Cientistas de uma equipa internacional descobriram o "primeiro exemplo" de pegadas de duas espécies diferentes de hominídeos feitas quase ao mesmo tempo na margem de um antigo lago africano, revela um estudo divulgado, esta quinta-feira, na revista Science.
A descoberta, na sequência da análise de fósseis com 1,5 milhões de anos, "prova a teoria de que alguns homininos antigos eram vizinhos", segundo um comunicado da Rutgers University, nos Estados Unidos.
Hominino é a designação de uma subdivisão da categoria dos hominídeos, que incluem todos os organismos, extintos e vivos, considerados como estando dentro da linhagem humana que surgiu após a separação dos ancestrais dos grandes macacos, o que terá ocorrido há cerca de seis a sete milhões de anos.
O achado representa "provas concretas de que diferentes espécies de homininos viveram contemporaneamente no tempo e no espaço, enquanto escapavam de predadores e enfrentavam desafios para garantir alimentos com segurança na antiga paisagem africana".
Segundo os cientistas, a descoberta "fornecerá mais informações sobre a evolução humana e como as espécies cooperaram e competiram entre si".
Pegadas foram encontradas no Quénia
Os rastos pertencem às espécies Homo erectus e Paranthropus boisei, as mais comuns da Época Pleistocena (entre 2,5 milhões e 11,7 mil anos), e foram encontrados perto da margem do que um dia se tornaria o Lago Turkana, no Quénia.
"A presença delas na mesma superfície, feitas muito próximo no tempo, coloca as duas espécies na margem do lago, usando o mesmo habitat", disse Craig Feibel, um dos autores do estudo e professor do Departamento de Ciências da Terra e Planetárias e do Departamento de Antropologia da Rutgers, citado no comunicado.
Especialista em estratigrafia (estuda as camadas de rochas) e datação, Feibel determinou a antiguidade geológica dos fósseis em 1,5 milhão de anos e que as pegadas foram feitas no espaço de algumas horas no mesmo local de sedimentos moles onde foram encontradas.
Se os homininos não se cruzaram, atravessaram a margem com horas de diferença um do outro, adiantou o cientista, que realiza investigações naquela zona do norte do Quénia desde 1981.
Segundo Kevin Hatala, o primeiro autor do estudo e professor associado de Biologia na Chatham University em Pittsburgh, nos Estados Unidos, as pegadas também revelam "detalhes fascinantes" sobre a evolução da anatomia e locomoção humanas e dão pistas sobre antigos comportamentos humanos e ambientes.
"Pegadas fósseis são entusiasmantes porque fornecem instantâneos vívidos que dão vida aos nossos parentes fósseis", disse Hatala, que investiga pegadas de homininos desde 2012.
Este especialista em anatomia dos pés e outros coautores do trabalho distinguiram um conjunto de rastos de outro usando métodos que desenvolveram recentemente para permitir uma análise a três dimensões, tendo descoberto que as pegadas das espécies refletiam diferentes padrões de anatomia e locomoção.
"Com este tipo de dados, podemos ver como, há milhões de anos, indivíduos se moviam nos seus ambientes, potencialmente interagindo uns com os outros, ou mesmo com outros animais. Isto é algo que não podemos obter a partir de ossos ou ferramentas de pedra."
Feibel observou, por seu turno, que há muito tempo se levanta a hipótese de aquelas espécies humanas terem coexistido.
O que se conclui através dos registos fósseis?
De acordo com registos fósseis, o Homo erectus, um ancestral direto dos humanos, persistiu durante mais um milhão de anos, enquanto o Paranthropus boisei se extinguiu após centenas de milhares de anos, sem que os cientistas saibam porquê.
Ambas as espécies possuíam posturas eretas, bipedalismo e eram altamente ágeis, sabendo-se pouco sobre como interagiam, tanto a nível cultural como reprodutivamente.
O professor de Geologia e Antropologia considerou as pegadas significativas porque se enquadram na categoria de "vestígios fósseis", que, não fazendo parte de um organismo, são uma prova de um comportamento.
Além disso, não podem ser movidos, ao contrário de fósseis corporais como ossos e dentes, facilmente deslocados pela água ou um predador.
"A ideia de que eles viveram contemporaneamente pode não ser uma surpresa. Mas esta é a primeira vez que isso é demonstrado. Penso que é realmente significativo", adiantou Feibel.