No ano em que se assinalam duas décadas desde que a obesidade foi reconhecida em Portugal enquanto doença crónica, não é demais lembrar que constitui o principal fator de risco para a diabetes tipo 2, a forma mais comum da doença. Em 43% dos casos, a obesidade é responsável pelo seu desenvolvimento.
Assente numa predisposição genética, aliada a hábitos de vida menos saudáveis e ao excesso de peso, da diabetes advêm múltiplas comorbidades graves, como a doença cardiovascular, o AVC, a insuficiência renal, a depressão, a cegueira, as gangrenas dos membros inferiores, estando também associada ao aumento da mortalidade por determinados tipos de cancro. O risco de morte prematura por diabetes tipo 2 está aumentado em cerca de 80% e a esperança de vida reduzida entre 12 a 14 anos.
Dados recentes estimam mais de 800 mil pessoas com diabetes em Portugal e outras 300 mil estarão por diagnosticar. Como doenças crónicas e progressivas, a carga da obesidade, da diabetes e das comorbilidades – doenças associadas - que ambas acarretam, representam um enorme impacto no sistema de saúde, sem desconsiderar a sua dimensão económica, social e psicológica. As duas doenças associadas também costumam ser conhecidas por “diabesidade”. É, por isso, importante encarar a ligação entre as duas patologias como um verdadeiro problema de saúde pública, promover a educação e agir.
Tratar a diabetes tipo 2 implica sempre uma alteração do estilo de vida, aliada à terapêutica farmacológica. Em boa verdade, a predisposição genética não joga a favor, nem o ritmo de vida atual, levando à progressão da doença e a inúmeras recidivas. É neste contexto cíclico que a cirurgia metabólica surge como abordagem terapêutica eficaz, com resultados duradouros, permitindo não só o tratamento da obesidade através da redução de peso, como o controlo da diabetes com taxas de sucesso entre 80 a 90%.
A cirurgia é um procedimento seguro, minimamente invasivo e que tem evoluído bastante, fruto da inovação aplicada. É realizada por cirurgiões capacitados, com anos de formação especializada, e com recurso a instrumentos e metodologias cada vez mais inovadoras. O doente é acompanhado por equipas multidisciplinares no pré e pós-operatório, essenciais ao sucesso do tratamento. A evolução registada na área tem permitido reduzir as complicações e ainda mais a taxa de mortalidade, hoje na ordem dos 0,1%.
Importa referir, porém, que o contributo da cirurgia para a diminuição da carga destas doenças será tanto maior, quanto menores forem as barreiras ao acesso. O desafio coloca-se, desde logo, no estigma e discriminação enfrentados pelos doentes – e pelos próprios médicos, provocando um
efeito dissuasor. Os critérios de elegibilidade para cirurgia são rigorosos e excluem casos moderados ou com comorbilidades consideradas menos graves. Tudo isto, a somar aos recursos limitados do Serviço Nacional de Saúde, origina tempos de espera tendencialmente longos. A resposta no setor privado tende a ser mais célere, mas tem custos avultados.
A relação entre obesidade e diabetes é real e deve ser levada a sério. Num país em que os custos associados à obesidade rondam os 0,6% do PIB e a diabetes consome cerca de 7% da despesa em saúde, com milhares de pessoas impactadas, a cirurgia não pode ser encarada como uma opção de último recurso. Ainda que a prevenção continue a ser o melhor caminho, há que consciencializar – profissionais de saúde e a sociedade - para o potencial transformador da cirurgia e o seu imprescindível papel na resolução urgente deste problema de saúde pública. A cirurgia é, seguramente, o melhor meio de prevenir a progressão da doença e tão mais eficaz quanto mais precoce a sua aplicação, reduzindo complicações e sequelas, aumentando o tempo e a qualidade de vida dos doentes