O tema da imigração na Europa é uma discussão sobre uma realidade que não existe – hordas de migrantes que supostamente nos invadem - e leis que não se aplicam – as que impedem a entrada e as que determinam o regresso a casa de quem entrou sem poder entrar. E consequências políticas de uma e de outra coisa.

Segundo os dados oficiais e confrontáveis, apenas seis por cento (cerca de 27.3 milhões) dos quase 500 milhões de residentes na Europa é que não são cidadãos europeus. Se contarmos todos os que nasceram fora da Europa, o número cresce para uns estratosféricos... nove por cento. Menos de 42,5 milhões. E a maioria vem da Suíça, Austrália, Islândia, Israel e Noruega. Só muito depois, abaixo dos quatro por cento, chegam os turcos. E depois, então, os restantes em que se pensa quando se pensa em imigração.

Se falarmos especificamente sobre refugiados, são 1,6 % dos residentes na União Europeia. Cerca de 7 milhões. Convenhamos que está longe de ser uma força invasora. E se os números forem sobre quem entrou irregularmente, embora os que o fazem sejam cada vez mais, ainda assim não estamos a falar nem de 330 mil pessoas que entraram ilegalmente, num ano. Contra cerca de três milhões e meio que entraram legalmente, por exemplo, no ano de 2022. De novo, está longe de ser uma invasão. O problema real é outro. São as leis que não se aplicam. Quem não poderia entrar, entrando já não sai.

O mesmo site da Comissão Europeia reconhece que em 2023, houve cerca de 430 mil pessoas a quem foi dada ordem de saída da UE, por cá estarem ilegalmente. Acontece que desses todos, nem 84 mil se foram embora. Menos de 20%. E isso são problemas. Por um lado, a não aplicação das regras. E, por outro, tornar possível o discurso do “entra quem quiser”. Não entra. Aliás, há muitos que morrem a tentar. Mas, entrando, a maioria fica. O que é um prémio a quem tenta e um incentivo para que muitos corram o risco.

O verdadeiro problema político da imigração não é, portanto, o número de imigrantes ou refugiados a viver na União Europeia, para quem queira saber os números. O verdadeiro problema é que há, de facto, regras que não se aplicam. E isso permite um discurso que precisa de ser contrariado. O que implica, presume-se, descobrir formas de fazer cumprir as regras. Foi isso que alguns chefes de governo da União Europeia discutiram a semana passada, entre si e com a presidente da Comissão Europeia. Como a iniciativa da reunião foi de Giorgia Meloni, alguns jornais e newsletters da bolha europeia consideraram, imediatamente, que havia um concluiu entre a chefe do governo de Roma e o Partido Popular Europeu para uma deriva extremista. Um exagero de sinal contrário ao dos que culpam a imigração de tudo.

É verdade que a reunião aconteceu por iniciativa de Meloni, e que participaram alguns dos (cada vez mais) suspeitos do costume, como a Hungria, a Áustria, os Países Baixos, a República Checa e a Eslováquia. Mas considerar a presença da Polónia, da Grécia ou de Chipre como uma prova de extremismo é um manifesto exagero. Incluir nesses extremistas os governos sociais democratas ou socialistas da Dinamarca e de Malta é mais do que exagerado. Não é honesto e, sobretudo, é querer fazer de conta que o problema é um – uma viragem radical em curso – quando o verdadeiro problema é outro: em todos estes países cresce a convicção de que os eleitores consideram a imigração um problema e consequentemente tendem a votar em partidos extremistas. Tanto por razões verdadeiras como não, mas isso não altera o facto de ser um problema. Aliás, vários. Porque, ao mesmo tempo, os imigrantes fazem falta, como explicou quase poeticamente o primeiro ministro grego, Kyriakos Mitstotakis, ao Financial Times, perguntando: se não forem os imigrantes, “quem colherá as nossas azeitonas?”

O resultado desta iniciativa de Itália é que no fim do Conselho Europeu da semana passada se incluiu uma referência à necessidade de legislação que trate do retorno de imigrantes irregulares. Embora ninguém saiba como fazê-lo.

Até Órban reconhece que nenhum governo vai reunir os imigrantes irregulares e enviá-los para casa, seja lá onde isso for. Confundir quem defende que as regras se devem aplicar, mesmo reconhecendo que isso é complicado – porque não basta mandar embora alguém, é preciso saber para onde, e que o país para onde se envia aceite o retorno – com quem se aproveita politicamente beneficia os oportunistas.

Nesta discussão sobre como impedir a entrada, lidar com quem entra irregularmente e manter a decência na forma como se trata quem procura uma vida melhor, continua a ser essencial distinguir quem identifica o problema de quem utiliza o tema para diabolizar pessoas e promover o ódio a ferramenta política.

Acham mesmo que eles acham que alguém vem do fim do mundo para aqui, correndo risco de vida, para passar o dia numa bicicleta a entregar pizzas, saladas e coxas de frango a quem aprecia o conforto de não se mexer, porque quer rebentar com isto tudo? Claro que não. Nem os extremistas acreditam nisso. Mas dizê-lo rende votos. Chamar extremistas a todos por igual, também. É esse o nosso problema.