
A Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) defendeu hoje que os cardiologistas devem poder prescrever medicamentos para a diabetes, alertando que a exclusão da especialidade na nova portaria compromete a prevenção de eventos cardiovasculares.
Desde hoje, apenas médicos das especialidades de endocrinologia e nutrição, medicina interna, pediatria e medicina geral e familiar podem prescrever medicamentos da classe dos agonistas dos recetores GLP-1 (semaglutido, dulaglutido, liraglutido e exenatido), onde se inclui o Ozempic, indicado para o tratamento da diabetes tipo 2, mas que está também a ser usado para combater a obesidade e a perda de peso.
Em declarações à agência Lusa, a presidente da SPC, Cristina Gavina, afirmou que os cardiologistas "compreendem perfeitamente" a necessidade de controlar a prescrição para garantir o acesso a quem mais precisa. "O problema", notou, é que muitos doentes coronários, que também são diabéticos, são acompanhados por estes especialistas.
"Cerca de 30 a 40% dos doentes com doença coronária têm diabetes associada e a doença cardiovascular é a principal causa de morte nos diabéticos: Dois em cada três vão morrer de complicações cardiovasculares", elucidou.
Neste contexto, defendeu, ser "impossível tirar um cardiologista desta equação".
Cristina Gavina salientou que o "cenário ideal" seria o seguimento destes doentes em consultas multidisciplinares, com acesso a endocrinologistas, internistas e médicos de família. Porém, alertou, "estamos no país real e no país real muitos doentes" que sofreram um enfarte só terão contacto com o seu cardiologista no primeiro ano após o enfarte.
Por isso, considerou "um erro" impedir que o cardiologista possa prescrever com comparticipação estes fármacos para quem tem indicação.
"As pessoas conhecem estes medicamentos para perda de peso. Para nós, cardiologistas, não são (...). O benefício que queremos para os nossos doentes é a redução da mortalidade, do enfarte e do AVC", realçou.
A especialista sublinhou que o importante é manter os fármacos disponíveis para quem deles necessita, mas defendeu que o problema de acesso não se resolve "limitando as especialidades médicas que podem prescrever com comparticipação".
"É a solução mais fácil, mas não é aquela que vai garantir mais equidade", sublinhou, acrescentando: "Hoje, se quiser, posso prescrever, mas o doente não vai ter qualquer reembolso do SNS. Isso não faz sentido", frisou.
Questionada se esta decisão pode colocar em risco a vida de doentes, a especialista afirmou: "Não queria ser dramática e dizer que vamos pôr em causa a vida imediata dos doentes, mas seguramente que a probabilidade de virem a morrer de doença cardiovascular ou terem um evento cardiovascular vai ser maior", porque estes medicamentos funcionam nestas circunstância.
Adiantou que a SPC alertou o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde há mais de dois meses, através de uma carta, para esta situação, mas "nada foi feito".
Agora, vai reiterar o pedido de revisão da portaria, manifestando-se disponível para contribuir para uma solução equilibrada.
Questionada sobre o impacto da medida, Cristina Gavina estimou que entre 15% a 20% dos doentes com doença coronária têm também diabetes e obesidade. Alguns vão ter acesso aos melhores cuidados e conseguir essa prescrição, mas muitos outros não. "E esses são os que vão pagar a fatura", lamentou.
Num comunicado, também subscrita pelo Colégio da Especialidade de Cardiologia da Ordem dos Médicos, pela Associação de doentes coronários e a Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, a SPC alerta que "um SNS com dificuldades, a imposição desta portaria vai necessariamente fragmentar cuidados e aumentar listas de espera e a sobrecarga burocrática de muitas especialidades médicas".