O Dia Internacional do Implante Coclear celebra a primeira cirurgia de implante coclear realizada com sucesso em 25 de fevereiro de 1957 pelo dr. André Djourno e pelo dr. Charles Eyriès em Paris. Este marco histórico revolucionou o tratamento da perda auditiva severa a profunda, oferecendo a possibilidade de restabelecer a perceção sonora a milhares de pessoas em todo o mundo.

Indicado para pessoas com surdez neurossensorial severa a profunda, que não apresentem benefícios com próteses auditivas, o implante coclear é um dispositivo médico eletrónico, implantado cirurgicamente, que transforma os sinais sonoros em sinais elétricos. Estes sinais vão estimular diretamente o nervo auditivo promovendo uma sensação auditiva, permitindo à pessoa ter uma audição útil.

A cirurgia dá início ao processo de reabilitação, seguindo-se a ativação do implante, que ocorre 3 a 4 semanas depois. Num primeiro momento surgem as sensações auditivas. Com o tempo, o cérebro procura a melhor adaptação ao estímulo e a qualidade da perceção auditiva aumenta.

Contudo, a reabilitação auditivo-verbal e comunicacional, para que o cérebro interprete o som que recebe através do implante coclear, é realizada durante várias semanas ou até meses, sendo o envolvimento e trabalhos diários fundamentais para atingir os resultados desejados e dar continuidade ao trabalho dos terapeutas.

Implante coclear
Implante coclear Pablo Jeffs Munizaga - Fototrekk

Em Portugal, a primeira cirurgia de implante coclear foi efetuada em 1985, em Coimbra. E este ano, celebra-se a data tão especial dos 40 anos, que é uma marca cheia de significado para a Saúde Auditiva em Portugal.

Já o Dia Mundial da Audição, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é celebrado anualmente a 3 de março. Esta data visa aumentar a consciencialização sobre a importância da saúde auditiva e promover ações para prevenir a perda auditiva e melhorar os cuidados auditivos a nível global.

Em 2025, o tema designado pela OMS para o Fórum Mundial da Audição é "Audição para Todos: Mudança de Mentalidades, Capacite-se (ou Reabilite-se)", sublinhando a necessidade de garantir que as tecnologias auditivas e os serviços de reabilitação estejam disponíveis e sejam acessíveis a todas as pessoas que delas necessitam.

Perda Auditiva: estatísticas globais e nacionais

A perda auditiva é uma condição prevalente que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com o Relatório Mundial sobre a Audição da OMS, publicado em 2021, cerca de 1,5 mil milhões de pessoas vivem com algum grau de perda auditiva, e estima-se que este número possa aumentar para 2,5 mil milhões até 2050, se não forem tomadas medidas adequadas.

Destes, aproximadamente 430 milhões necessitam de reabilitação auditiva, incluindo o uso de dispositivos como próteses auditivas e implantes cocleares.

Em Portugal, a situação não é menos preocupante. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) indicam que cerca de 5% da população portuguesa apresenta algum grau de perda auditiva incapacitante.

No entanto, a taxa de utilização de dispositivos de reabilitação auditiva permanece aquém do desejável, com muitos indivíduos a não terem acesso ou a não procurarem soluções que poderiam melhorar significativamente a sua qualidade de vida.

Desafios no acesso às tecnologias em Portugal

Apesar dos avanços tecnológicos e médicos, persistem desafios significativos no acesso às tecnologias de reabilitação auditiva em Portugal. Entre os principais obstáculos encontram-se:

  • custos elevados: os dispositivos auditivos, especialmente os implantes cocleares, representam um investimento considerável. Embora o Serviço Nacional de Saúde (SNS) cubra parte dos custos, muitos pacientes enfrentam longas listas de espera e despesas adicionais associadas a consultas, manutenção e substituição de componentes;
  • desigualdades regionais: a disponibilidade de serviços de reabilitação auditiva varia significativamente entre as diferentes regiões do país. As áreas metropolitanas tendem a oferecer mais recursos, enquanto as regiões rurais enfrentam escassez de profissionais especializados e infraestruturas adequadas;
  • falta de informação e sensibilização: muitos indivíduos com perda auditiva não estão cientes das opções de reabilitação disponíveis ou subestimam o impacto da perda auditiva na sua qualidade de vida. A falta de campanhas de sensibilização eficazes contribui para a baixa procura por soluções auditivas;
  • barreiras burocráticas: o processo de obtenção de dispositivos auditivos através do SNS pode ser complexo e demorado, desincentivando muitos pacientes a prosseguir com a reabilitação auditiva.

O caminho para a inclusão

Para além do acesso aos dispositivos de reabilitação auditiva, é crucial garantir que as pessoas com perda auditiva possam participar plenamente na sociedade. A acessibilidade nos diferentes meios de comunicação e a implementação de tecnologias assistivas desempenham um papel fundamental neste contexto.

A legendagem escrita é uma ferramenta essencial para a inclusão de pessoas com perda auditiva. Em Portugal, embora a legislação exija a disponibilização de legendas em determinados contextos, a sua implementação ainda é insuficiente.

