
A freira brasileira Aline Pereira Ghammachi, de 41 anos, foi afastada do cargo de madre-abadessa do Mosteiro San Giacomo di Veglia, em Itália, depois de ter sido alvo de uma denúncia anónima que a acusava de maus-tratos, abuso de poder e desvio de fundos. Natural do estado do Amapá, no Brasil, Aline vive em Itália desde 2005 e é uma figura respeitada dentro da comunidade religiosa local.
A denúncia, enviada em 2023 ao então Papa Francisco, desencadeou uma auditoria à gestão do mosteiro. A primeira investigação não encontrou irregularidades e recomendou, inclusive, o arquivamento do caso. No entanto, meses depois, o processo foi reaberto sem explicação, noticia a imprensa brasileira.
Aline acredita que o abade-chefe da sua ordem, frei Mauro Giuseppe Lepori, com quem já teria tido desentendimentos, pode ter influenciado a reabertura do processo. Segundo a freira brasileira, o abade-chefe terá feito vários comentários sobre a sua aparência, nomeadamente, que seria "bonita demais para ser freira" e que ninguém acreditaria nela por ser mulher, jovem e brasileira. Aline contou à imprensa brasileira que as palavras eram ditas com tom de gozo.
Na sequência da reabertura do processo, em 2024, o Vaticano enviou uma nova responsável para averiguar a situação no mosteiro que, com base numa conversa, concluiu que Aline era uma pessoa desequilibrada.
Foi então, que a 21 de abril de 2025, dia da morte do Papa Francisco, foi comunicado à freira que teria de se afastar. Nesse dia, uma comissão eclesiástica apareceu no mosteiro, leu um decreto de afastamento e impôs silêncio às religiosas presentes. Aline foi informada de que deveria abandonar o convento e permanecer em isolamento, sob pretexto de precisar de "amadurecimento psicológico".
A freira recusou-se a aceitar a decisão em silêncio. Recorreu ao Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, a mais alta instância judicial da Igreja Católica, e começou a falar publicamente sobre o caso. Disse nunca ter tido acesso aos detalhes das acusações nem ter tido a oportunidade de se defender.
Durante os sete anos em que esteve à frente do convento, Aline foi responsável por várias iniciativas sociais e pela abertura de portas à comunidade: criou uma horta comunitária, apoiou mulheres vítimas de violência doméstica e acolheu autistas. O trabalho foi interrompido com a sua saída.
Nos dias que se seguiram ao seu afastamento, e já sob uma nova liderança, cinco freiras apresentaram queixa na polícia italiana contra a nova madre comissária por violência psicológica. De acordo com a Folha de São Paulo, onze das 22 freiras que lá moravam abandonaram o mosteiro após a saída de Aline. É com esse grupo de religiosas que a freira pretende retomar a sua missão, agora a partir da casa nos arredores de Milão oferecida por um benfeitor.
"Infelizmente, vai haver uma rutura. Nós vamos ter de pedir a dispensa de votos, que é uma obrigação canónica, mas queremos continuar a nossa vida de trabalho e de oração. Nós amamos a Igreja. Vamos começar do zero. Mas com uma visão de futuro, de talvez começar de novo, em outra c ongregação", relatou ao jornal brasileiro.
A história de Aline gerou interesse na imprensa internacional. A televisão pública italiana, RAI, já fez uma reportagem especial sobre o caso e há, inclusive, interesse de uma produtora alemã em adaptar a história para o cinema. Aline espera agora que o novo Papa, Leão XIV, traga justiça.