Matilde Fieschi

As memórias do acidente que marcam o início de uma carreira bem-sucedida remontam a 2011. “O meu primeiro som a ter sucesso foi depois disso”, recorda o artista Jimmy P.

“Eu podia não estar vivo, ou não ter o braço”, sublinha, expondo as cicatrizes de uma série de cirurgias, vividas durante mais de dois meses de hospitalização.

“Tinha acabado a faculdade há cerca de três anos, e fui trabalhar para uma empresa grande do têxtil. Foi-me atribuído um lugar de chefia, ganhava bem, viajava muito, e gostava verdadeiramente daquilo, mas não estava preparado para aquela maratona”.

Matilde Fieschi

Além dos voos profissionais, demasiado altos naquela fase, Jimmy tinha embarcado numa relação abusiva, e, a determinada altura, o consumo de álcool e drogas tornou-se habitual.

Por isso, ao acordar e se deparar com o ortopedista que o operou, a confusão ainda era total. “Eu não me lembrava de nada, e a minha primeira pergunta foi: é da polícia?”.

A ligação médico-paciente evoluiu para a amizade e, hoje, o músico cuida não apenas das marcas que deixam visíveis cicatrizes na pele, mas também daquelas invisíveis, que criam feridas emocionais.

“Ter tido alguns problemas de saúde mental permitiu desconstruir-me, e perceber certos comportamentos”, nota Jimmy, recém-regressado de uma paragem de um ano, e já consciente dos padrões que foi reproduzindo. “Durante muito tempo, era duro e muito exigente comigo, e se calhar elogiava pouco as minhas conquistas e as coisas boas que fazia. Hoje tenho uma relação muito mais saudável comigo”.

O diagnóstico inclui mais autoconhecimento: “Fui-me tornando mais sensível, e tinha vergonha disso. Com a idade, percebi que não é uma coisa má, acho que é um superpoder”.

Matilde Fieschi

Ao mesmo tempo, essa consciência é indissociável do entendimento com os pais. “A minha mãe saiu de casa para me ter, com 18 ou 19 anos. Foi um ato de coragem e de amor gigante, mas nem sempre consegui ver assim”, admite, sublinhando o apoio incondicional que sempre recebeu do pai, o ex-futebolista Jorge Plácido.

“Estou a educar as minhas filhas, mas preciso de olhar muito para mim para conseguir ser um bom pai”.

No processo de se reconciliar com a própria história e a dos pais, Jimmy defende a importância dessa autoanálise – “Nunca subi a um palco alcoolizado ou drogado, porque quero ter noção do que está a acontecer, quero desfrutar da experiência e quero vibrar na frequência certa” –, que recentemente se cruzou com a espiritualidade africana. “Durante anos ouvi dizer que era coisa do demónio, feitiçaria, magia negra e todas essas expressões”, nota, assumindo o compromisso de questionar o que aprendeu. “Tudo começou quando fui ao Senegal. Senti uma ligação muito forte, e a primeira coisa que fiz quando cheguei a Portugal foi um teste de ancestralidade, que revelou que 50% do meu ADN é daquela zona”.

Matilde Fieschi

Nesta conversa com Georgina Angélica e Paula Cardoso, Jimmy P revela ainda como constrói a sua sorte e resiliência: “Não foram as 10 músicas que tiveram sucesso que me tornaram o artista que sou. Foram as outras que ninguém ouviu”.

Matilde Fieschi

O Tal Podcast é um podcast semanal dedicado às relações interpessoais e aos afectos humanos. Através de conversas profundas com convidados notáveis, o podcast revela uma narrativa original e abre as portas a uma comunidade internacional de reflexão e de interesse.

Pioneiro na cultura negra e afro-descendente em Portugal, é um espaço onde cabem todas as vidas, emocionalmente ligadas por experiências de provação e histórias de humanização.

Em longas conversas sem guião, Georgina Angélica e Paula Cardoso apresentam convidados especiais, em novos episódios, todas as quintas-feiras nos sites do Expresso, SIC e SIC Notícias ou qualquer plataforma de podcasts.

SIC Notícias

Georgina Angélica é especialista em Educação e Intervenção Social. Atua como educadora, formadora e palestrante, com mais de 20 anos de experiência em Portugal, Inglaterra e Angola.

Paula Cardoso é fundadora da rede Afrolink e autora da série de livros infantis ‘Força Africana’. É ainda apresentadora do programa de TV "Rumos" , transmitido na RTP África.

Ouça aqui mais episódios d'O Tal Podcast: