Jean-Marie Le Pen, que morreu esta terça-feira aos 96 anos, marcou a história da política francesa e europeia por ter reavivado a extrema-direita e por ter colocado a imigração entre uma das principais preocupações do eleitorado durante anos.

Fundador da Frente Nacional (FN) e pai da líder do partido que lhe sucedeu (União Nacional, RN na sigla em francês), Marine Le Pen, foi também uma inspiração para os movimentos ultranacionalistas e xenófobos europeus.

Nascido a 20 de junho de 1928 em La Trinité-sur-Mer (Bretanha), filho de pai pescador e mãe agricultora, Le Pen teve uma longa carreira política, que culminou em 2002, quando disputou a presidência contra Jacques Chirac na segunda volta das eleições.

Longa e controversa carreira política

O seu estado de saúde era frágil há já algum tempo e, de facto, esteve afastado da ribalta durante anos, devido a uma rutura política com a sua filha Marine, em meados da década passada, com quem fez as pazes mais tarde.

Em mais de meio século de atividade política, as declarações racistas, negacionistas e antissemitas do patriarca Le Pen levaram-no a várias condenações judiciais, pelas quais foi frequentemente capa de jornais, uma notoriedade que soube utilizar em seu proveito.

A FN, que fundou em 1972, era uma formação marginal e extremista que viria a dar origem ao RN, transformado por Marine Le Pen no principal partido em França em termos de número de votos (mais de 11 milhões) nas eleições europeias e legislativas de 2024.

Graças a esta força, a filha de Le Pen disputou duas presidenciais (em 2017 e 2022), tendo perdido ambas para Emmanuel Macron.

Charles Platiau

Philippe Laurenson

O maior feito do líder histórico foi o de colocar a contenção da imigração no topo da agenda política.

À beira do Eliseu

Le Pen foi influente a partir da sua posição como deputado nacional (1956-1962 e de 1986-1988) e eurodeputado (1984-2019), uma vez que nunca ocupou cargos governamentais.

Esteve perto do poder em 2002, quando ultrapassou o socialista Lionel Jospin e passou à segunda volta das eleições presidenciais francesas, onde foi derrotado pelo conservador Jacques Chirac.

O seu segundo lugar na primeira volta provocou um terramoto político e social e milhões de franceses saíram à rua para protestar contra os seus ideais.

Jean-Paul Pelissier

Dessa mobilização contra a extrema-direita, que se manifestou também no seu isolamento político através do chamado "cordão sanitário" (para impedir que qualquer outro partido celebrasse um pacto com a FN), resta cada vez menos, num país onde muitas das ideias de Le Pen já se normalizaram.

Do extremismo visceral ao "Ronald Reagan francês"

A vaga de atentados jihadistas em França, entre 2015 e 2017, acentuou ainda mais o sentimento de insegurança que serviu para a escalada da ideologia do fundador da FN.

As suas tiradas contra os estrangeiros, especialmente os muçulmanos, convenceram milhões de franceses, sobretudo no sul do país, onde se instalaram centenas de milhares de 'pieds noirs' (´pés negros'), os franceses expulsos da Argélia quando este país se tornou independente em 1962.

As ideias de Le Pen também vingaram no norte de França, onde a desindustrialização galopante dos anos 80 e 90 do século passado deixou um exército de desempregados, que seriam seduzidos pelo discurso nacional-populista.

Charles Platiau

Afastado desde 2015 da presidência honorária da FN pela sua própria filha Marine, devido a declarações que desvalorizavam as câmaras de gás do Holocausto, Jean-Marie Le Pen criticou a abordagem "açucarada" de Marine à imigração ou à Europa, numa tentativa de "desdiabolizar" o movimento e alargar a sua base eleitoral.

"Temos de voltar ao básico, à virilidade", defendeu o patriarca numa entrevista em 2021, que considerara as mudanças no partido "um suicídio".

Anticomunista visceral, Le Pen tinha um slogan preferido: "Os franceses primeiro".

Liberal do ponto de vista económico - chegou a ser considerado o "Ronald Reagan francês" - e conservador do ponto de vista social, o guru da extrema-direita estudou Direito em Paris e entrou para a política na década de 1950, integrando o movimento de Pierre Poujade, que defendia as pequenas empresas contra os grandes supermercados.

Primeiros passos na política

Aos 27 anos, tornou-se o deputado mais jovem de França e, pouco depois, alistou-se como voluntário na guerra colonial da Argélia, onde, como paraquedista, foi acusado de ter praticado tortura.

Em 1973, a FN de Le Pen participou nas suas primeiras eleições legislativas. O seu tesoureiro era um antigo oficial nazi das SS alemãs e entre os seus dirigentes contavam-se colaboradores da ocupação alemã e negacionistas do Holocausto.

Charles Platiau

Outras posições polémicas incluíram referências à "desigualdade das raças" (1996), passando pela ocupação alemã de França, "não particularmente desumana" (2005), ou pela agressão física a um opositor socialista (1997).

Foi também condenado, no final dos anos 1960, por apologia dos crimes de guerra, depois de ter editado um disco com canções do Terceiro Reich. "Sou um homem livre", costumava dizer, desejoso de manter a sua posição antissistema, mesmo que isso significasse marginalizar-se.

Tumultos e polémicas

A 1 de novembro de 1976, foi atacado na sua residência em Paris. A sua mulher, Pierrette, e as suas três filhas - Marine Le Pen tinha então 8 anos - escaparam ilesas.

Nos anos 1980, o empresário de cimento Hubert Lambert legou a sua fortuna a Jean-Marie Le Pen, com a qual comprou a sua atual mansão em Saint-Cloud, nos arredores de Paris.

Após o tumultuoso divórcio de Pierrette - que posou nua na Playboy em 1986, afirmando que a separação a tinha deixado sem dinheiro - Le Pen voltou a casar-se em 1991 com Jeannine Marie Louise Paschos.

O abraço à mulher Jeannine, em janeiro de 2011
O abraço à mulher Jeannine, em janeiro de 2011 Stephane Mahe

Depois de se retirar, dedicou-se às suas memórias, onde voltou aos seus temas preferidos, como a "grande substituição" da população francesa pela imigração.

Nestes últimos meses, Le Pen enfrentava ainda um outro processo, com o Parlamento Europeu a reclamar a devolução de mais de 300 mil euros por ter faturado indevidamente à instituição despesas efetuadas durante o seu mandato.