A história de um embrião com 30 anos que deu origem a um bebé nos EUA poderia teria sido possível em Portugal, mas improvável. A legislação portuguesa impõe limites - mas deixa questões por responder, como explicou em entrevista à SIC Notícias o especialista em reprodução medicamente assistida Miguel Raimundo, além de levantar questões éticas.

Nasceu em julho de 2025, no estado norte-americano do Ohio, um bebé concebido por fertilização in vitro (FIV) em maio de 1994. Durante mais de três décadas, o embrião permaneceu criopreservado até ser adotado por um casal sem filhos.

O nascimento de Thaddeus Daniel Pierce é agora apontado como um dos casos mais extremos de embriões congelados que resultam num nascimento saudável, revela o MIT Technology Review.

Até agora, os embriões congelados durante mais tempo que resultaram no nascimento de uma criança foram criopreservados nos EUA durante pouco mais de 30 anos. A dupla transferência de embriões resultou em gémeos em 2022.

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Embriões congelados: destruir, doar ou investigar?

Ficam armazenados em azoto líquido, suspensos no tempo, muitas vezes à espera de uma decisão que nunca chega. Em Portugal, os embriões congelados só podem ser usados se houver consenso entre os dois membros do casal. Quando esse projeto familiar se desfaz ou o tempo legal esgota-se, restam três destinos possíveis: destruição, doação a terceiros ou utilização para investigação científica.

Nenhuma das opções é simples, nem emocionalmente, nem do ponto de vista ético ou jurídico.

A lei portuguesa permite congelar embriões criados durante tratamentos de fertilidade.

"Os embriões podem ser criopreservados por um período inicial de 3 anos, com possibilidade de renovação por mais 3 anos, mediante consentimento".

Passado esse tempo, caso os progenitores não desejem utilizar os embriões criopreservados, podem optar por doá-los a outros casais para tratamentos de fertilidade ou para projetos de investigação científica, com o seu consentimento.

Se não houver consentimento para essas opções, os embriões são descongelados e eliminados. Mas quem toma essa decisão?

"Há embriões que estão congelados há 15 ou 20 anos"

O especialista em reprodução medicamente Miguel Raimundo diz que milhares de embriões permanecem congelados nas clínicas portuguesas de fertilidade, à espera de uma decisão.

“Há embriões que estão congelados há 15 ou 20 anos, que não foram utilizados. O casal teve os filhos que queria e esqueceu o tema, ou simplesmente não quer tomar uma decisão”, explica o médico.

Estes embriões estão sob a responsabilidade do casal que os gerou e só podem ser usados ou doados com o seu consentimento informado, mas muitos destes casais não respondem às tentativas das clínicas para decidir o que fazer.

“A doação de embriões não é feita em Portugal. Os casais não autorizam doar para outros casais, preferem destruí-los ou doar para a investigação de que doar para outros casais".

Quando o casal se separa ou um dos membros morre

Outro ponto sensível diz respeito ao que acontece quando o casal que criou os embriões se separa ou um dos elementos morre.

“A mulher sozinha não pode usar os embriões. Tem de haver autorização de ambos os elementos do casal, ou já prevista, ou dada no momento do uso. Se não houver autorização expressa, não pode usar”, explica o médico.

Se não houver autorização expressa dada em vida, a utilização dos embriões após a morte de um dos elementos do casal não é permitida.

De qualquer forma, o consentimento pode ser retirado a qualquer momento até à transferência do embrião. Um dos membros do casal pode revogar o consentimento até ao momento da transferência. Isto impede, por exemplo, que uma mulher use os embriões se o outro progenitor retirar o consentimento, mesmo antes da morte.

"Não faz sentido haver tantos embriões congelados"

A dimensão emocional difícil de contornar e a decisão da utilização dos embriões em investigação científica não é fácil.

"Não faz sentido haver tantos embriões congelados (...) A cho que devia haver mudança de paradigma para não termos tantos embriões excedentários como existe atualmente. (...) é preciso esclarecer e dizer que há alternativas".

A solução, para o especialista, passa por maior clareza na lei e uma cultura de decisão antecipada por parte dos casais que recorrem à reprodução assistida.

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A história do bebé "com" 30 anos

O embrião foi gerado por fertilização in vitro (FIV) em 1994, por Linda Archerd e o seu então marido, que tentavam engravidar sem sucesso. Desse ciclo de tratamento resultaram quatro embriões. Um deles foi transferido de imediato e originou o nascimento da filha do casal, hoje com 30 anos. Os outros três foram mantidos em criopreservação.

Após o divórcio, Linda Archerd ficou com a custódia dos embriões e decidiu mantê-los congelados. Durante anos, recusou doá-los para investigação científica ou entregá-los de forma anónima.

"Era importante para mim manter alguma ligação. Estes embriões são irmãos da minha filha", explicou à MIT Technology Review .

Pagou milhares de dólares em armazenamento anual até encontrar uma agência de adoção de embriões que permitia selecionar os destinatários.

Lindsey e Tim Pierce

A escolha recaiu sobre os Pierce, um casal cristão, caucasiano, casado, e residente nos Estados Unidos, os critérios estabelecidos por Archerd com base em preferências pessoais.

Depois de sete anos a tentar ter filhos, Lindsey e Tim Pierce prosseguiram com a adoção. O embrião foi transferido pela clínica Rejoice Fertility, no Tennessee, cujo diretor clínico, o endocrinologista reprodutivo John Gordon, afirma:

“Cada embrião merece uma oportunidade na vida, e o único embrião que não pode resultar num bebé saudável é aquele que não tem a oportunidade de ser transferido".

A clínica, orientada por princípios religiosos, trabalha com o programa Snowflakes, gerido pela agência Nightlight Christian Adoptions, uma das poucas nos EUA especializadas em adoção de embriões. Beth Button, diretora do programa, reconhece que “mais de 90% das clínicas nos EUA não teriam aceitado embriões com esta idade”.

Thaddeus nasceu a 26 de julho de 2025, 30 anos e dois meses após ter sido criado em laboratório. A sua mãe adotiva, Lindsey, diz que nunca tiveram como objetivo quebrar recordes:

"Só queríamos ter um bebé”, afirmou ao MIT Technology Review .

Já Linda Archerd ainda não conheceu o bebé pessoalmente, mas diz ter notado semelhanças:

"A primeira coisa que reparei quando a Lindsey me enviou as fotografias foi o quanto ele se parece com a minha filha quando era bebé. Comparei os álbuns e não há dúvida de que são irmãos".

Thaddeus Daniel Pierce
Thaddeus Daniel Pierce Lindsey Pierce