A Associação de Investigação de Cuidados de Suporte em Oncologia (AICSO) alertou esta terça-feira para a dificuldade de acesso a medicamentos cruciais para tratamento do cancro das vias biliares, uma doença rara, agressiva e maligna que é diagnosticada tardiamente.
"Estes doentes não têm tempo para esperar. Se há doenças em que podemos esperar pelo medicamento, e são muito poucas e o ideal seria nem esperar, esta não é uma delas", disse a vice-presidente da AICSO.
Em entrevista à agência Lusa, Joana Marinho que é oncologista na Unidade Local de Saúde de Gaia/Espinho (ULSGE) falou da dificuldade de acesso a medicamentos, mesmo para doentes que já integram os chamados Programas de Acesso Precoce, e da morosidade dos processos de negociação entre o Infarmed e as empresas.
"Às vezes a resposta positiva chega e o doente já não tem condições para fazer o tratamento. Um mês é o suficiente para a doença avançar, o doente ficar mais debilitado e já não ter condições para iniciar o medicamento", referiu.
O colangiocarcinoma, ou cancro das vias biliares, é uma doença rara, agressiva e maligna que na maioria dos casos é diagnosticada tardiamente devido à ausência de sintomas específicos e exames de rastreio eficazes.
Taxa de sobrevivência a cinco anos é inferior a 5%
A taxa de sobrevivência a cinco anos é inferior a 5% e 75% dos doentes morrem no primeiro ano após o diagnóstico. Considera-se que este cancro tem um impacto social e económico significativo, levando a um elevado desgaste emocional e físico dos doentes.
Classicamente estes tumores são tratados com quimioterapia e mais recentemente com imunoterapia.
Nos últimos anos têm surgido novas abordagens terapêuticas direcionadas, desenvolvidas especificamente para as alterações genéticas mais prevalentes associadas a estes tumores.
Desde maio de 2023, Portugal e outros países europeus aprovaram um medicamento considerado inovador para portadores da mutação no gene IDH1, que passaram anteriormente por outras linhas de tratamento, mas o fármaco chamado Ivosidenib permanece em fase de avaliação para comparticipação.
"O único tratamento curativo destes tumores é a cirurgia. Mas quando a doença está metastizada [alastrou a outros órgãos] podem-se fazer tratamentos inovadores (...). Já há medicamentos para duas mutações e uma delas é o IDH1. O Ivosidenib é um medicamento que atua na [enzima] IDH1 que está alterada em cerca de 10% a 20% destes doentes. O problema está no acesso. Infelizmente em Portugal temos sempre um longo caminho até ao reembolso dos medicamentos", disse Joana Marinho.
"Sítio onde nascemos não deve determinar a nossa saúde"
Lembrando que no Serviço Nacional de Saúde (SNS), não podem ser oferecidos aos doentes medicamentos que não sejam comparticipados, a médica criticou morosidade de um processo de negociação que se arrasta há mais de um ano.
"Em outros países há acesso ao medicamento. O sítio onde nascemos não deve determinar a nossa saúde", sublinhou.
Para "encurtar" o processo os doentes podem ser integrados num Programa de Acesso Precoce, mas a autorização neste caso também pode demorar mais de um mês.
"O programa de acesso precoce não tem sido linear no acesso. Às vezes conseguimos e outras vezes não", lamentou, enumerando a "via-sacra" pela qual é necessário passar até conseguir uma autorização.
"Num Programa de Acesso Precoce faz-se um pedido à comissão de farmácia do hospital que, dando o 'ok', envia para o Infarmed e o Infarmed analisa caso a caso. Essa análise pode demorar um mês ou mais", referiu.
Segundo Joana Marinho, a taxa de resposta a este medicamento é muito grande: na ordem dos 40% a 60% em alguns doentes.
Alertando que "o tempo é crucial e que a rapidez no acesso a terapias inovadoras como esta pode significar mais qualidade de vida e, para muitos, até mesmo salvar vidas", a AICSO quer incentivar os doentes a lutarem pelos seu direitos e a fazerem-se ouvir.
"Defendo o SNS e sei que o melhor sítio para se ser tratado em oncologia é o SNS (...). Mas acima de tudo defendo a literacia em saúde e o poder dos doentes. A sociedade também tem de fazer o seu papel de reclamar", apontou.
Cerca de 682 diagnósticos anuais em Portugal
Estima-se que, anualmente, em Portugal, cerca de 682 pessoas sejam diagnosticadas com colangiocarcinoma que pode ocorrer dentro ou fora do fígado.
O diagnóstico muitas vezes é tardio porque os sintomas podem passar despercebidos. Quando o tumor está dentro do fígado é assintomático, ainda que existam fatores de risco e doenças associadas.
Quando o tumor está fora do fígado, normalmente leva a uma obstrução da passagem da bílis e deteta-se pela coloração amarelada da pele ou dos olhos.
Além de se dedicar à investigação, a AICSO faz sensibilização junto da população sobre os diferentes tipos de tumores e a importância dos rastreios de diagnóstico.