
Mulheres intimidadas pelos patrões para abdicarem da redução de horário para poderem amamentar os filhos continuam a pedir ajuda aos sindicatos, que denunciam a falta de fiscalização que impeça estes abusos laborais.
A Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) recebeu este ano uma queixa "feita por uma mulher referente à violação do direito de dispensa para a amamentação", mas não recebeu qualquer denúncia por parte da entidade empregadora de trabalhadoras que estariam a abusar desse mesmo direito, contou à Lusa a presidente da CITE, Carla Tavares.
No entanto, aos sindicatos "continuam a chegar relatos" que acontecem um pouco por todo país, em especial nos trabalhos com maior presença de mulheres, como o setor da saúde, restauração, comércio ou da indústria.
"Tivemos vários exemplos de limitações e até situações extremas" de trabalhadoras impedidas de usar a licença de amamentação, disse à Lusa Fátima Messias, coordenadora para a Comissão de Igualdade entre Mulheres e Homens da CGTP-IN, recordando uma "situação extrema".
"As entidades patronais pretendiam obrigar as mulheres a espremer as mamas para provar que ainda tinham leite para as suas crianças", recorda.
A comissão não tem dados do número de queixas nem de denúncias, mas a coordenadora garante que "o direito à amamentação ou à aleitação continua a ser um direito muito pressionado pelas entidades patronais", levando muitas mulheres a desistir à priori de um direito previsto na lei.
"As situações do assédio laboral acabam por criar limitações, intimidações e auto-condicionamentos por parte de muitas trabalhadoras", alertou Fátima Messias, reconhecendo que estas situações dependem muito das mentalidades de quem gere as equipas.
"Quando se trata de rentabilizar o pouco pessoal que se tem, atira-se por terra direitos essenciais para as crianças e para as mães", acusou.
Governo quer limitar redução do horário de trabalho por amamentação
O Governo apresentou no final do mês passado uma proposta de alteração à Lei do Trabalho que prevê que passe a haver um limite de redução do horário de trabalho - até aos dois anos de idade - para amamentar. A medida foi fortemente contestada por várias organizações assim como as declarações da ministra do Trabalho que disse haver mulheres que se aproveitavam da lei para não trabalhar, sem ter revelado até ao momento quantos casos tinham sido identificados.
"As declarações foram de tal forma insensíveis e desumanas que mostram, ao mesmo tempo, o verdadeiro pensamento destes governantes . Quem pensa assim, sem ter o mínimo de bases para sustentar o que está a dizer, lançando suspeições individuais e ilegítimas em relação às mulheres que são mães e que têm crianças pequenas", criticou Fátima Messias.
Lá fora condições são melhores, por cá há falta de fiscalização
A coordenadora da Comissão de Igualdade entre Mulheres e Homens lembra que na maioria dos outros países europeus as famílias têm melhores condições para conseguir conciliar a vida familiar e profissional. Além disso, acrescentou, lá fora "os mecanismos inspetivos das leis do trabalho são muito mais eficientes".
Em Portugal "falta fiscalização que garanta que não há abusos" por parte das entidades empregadoras e são raros os casos de sancionatórios, lamentou.
A Lusa questionou a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) sobre queixas, denúncias e sansões aplicadas, mas não obteve qualquer resposta até ao momento.
Fátima Messias considera que a legislação em vigor "é positiva em matéria de maternidade e paternidade" e que "não há nada que justifique alterar o que está".
"O direito da amamentação para a mãe e da aleitação para o pai já está devidamente clarificada na nossa legislação, o problema são as violações, porque é que o Governo, em vez de atacar as violações patronais e as limitações, ataca as mães e as crianças? É uma coisa desumana, absurda, maquiavélica . Sabe-se que há violações, sabe-se que há mulheres que são pressionadas, grávidas que são despedidas, mas em vez de atacar os infratores, atacam-se as grávidas e as crianças", sublinhou.
Entre 2021 e 2024, a CITE não recebeu queixas, tendo apenas dois registos apresentados por mulheres em 2020. Do lado da entidade empregadora, neste período nunca houve queixas de abusos, contou Carla Tavares.
Denúncias de mulheres forçadas a espremer mamas levou Ordem a abrir inquéritos em 2015
Em 2015, o jornal Público noticiava uma situação que estava a acontecer no Hospital de São João, no Porto. As trabalhadoras eram chamadas a consultas de saúde ocupacional e era-lhes pedido que esguichassem leite para provarem que ainda amamentavam e assim poderem continuar a ter redução do horário.
Já no Hospital de Santo António, também na cidade invicta, uma enfermeira também teve de fazer prova de que amamentava, espremendo as mamas, para que pudesse manter aquele direito de redução de horário.
Na altura, o Hospital de Santo António, reagiu à denúncia confirmando o caso. Contudo, o presidente do Conselho de Administração desse hospital, Sollari Allegro, dizia que foram dadas "três alternativas" e que foi a própria enfermeira a escolher espremer as mamas para comprovar que continuava em fase de amamentação.
“Uma era a expressão mamária, a segunda era um esvaziamento com bomba e a terceira era o doseamento da prolactina. Aquilo foi feito por escolha das pessoas, sendo feito sempre por uma médica. Foi opção delas, é esse o protocolo”, disse, à data, Allegro em conferência de imprensa, frisando que “o Conselho de Administração não pediu nada em específico, pediu que se estabelecesse um protocolo que verificasse essa situação”.
A polémica levou a Ordem dos Médicos a abrir inquéritos disciplinares a médicos envolvidos em prova de amamentação. Na altura, a OM/Norte frisava que “a licença de amamentação” (o direito à redução do horário de trabalho até duas horas por dia para dar de mamar às crianças) está consagrado no Código do Trabalho e é uma “ilegalidade” e uma "ofensa grave” aos direitos das funcionárias a simples convocatória para consulta no serviço de saúde ocupacional com o propósito de efetuar uma prova de evidência de leite.