar para as causas das migrações e para o bem, "para o potencial evangelizador" e "o testemunho de fé que os migrantes dão", pois "é um grande ato de fé sair do seu país de origem e procurar, noutras paragens, uma vida melhor".

"Os migrantes são aquelas pessoas que nos recordam que este planeta Terra é a nossa casa comum. Podemos nascer num espaço, num determinado contexto, mas temos uma imensidão com a qual nos podemos identificar, com a qual podemos sentir, com a qual nos podemos realizar", prosseguiu.

De acordo com a responsável da Obra Católica, "os migrantes são estes protagonistas que lutam pela vida, em primeiro lugar", e que depois vêm para "ajudar a construir, não só a sociedade, mas, de modo muito particular, para as comunidades cristãs", ajudar "a ser mais Igreja".