Qunkasaura pintiquiniestra. Parece que alguém perdeu os dedos à toa pelo teclado, mas é mesmo um nome científico, mais precisamente o nome científico dado a uma espécie de dinossauro que ainda não era conhecida e que foi revelada agora por um grupo de paleontólogos liderado por um português.

O nome dado é, na verdade, menos estranho quando se interpreta a sua formação, vinda de uma junção de referências geográficas e culturais próximas ao sítio de Lo Hueco: "Qunka refere-se à etimologia mais antiga do topónimo da área de Cuenca e Fuentes, Saura alude ao feminino do latim saurus (lagarto), ao mesmo tempo que homenageia o pintor Antonio Saura, e pintiquiniestra é uma referência à gigante Rainha Pintiquiniestra, personagem de um romance citado no Dom Quixote de la Mancha de Cervantes." Razão pela qual uma das reconstituições feitas do dinossauro brinca com essa associação.

Recriação 3D do esqueleto de Qunkasaura com referência a Dom Quixote e Sancho Pança. créditos: GBE-UNED

Os mais de 12 mil fósseis recolhidos durante as obras para a instalação das vias do comboio de alta velocidade Madrid-Levante revelaram uma jazida que levou a que se conseguisse chegar a "uma das coleções de vertebrados fósseis mais relevantes do Cretáceo Superior da Europa". Anunciada a descoberta num paper publicado nesta manhã na revista científica Communications Biology, o português Pedro Mocho, do Instituto Dom Luiz, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, revela que o Qunkasaura pintiquiniestra constitui uma nova espécie de dinossauro saurópode que terá vivido na região de Cuenca, Espanha, há 75 milhões de anos.

Parte do esqueleto de Qunkasaura já está exposta ao público no Museu de Paleontologia de Castilla-La Mancha em Cuenca (Espanha).

Dinossauro novo
Dinossauro novo Restos ósseos de Qunkasaura pintiquiniestra em exibição no Museu Paleontológico de Castilla-La Mancha. créditos: GBE-UNED

"Felizmente, a jazida de Lo Hueco preserva ainda vários esqueletos de dinossauros saurópodes por determinar, que poderão corresponder a novas espécies e que nos ajudarão a compreender como evoluíram estes animais", revela, com entusiasmo, o investigador português Pedro Mocho, que liderou a equipa e a descoberta e uma coleção que tem sido estudada de forma contínua "graças aos projetos nacionais e da Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha". Essa associação, revelam os cientistas, tem permitido "aumentar significativamente a compreensão dos ecossistemas do sudoeste da Europa durante o Cretáceo Superior e identificar várias espécies novas para a ciência". Mesmo porque em Lo Hueco há enorme abundância de esqueletos parciais de dinossauros saurópodes de grande dimensão, que são raros no resto da Europa.

A descoberta publicada hoje na revista científica Communications Biology pode constituir, assim, um primeiro passo num caminho muito mais longo. "O estudo deste exemplar permitiu-nos identificar pela primeira vez a presença de duas linhagens distintas de saltassauroides na mesma localidade fóssil", explica ainda o investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, concretizando que um dos grupos, denominado Lirainosaurinae, é relativamente conhecido na região ibérica — "caracteriza-se por espécies de pequeno e médio porte, que evoluíram num ecossistema insular, uma vez que a Europa era um enorme arquipélago composto por várias ilhas durante o Cretáceo Superior" — mas o Qunkasaura é distinto. "Pertence a um outro grupo de saurópodes, representado na Península Ibérica por espécies de médio-grande porte há 73 milhões de anos. Isto sugere-nos que esta linhagem chegou à Península Ibérica muito mais tarde do que outros grupos de dinossauros", adianta ainda Pedro Mocho.

Relações de parentesco de Qunkasaura com alguns dos saurópodes mais relevantes do Cretáceo Superior e reconstrução do aspeto em vida de Qunkasaura pintiquiniestra. créditos: José Antonio Peñas Artero, GBE-UNED, FCUL

O Qunkasaura pintiquiniestra destaca-se, explicam os cientistas, por ser um dos esqueletos de saurópode mais completos até hoje encontrados na Europa, "incluindo vértebras cervicais, dorsais e caudais, parte da cintura pélvica e elementos dos membros". "A sua morfologia única, especialmente nas vértebras da cauda, oferece novas perspetivas sobre os dinossauros não-avianos da Península Ibérica, um grupo historicamente pouco compreendido."

Parte das linhas de investigações do Grupo de Biologia Evolutiva da UNED sobre os ecossistemas com dinossauros do centro da Península Ibérica, o estudo agora publicado na Communications Biology, identifica Qunkasaura como "um representante dos saltasaurídeos opisthocoelicaudinos, um grupo presente no hemisfério norte (Laurásia)", quando a maioria dos saurópodes do Cretáceo Superior do sudoeste da Europa, "incluindo Lohuecotitan pandafilandi, anteriormente descrito em Lo Hueco, pertence ao grupo Lirainosaurinae, um grupo de saurópodes aparentemente exclusivo do continente europeu".

Novo dinossauro
Novo dinossauro Processo de restauração de parte dos restos de Qunkasaura. créditos: GBE-UNED

"Este estudo sugere que Lo Hueco é o único local onde se conhece a coexistência de ambos os grupos e propõe um novo grupo de titanossáurios chamado Lohuecosauria, que inclui os representantes das duas linhagens. Os lohuecossáurios podem ter tido sua origem nos continentes do sul (Gondwana), antes de se dispersarem globalmente", adiantam ainda os investigadores.

Novo dinossauro
Novo dinossauro Reconstrução do aspeto em vida de Qunkasaura pintiquiniestra. créditos: José Antonio Peñas Artero