
Conhecem-se há muito tempo e José Luís Carneiro até fez questão de lembrar que, enquanto secretário de Estado das Comunidades, acompanhou as primeiras visitas presidenciais de Marcelo Rebelo de Sousa. Esta terça-feira, encontraram-se pela primeira vez nas novas funções de Carneiro como secretário-geral do PS. Mas, ainda antes desse primeiro encontro protocolar no Palácio de Belém, o Presidente da República fez questão de falar de Carneiro para dizer duas coisas: chamar-lhe "líder da oposição" e avisar que está "numa posição muito difícil".
"É uma posição muito difícil ser-se líder da oposição nas circunstâncias em que o atual líder do PS vai ser. Muito difícil. Por minha experiência o digo", declarou Marcelo aos jornalistas, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, à margem de uma conferência sobre Saúde. No seu discurso de posse do Governo, o PR distinguiu os dois partido que lideram a oposição: há a oposição “mais antiga, ainda mais votada e a que tanto se deve na criação da nossa democracia” e “a outra, agora emergente, que mobiliza muitos dos menos jovens mais desiludidos e muitos dos mais jovens portadores de mudanças também mais radicais, que lidera as bancadas parlamentares”.
O chefe de Estado, que falava antes de receber o secretário-geral do PS no Palácio de Belém, em Lisboa, explicou como tencionava conduzir essa reunião: "Eu vou ouvir o que é que o líder do segundo partido mais votado pensa sobre a missão, que eu já sei que é muito difícil, porque eu estive na mesma posição. E depois vou contar-lhe a minha experiência". Marcelo liderou o PSD na oposição, entre 1996 e 1999. "Mas vou ouvir naturalmente a perspetiva dele, como é que vê, como é que tenciona colocar-se perante os Orçamentos do Estado, perante algumas leis fundamentais de regime", especificou.
Sobre orçamento, José Luís Carneiro manifestou abertura para dialogar com o Governo, mas colocando a responsabilidade no executivo em perceber que há "alicerces do Estado social" que o PS não aceita pôr em causa, nomeadamente na saúde.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou que José Luís Carneiro "já disse que, perante a política externa, a política de defesa, questões fundamentais económicas europeias, na justiça, vai procurar consensos de regime". "Vou tentar saber se acha que tem condições para isso ou não. No fundo, para ver se posso ser útil pela minha experiência do passado em alguma opinião ou algum conselho que lhe dê", acrescentou o Presidente.
À saída de Belém, Carneiro reafirmou a sua disponibilidade para um "diálogo construtivo em matérias essenciais do Estado", sem contudo deixar de "afirmar uma alternativa ao Governo". "O PS quer continuar a ser esse partido de grande responsabilidade na defesa da nossa democracia e das nossas instituições democráticas", afirmou o novo líder do PS depois da sua reunião com o Presidente, três dias depois de ser eleito.
Quanto a questões mais concretas, como as alterações legislativas relativas à imigração e nacionalidade, que são discutidas esta semana no Parlamento, José Luís Carneiro disse que tal como estão não merecem a concordância dos socialistas, pelo que "é preciso que o Governo abra a possibilidade de haver uma discussão". E defendeu que os cidadãos dos países de língua portuguesa devem ter um "tratamento merecedor da reciprocidade" que os portugueses têm nesses países. Uma preocupação também já manifestada por Marcelo, que pediu inteligência nas soluções para a imigração de forma a não prejudicar a posição de Portugal no mundo.
"Há dimensões da legislação em curso que naturalmente não podem contar com o voto do PS", afirmou Carneiro, mas quando foi questionado sobre que dimensões e que alterações pretende, remeteu a concretização para o grupo parlamentar. Quanto a outros assuntos, como a marcação do próximo congresso do PS ou o apoio a candidatos presidenciais, não deu resposta porque não tinha ido "tratar de assuntos de natureza interna do PS" com o Presidente.
Já sobre o caso das declarações de rendimentos do primeiro-ministro, o secretário-geral do PS não quis aproveitar o caso. "É um assunto sobre o qual só ele mesmo deve responder, não foi assunto de conversa com o Presidente da República", respondeu sucinto, apesar da insistências das perguntas dos jornalistas. O assunto não terá sido parte da conversa desta terça-feira, mas Marcelo Rebelo de Sousa já avisou que pode ser assunto da conversa semanal com Montenegro.
O secretário-geral socialista anunciou que vai pedir uma audiência ao primeiro-ministro depois de reuniões que pretende ter com o presidente do Parlamento e dos tribunais superiores, manifestando disponibilidade para "servir o país".
As memórias de Marcelo
Antes do encontro, Marcelo Rebelo de Sousa desfiou memórias, lembrando que liderou o PSD na oposição quando António Guterres era primeiro-ministro. No seu entender, estava "numa situação mais fácil" do que a conjuntura em que o PS agora se encontra.
"Não havia tantos partidos como há hoje. O PSD era o partido da oposição e tinha uma posição muito forte. Os outros partidos eram mais pequenos. Não era uma situação paralela a de hoje em que, de facto, há mais de um partido na oposição com uma posição forte, em que há maior número de partidos, há maior fragmentação", apontou. O PSD era então, como agora o PS, "um partido que saiu do poder, esteve muito tempo no poder".
"No meu caso, eram dez anos de governação do doutor Cavaco Silva. E eu sei o que foi. A seguir a ele foi líder o doutor Fernando Nogueira [a liderar o PSD], depois fui eu, e o partido só voltou episodicamente ao poder com o doutor Durão Barroso, seguido pelo doutor Santana Lopes, por um curto período de tempo, para depois haver um longo período de tempo outra vez do PS", recordou.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou os referendos que lançou "contra o Governo" chefiado por Guterres: "Um não se realizou, sobre a Europa, mas realizou-se o da regionalização e o referendo da interrupção voluntária de gravidez, consensualizado depois com o engenheiro Guterres."
"Tivemos umas eleições autárquicas muito vivas em que ficámos empatados, praticamente, o PSD ficou uma câmara do PS. Tivemos, portanto, muitos momentos de atrito. Mas em políticas fundamentais, e sobretudo na viabilização do orçamento, eu viabilizei três orçamentos, sem os quais o país não teria podido entrar no euro e consensualizámos uma revisão concessional", lembrou. "Mas como lhes digo, era mais fácil a minha posição do que a posição do líder atual do PS", ressalvou o Presidente da República.
Questionado se está preocupado as chamadas coligações negativas na Assembleia da República, o chefe de Estado salientou que na anterior legislatura "bastava a abstenção dos partidos mais fortes" da oposição, PS e Chega, mas "agora é preciso que votem em conjunto negativamente". "Veremos se isso é a disposição do líder do PS ou não", concluiu.