Expandir a legendagem e assegurar que todos os conteúdos televisivos, cinematográficos e online sejam legendados, incluindo programas em direto, eventos desportivos e transmissões governamentais é um dos caminhos.

Mas há outras necessidades. Não basta legendar, é preciso melhorar a qualidade e garantir que as legendas sejam precisas, sincronizadas e facilmente legíveis, evitando traduções automáticas que possam comprometer a compreensão.

Importa também promover a legendagem em espaços públicos. Como? Implementando sistemas de legendagem em tempo real em conferências, palestras e outros eventos públicos, utilizando tecnologias como a transcrição automática assistida por inteligência artificial.

Outras tecnologias assistivas

Para além da legendagem, outras tecnologias assistivas podem melhorar a acessibilidade para pessoas com perda auditiva, como:

  • sistemas de indução magnética e bluetooth auracast instalados em espaços públicos como teatros, cinemas e salas de conferências. Estes sistemas transmitem o som diretamente para os aparelhos auditivos ou implantes cocleares, reduzindo o ruído de fundo e melhorando a clareza do som;
  • aplicações móveis de transcrição: aplicações que convertem fala em texto em tempo real podem ser úteis em situações sociais ou profissionais, facilitando a comunicação;
  • alarmes e sinalizadores visuais: dispositivos que utilizam sinais luminosos ou vibrações para alertar sobre eventos como campainhas, alarmes de incêndio ou chamadas telefónicas.


Desafios de pessoas com deficiência em Portugal

A inclusão de pessoas com deficiência, incluindo aquelas com perda auditiva, enfrenta vários desafios em Portugal. Desde logo atitudes sociais. Persistem estigmas e preconceitos em relação às pessoas com deficiência, o que pode levar à discriminação e à exclusão social.

Também a acessibilidade física e digital é uma barreira. Talvez não tenha noção, mas muitos espaços físicos e plataformas digitais não são totalmente acessíveis, limitando a participação plena das pessoas com deficiência.

As taxas de escolaridade e emprego entre pessoas com deficiência são também inferiores às da população em geral, refletindo barreiras no acesso à educação inclusiva e ao mercado de trabalho.

xavierarnau/Getty Imagens

Caminho(s) a seguir

Para superar estes desafios e garantir uma sociedade mais inclusiva, é essencial adotar medidas concretas que promovam o acesso às tecnologias de reabilitação auditiva e a plena participação das pessoas com perda auditiva. Como?

Desde logo com o aumento do financiamento público, reforçando os apoios do SNS para a aquisição, manutenção e substituição de próteses e implantes auditivos, reduzindo os encargos financeiros para os utilizadores.

Mas também reduzindo as listas de espera. Só assim será possível melhorar a eficiência dos processos de avaliação e cirurgia de implante coclear, garantindo que os pacientes tenham acesso atempado à reabilitação auditiva.

Não menos importante é a expansão dos serviços de apoio. Criar mais centros especializados em audiologia e reabilitação auditiva, assegurando um acompanhamento contínuo e multidisciplinar para os utilizadores de tecnologias auditivas. Mais do que importante, é fundamental.

O reforço da sensibilização pública, através de campanhas de informação dirigidas à população em geral, promovendo a deteção precoce da perda auditiva e incentivando o uso de dispositivos de reabilitação, bem como a adoção de legislação que permita implementar e fiscalizar leis que garantam a legendagem universal, a presença de sistemas de indução magnética em espaços públicos e o desenvolvimento de tecnologias assistivas inovadoras, são medidas a ter em conta.

Por fim, mas não menos importante, é necessário criar incentivos para a contratação de pessoas com deficiência auditiva, garantindo que os locais de trabalho sejam acessíveis e que existam adaptações tecnológicas para facilitar a comunicação.

Portugal tem o dever de garantir que todas as pessoas com perda auditiva tenham acesso às tecnologias que lhes permitem ouvir e comunicar, promovendo a sua plena inclusão na sociedade.

A acessibilidade auditiva é um direito fundamental. Cabe-nos, enquanto sociedade, assegurar que nenhuma voz fique esquecida no silêncio.

SIC Notícias

Uma nota pessoal

Viver com perda auditiva é mais do que um desafio médico — é uma luta diária pela inclusão. Desde os 16 anos, quando comecei a usar próteses auditivas, até ao implante coclear em 2007, descobri que ouvir não é só captar sons, mas estar ligado com o mundo.

A otosclerose tentou impor-me o silêncio, tal como fez com Beethoven, mas a tecnologia devolveu-me a audição. E este deveria ser o caminho de tantas outras pessoas no nosso país, que se sentem flageadas no mundo do surdez, e não procuram ajuda, ou a ajuda mais correcta, que deveria começar com profissionais devidamente credenciados, como um médico nos cuidados primários, ou um médico otorrinolaringologista, ou através de um rastreio auditivo devidamente regulado.

Portugal precisa de garantir que ninguém fique preso no silêncio por falta de acesso. Porque Ouvir é Viver!

Artigo de António Ricardo Antunes Miranda - presidente e sócio fundador da OUVIR - Associação Portuguesa de Portadores de Próteses e Implantes Auditivos, e embaixador oficial convidado para a Semana do Som em Portugal 2025