A manifestação "Não nos encostem à parede", subscrita por mais de 1.600 assinaturas de pessoas e uma centena de organizações cívicas, pretende ser "uma das maiores manifestações" contra o racismo, que a organização espera que venha a contar com "milhares de pessoas", disse à agência Lusa a porta-voz da associação Solidariedade Imigrante, Anabela Rodrigues.
No protesto, agendado para as 15:00 de sábado, os manifestantes marcharão entre a Alameda e o Martim Moniz "contra a ideia de utilizar os poderes do próprio Estado para reforçar a insegurança e cavalgar sobre os imigrantes a culpa de tudo o que acontece no país", disse Anabela Rodrigues.
Sem contestar a realização de investigações e de detenções, a porta-voz especificou que as organizações contestam a realização "destas operações enormes, em que a ideia é trazer a imprensa atrás para mais uma vez dizer 'passa-se isto por esta relação de imigrantes versus criminalidade'".
A operação na Rua do Benformoso reflete uma utilização "dos poderes de Estado para fazer vincar uma ideia política e não exatamente uma situação real", a que os manifestantes querem dizer "basta" para acabar com "esta xenofobia e este racismo que se vai manifestando", acrescentou a também membro do grupo Teatro dos Oprimidos.
Convicta de que a operação no Martin Moniz foi a face visível do que "acontece com frequência em outras zonas da cidade, sobretudo zonas pobres e de imigrantes" Anabela Rodrigues critica a desproporcionalidade destas "grandes operações" cuja eficácia "de uma ou duas detenções" considera "ridícula".
"A população e a sociedade em geral não concordam com este tipo de intervenções, não concorda com este tipo de argumento de continuar a massacrar pessoas que são trabalhadores, e se há, de facto, algumas situações de irregularidades, elas devem ser investigadas, mas ali no Benformoso, como na Avenida de Roma ou no Restelo ou noutra zona qualquer, de forma igual e proporcional", disse.
O protesto conta com organizações antirracistas, de apoio a imigrantes e de bairros, entre os quais a Solidariedade Imigrante, SOS Racismo e Vida Justa, associações como a Casa do Brasil de Lisboa e o Moinho da Juventude, e organizações locais da Mouraria e dos Anjos, como Bangladesh Coletivo, Beahmanbaria Community of Portugal, Cozinha Comunitária dos Anjos, Renovar a Mouraria e Sirigaita.
O apelo à manifestação foi subscrito pelo Bloco de Esquerda, Juventude Comunista Portuguesa, Juventude Socialista e Livre.
Entre os subscritores, encontram-se as escritoras Alexandra Lucas Coelho e Ana Margarida Carvalho; os realizadores Cláudia Varejão, João Salaviza e Susana Sousa Dias; a cantora Cristina Branco, a artista Selma Uamusse e os músicos Luca Argel e Valete; a artista plástica Joana Villaverde, as atrizes Cláudia Semedo, Cucha Carvalheiro, as advogadas Carmo Afonso e Inês Ucha; o jurista Miguel Prata Roque; os jornalistas Anabela Mota Ribeiro e Daniel Oliveira; ou o humorista Diogo Faro.
Da academia, juntaram-se as vozes de historiadores, como Ana Balona de Oliveira, Irene Flunser Pimentel, Manuel Loff, Raquel Varela e Rui Tavares.
Os profissionais de saúde que recentemente promoveram um abaixo-assinado contra a limitação do acesso de imigrantes ao Serviço Nacional de Saúde também se juntaram à convocatória do protesto, bem como moradores, a maioria migrantes, do bairro da Mouraria.
O apelo defende que todas as pessoas que vivem e trabalham em Portugal têm que ser tratadas com dignidade e que esta ação policial não foi um caso isolado.
Além da marcha foi entregue à provedora de justiça, Maria Lúcia Amaral, uma queixa sobre a atuação policial naquela operação, sobre a qual as organizações querem que se apure a legitimidade e proporcionalidade.
A operação policial de 19 de dezembro, no Martim Moniz, resultou na detenção de duas pessoas e na apreensão de quase 4.000 euros em dinheiro, bastões, documentos, uma arma branca, um telemóvel e uma centena de artigos contrafeitos.
O enorme aparato policial na zona, onde moram e trabalham muitos imigrantes, levou à circulação de imagens nas redes sociais em que se vislumbram dezenas de pessoas encostadas à parede, de mãos no ar, para serem revistadas pela polícia.
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Lusa / Fim