
Para além das balas, a fome mata na Faixa de Gaza, garante quem por ali, por agora, tenta fazer o trabalho humanitário possível. Raul Manarte, psicólogo português que se encontra no território, não hesita em afirmar: o povo de Gaza está a sofrer “um genocídio”, disse em entrevista à SIC Notícias.
É a segunda vez que Raul Manarte está na Faixa de Gaza. A primeira foi em novembro passado, onde tinha relatado ao Expresso que “quando chego ao hospital não sei se vou ver os meus colegas ou se algum foi morto de noite”. Sobre os ataques das forças israelitas, ressalta que, “ao contrário de outros contextos em que o pior já passou, como no caso de um ciclone, aqui o ataque é constante e as pessoas não estão num lugar seguro, o que limita muito a intervenção na área da saúde mental”.
Oito meses depois, o psicólogo, em trabalho para a organização não governamental Médicos Sem Fronteiras, diz que vê ainda mais destruição e mais fome.
“Os meus colegas estão muito mais magros comparado com novembro ou dezembro. Há mortes associadas à desnutrição. O que há no mercado, quando há, é caríssimo”, revela.
“Não há medicação suficiente, não há água suficiente, não há comida suficiente. Nos hospitais públicos, as pessoas estão no chão. Chegam incidentes em que muita gente é ferida e muita gente é morta ao mesmo tempo. São devido à distribuição de comida que a Fundação Humanitária de Gaza está a fazer, e a fazer mal, porque as pessoas são atropeladas para chegarem à comida, são baleadas para chegarem à comida. Atendemos pessoas baleadas no peito, na cabeça, nas costas nesta distribuição de comida (...)”, conta.
E não hesita em afirmar: “O que se passa aqui é um genocídio. Já estive em guerras e isto aqui é diferente”.
Psicólogo relata “matança de civis em massa”
A afirmação é feita por quem está e constata no terreno as condições legais para que se chame, ao que Israel está a fazer em Gaza, um genocídio.
“Matança de civis em massa, impedir condições necessárias à vida, deslocação forçada para áreas supostamente seguras que depois são bombardeadas (...) O que me vem à cabeça hoje é o miúdo que tenho completamente queimado, com 40% do corpo queimado, se calhar vai acabar por morrer ou por ter três membros amputados porque as evacuações médicas também não são facilitadas.”
Raul Manarte fala em “sofrimento psicológico a níveis jamais retratados” por quem estuda este fenómeno numa parte do mundo onde só os escolhidos por Israel podem entrar ou sair.
A breve conversa com Raul Manarte foi ao final de mais um dia de trabalho intenso, antes do psicólogo comer a pouca comida que levou consigo de Portugal, antes de se lavar com a pouca água salgada que vai conseguindo e antes de tentar dormir o pouco que conseguir.
Raul Manarte diz que é obrigatório um cessar-fogo imediato, parar os ataques e abrir corredores humanitários.
O psicólogo que também é músico diz que a Faixa de Gaza está debaixo de uma tempestade perfeita e hedionda onde homens, mulheres e crianças dão o corpo às balas como o título da canção que escreveu com o músico palestiniano Mahmoud Abdel Salam.