São muito poucas as instalações de saúde que ainda funcionam na região do Darfur, no Sudão, e, por isso, as grávidas têm de fazer jornadas angustiantes para obter cuidados médicos. Insegurança, postos de controlo e transportes não só escassos mas também a preços elevados obrigam-nas a deslocarem-se ao longo de vários dias por caminhos difíceis a pé ou de burro – do que resulta, frequentemente, complicações durante o parto, abortos espontâneos e mesmo a morte.

Nas zonas ocidental e central do Darfur, muitas mulheres que vivem em áreas longínquas dos centros urbanos têm os partos em casa, confiando nos métodos tradicionais. A escassez de instalações de cuidados de saúde, as distâncias que têm de percorrer, a inseguranças nas estradas e o preço dos transportes levam a que as mulheres que precisam de cuidados médicos acabam por só os procurar quando enfrentam já complicações, ficando com a própria vida e a dos recém-nascidos em enorme risco.

Morrer no caminho

Dados da Organização Mundial de Saúde indicam que mais de 70 por cento das instalações de saúde nas áreas afetadas pelo conflito, como o Darfur, praticamente não funcionam ou estão completamente fechadas. Milhões de pessoas encontram-se, assim, sem acesso a cuidados que são vitais, no contexto de uma das mais graves crises de enormes necessidades humanitárias na história recente.

“Uma mulher teve o parto em casa e não conseguiu remover a placenta; começou a perder sangue e, então, levaram-na às pressas para o hospital”, recorda o responsável médico do projeto da Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Hospital Zalingei (zona central do Darfur), Wendemagegn Tefera Benty. “A família teve de a carregar um dia inteiro de caminhada; quando finalmente chegaram [ao hospital], ela já tinha morrido por causa da hemorragia.”

A guerra em curso no Sudão tem um impacto profundo na saúde das grávidas e dos bebés, particularmente no que toca a partos prematuros. O conflito deixou as pessoas sem trabalho e interrompeu o acesso a alimentos e a água potável. Daqui resulta que muitas grávidas chegam aos hospitais desnutridas, o que afeta diretamente a saúde dos bebés, causando frequentemente partos prematuros e desnutrição. Após o nascimento, estes bebés têm amiúde de ser internados para observação, de forma a garantir-lhes a sobrevivência e bem-estar.

“A maior dificuldade é conseguir comida para os meus filhos. Tive de trabalhar muito enquanto estava grávida e talvez seja por isso que o meu bebé nasceu frágil. O acesso a cuidados de saúde também é muito difícil, mas a MSF ajudou-me”, conta uma paciente de 35 anos na ala de maternidade do Hospital Murnei (zona ocidental do Darfur), onde a MSF presta apoio.

Um hospital para meio milhão de pessoas

Na zona central, o Hospital Zalingei, também apoiado pela MSF, é a única unidade hospitalar de encaminhamento que disponibiliza cuidados secundários de saúde para umas estimadas 500 mil pessoas. Não existe mais nenhuma instalação médica em toda esta área onde seja providenciada assistência ao parto. Na sala de cirurgia do Hospital Zalingei, as equipas da MSF fazem mais de 40 cesarianas de emergência por mês.

Afaf Omar Yahya, de 35 anos, sentia fortes dores abdominais quando a gravidez estava quase a chegar ao fim. Em casa, e devido à escassez de transportes no Darfur, teve de enfrentar a difícil escolha de fazer uma deslocação de várias horas, num burro, para alcançar o Hospital Zalingei. À chegada, a equipa médica informou-a que tinha sofrido um aborto espontâneo e que tinha de lhe ser feita uma cesariana de emergência.

“Perder o bebé foi o mais doloroso para mim”, lamentou Afaf mais tarde, enquanto recuperava na ala de maternidade.

Mulheres em todo o Darfur partilham experiências semelhantes a esta, mas não há nenhuns sinais de melhoria nesta situação.

“Para a maior parte das pessoas que recebemos com complicações, estas complicações são causadas por fatores pós-parto domiciliário e por anemia durante a gravidez”, explica a responsável pelas atividades de parteiras no Hospital Zalingei, Virginie Mukamiza.

Belen Filgueira

“Não há nada”

As mulheres grávidas procuram cuidados médicos quando têm hemorragias após o parto ou sépsis.

“A maioria das instalações de saúde no Darfur são agora meros edifícios vazios. Não há staff, não há medicamentos, não há nada”, frisa a responsável pelas atividades de parteiras no Hospital Murnei, Osanatu Sento Bangura. “Antes da guerra, as pessoas tinham acesso a pelo menos centros de cuidados primários de saúde próximos de onde viviam. Agora, têm de depender de grandes hospitais que estão longe delas.”

Muitas destas situações podiam ser evitadas com consultas pré-natais e sistemas adequados de encaminhamento de pacientes desde as instalações de cuidados primários. Mas a maior parte dessas estruturas estão fora de serviço desde o início da guerra, ou dependem de ajuda humanitária – a qual é pouquíssima – para prestar os serviços que são tão necessários.

Passados 12 dias desde o parto em casa, Sameera deslocou-se à clínica móvel da MSF na aldeia de Romalia, numa área remota do Darfur ocidental, para que ela mesma e o bebé fossem examinados. Sameera chegou com febre alta e ferimentos infetados num braço. Após o parto, sentira uma dor abdominal terrível.

O irmão dera-lhe uma injeção para lhe baixar a febre, mas ferira-a no procedimento. Ela estava com dores e não conseguia sequer segurar bem no bebé. Após serem feitos exames, a equipa da MSF na clínica concluiu que ela tinha uma infeção grave no braço e prontamente lhe desinfetaram a ferida, fizeram a ligadura e prescreveram tratamento.

Os efeitos de longo alcance da guerra no Sudão ameaçam encurralar as mulheres e raparigas num ciclo interminável de desnutrição, declínio no estado de saúde e morte materna.

Belen Filgueira

A MSF reitera que é imperativo aumentar drasticamente a prestação de ajuda humanitária, que salva vidas, e o acesso a cuidados de saúde no Darfur. As partes beligerantes têm de garantir acesso sem restrições para a entrega de assistência humanitária e aliviar os obstáculos que impedem a população civil de obter cuidados de saúde. Simultaneamente, o envolvimento total dos doadores deve ser assegurado, para aumentar o financiamento sustentado e impulsionar a resposta humanitária nesta região do Sudão.