
Os dados constam da tese de doutoramento do economista angolano Francisco Paulo, defendida recentemente em Portugal, em que abordou o impacto da reforma tributária nas receitas fiscais não petrolíferas em Angola entre 2008 e 2021.
Segundo o estudo, consultado hoje pela Lusa, foram analisados três momentos-chave da reforma fiscal em Angola em 13 anos, com os resultados a apontarem que a criação do Programa Executivo para a Reforma Tributária (PERT), em 2011, levou a um aumento de 46% das receitas fiscais.
A criação da Administração Geral Tributária (AGT), em 2015, também contribuiu para o aumento de receitas fiscais não petrolíferas em 140,5% e a introdução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), em 2019, gerou um aumento de 115,6%.
Em declarações à Lusa, Francisco Paulo, investigador assistente do BRU -- ISCTE (Centro de Investigação Multidisciplinar do Instituto Universitário de Lisboa), disse que as referidas fases da reforma tributária em Angola "contribuíram significativamente para o aumento das receitas fiscais não petrolíferas em termos nominais".
"A reforma [fiscal] teve um impacto no aumento nominal das receitas durante esse período, mas como percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) total não petrolífero a reforma teve um impacto negativo. Esta reforma não conseguiu aumentar as receitas fiscais como percentagem do PIB ou em proporção do PIB", referiu o investigador.
A pesquisa constatou que a relação entre impostos não petrolíferos e a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) não petrolífero, "que deveria ser positiva, foi negativa" entre 2008 e 2021, sobretudo devido à "forma indiscriminada" com que se concederam isenções fiscais nesse período.
"Há muitas empresas no setor não petrolífero em Angola que beneficiaram de isenções, apesar de terem capacidades de pagar impostos, e a reforma [tributária], infelizmente, não olhou nas questões das isenções fiscais, não olhou, completamente ignorou", disse.
Se a relação entre o PIB não petrolífero e as receitas não petrolíferas "é negativa, isso aconteceu porque a reforma não conseguiu lidar com os incentivos fiscais ou isenções fiscais que foram dadas de uma forma indiscriminada", explicou o também investigador colaborador do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN).
Na sua tese de doutoramento em economia, defendida "com distinção" em março passado em Lisboa, Francisco Paulo abordou também a relação entre os impostos e os índices de democracia em África.
A análise, que abarcou 50 países africanos no período entre 1980 e 2021, concluiu que, à medida que os impostos aumentam nos países africanos, os níveis de democracia seguem o mesmo ritmo, "sugerindo uma relação positiva" entre fiscalidade e cidadania.
De acordo com o investigador, os Estados africanos que mais cobram impostos, em especial à população e sobre empresas que estão ligadas ao setor extrativo, "são países com maior nível de democracia".
"Porque o cidadão, quando paga o imposto, depois exige maior responsabilização dos governantes, porque entende que ao pagar imposto é participe da vida pública e que quer, de facto, que o dinheiro seja bem gerido", justificou.
Mas esta relação entre o imposto e a democracia, ressalvou Francisco Paulo, "é uma relação côncava, ou seja, há um determinado limiar a partir do qual o aumento da carga fiscal pode diminuir o nível de democracia".
A tese de doutoramento de Francisco Paulo, escrita integralmente em língua inglesa e disponível no repositório do ISCTE, teve o apoio e financiamento do CEIC-UCAN e do Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo, da portuguesa Fundação para a Ciência e Tecnologia e das norueguesas CMI e Scanteam.
DAS // MLL
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