
O Governo indiano assegurou sexta-feira que irá manter-se à margem da escolha do sucessor do Dalai-lama, contrastando com a China que rejeita o processo e considera o líder espiritual tibetano um separatista da região anexada.
Num comunicado sobre o plano de sucessão do Dalai-lama, o Ministério dos Negócios Estrangeiros do governo de Narendra Modi afirma que não tomará "qualquer posição" em questões de fé.
"O Governo da Índia não toma qualquer posição ou pronunciamento sobre questões relacionadas com crenças e práticas de fé e religião", disse o porta-voz do Ministério, Randhir Jaiswal, em resposta a perguntas dos meios de comunicação social sobre o recente anúncio do líder espiritual tibetano.
O país "sempre defendeu a liberdade religiosa para todos na Índia e continuará a fazê-lo", sublinhou.
Na quinta-feira, o ministro indiano dos Assuntos das Minorias, Kiren Rijiju, afirmou aos meios de comunicação locais que a decisão caberia exclusivamente ao líder budista.
"Todos aqueles que seguem o Dalai-lama acreditam que a reencarnação deve ser decidida de acordo com as convenções estabelecidas e os desejos do próprio Dalai-lama. Mais ninguém tem o direito de decidir, exceto ele e as convenções vigentes", afirmou Rijiju.
Apesar do tom neutro, ao definir a sucessão como uma questão de "fé e religião", a Índia adota a estrutura defendida pelo Dalai-lama e rejeita implicitamente a posição da China, que insiste que a sucessão é uma questão política interna sujeita à aprovação do Estado.
A posição da Índia é fundamental, dado que o país tem sido o lar do Dalai-lama desde a sua fuga do Tibete em 1959, bem como refúgio de dezenas de milhares de tibetanos.
A decisão do líder espiritual, que completa este domingo 90 anos, foi rejeitada pela China, que anexou o Tibete nos anos 1950.
Embora a Índia não reconheça formalmente o governo tibetano no exílio, a sua decisão de acolher e proteger o líder espiritual é um ponto constante de atrito diplomático entre as duas potências asiáticas, que têm as suas próprias disputas fronteiriças nos Himalaias.
Na quarta-feira, o Dalai-lama afirmou que a instituição espiritual que lidera há mais de oito décadas "continuará após a sua morte" e que o processo de escolha do seu sucessor será feito "de acordo com a tradição budista tibetana", afastando a hipótese de extinguir o cargo, como chegou a admitir no passado.
Numa declaração gravada transmitida durante cerimónias de oração que antecedem o seu 90º aniversário, o líder espiritual e Nobel da Paz indicou que a busca pelo sucessor deverá seguir os rituais estabelecidos desde a criação da instituição, em 1587.
"O próximo Dalai-lama deverá ser encontrado e reconhecido segundo a tradição do passado. A instituição do Dalai-lama continuará", afirmou Tenzin Gyatso, o 14º Dalai-lama, numa mensagem lida também à margem de uma conferência que decorre em Dharamshala, norte da Índia, com a presença dos mais altos lamas das diferentes escolas do budismo tibetano.
A afirmação surge após anos de especulação em torno da possível extinção da linhagem espiritual, alimentada por declarações anteriores do próprio Dalai-lama, que admitiu poder vir a ser o último líder espiritual.
O Dalai-lama fugiu do Tibete em 1959, após uma revolta esmagada pelas tropas chinesas em Lhasa, e vive desde então no exílio em Dharamshala.
A tradição budista tibetana sustenta que o Dalai-lama pode escolher o corpo no qual será reencarnado - algo que, segundo o líder, acontecerá "fora da China", um desafio direto às autoridades chinesas.
O 14º Dalai-lama deverá no domingo deixar pistas sobre o local onde poderá encontrar-se o seu sucessor ou sucessora, após a sua morte.
A China reiterou na quarta-feira que o sucessor do Dalai-lama deverá ser "aprovado pelo Governo central".
"A reencarnação de figuras budistas de grande relevo, como o Dalai-lama e o Panchen Lama, deve ser determinada por sorteio através da Urna Dourada e posteriormente aprovada pelo Governo central", afirmou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Mao Ning.