Uma das icónicas imagens de Saturno mostra-nos a sua gigantesca sombra a incidir sobre os sete conjuntos de anéis que o rodeiam – o mais longínquo está a 282 mil quilómetros de distância da superfície do planeta –, eles próprios formados por milhares de pequenos anéis, feitos a partir de milhares de milhões de fragmentos de gelo, rocha e pó. Devido à sua espetacularidade visual, há quem diga estes anéis são as ‘joias da coroa’ do Sistema Solar

Uma das curiosidades que os astrónomos descobriram sobre o planeta é a de que o seu interior oscila, fazendo o gigante gasoso mover-se muito ligeiramente, quase de forma impercetível. Os astrónomos e os astrofísicos sabem disso por causa das ‘impressões digitais’ que o fenómeno deixa, sob a forma de ondulações que ficam registadas nos anéis de Saturno.

Recentemente, dois astrónomos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (mais conhecido pelo acrónimo Caltech), nos Estados Unidos da América, escrutinaram dados e imagens antigas captadas pela sonda espacial Cassini, que durante 13 anos orbitou o planeta e os seus anéis – em 2017, a sua missão chegou ao fim quando entrou na atmosfera de Saturno e se desintegrou.

O que procuravam eles nas informações enviadas para a Terra pela Cassini? Novas informações sobre o núcleo de Saturno, com base nas ondulações que ficaram ‘impressas’ nos anéis. E o que concluíram? Que o núcleo de Saturno não é duro e rochoso, tal como defendem algumas teorias sobre a formação e evolução de planetas gigantes gasosos, mas, isso sim, constituído por uma “sopa difusa” de gelo, rocha e fluidos metálicos. Mais: a crer em Christopher Mankovich e Jim Fuller, os dois cientistas responsáveis por esta análise, o núcleo do planeta abarca 60% do diâmetro do planeta (que é de 365 mil quilómetros), uma percentagem muito maior do que o estimado por estudos anteriores.

Os sete conjuntos de anéis (cada um formado por milhares de anéis mais pequenos) vistos a 725 mil quilómetros de distância, olhando de sul para norte. A foto, com cores naturais, foi obtida pela Cassini a 25 de abril de 2007. NASA / JPL-Caltech / Space Science Institute
“A superfície de Saturno move-se cerca de um metro a cada uma a duas horas, como um lago a ondular lentamente. Os anéis capturam estas perturbações como se fossem um sismógrafo.”

“Usámos os anéis de Saturno como se fossem um sismógrafo gigante, para medir as oscilações no interior do planeta”, começa por explicar o astrofísico Jim Fuller, coautor da pesquisa, através de comunicado de imprensa. “Foi a primeira vez que conseguimos sondar sismicamente a estrutura de um planeta gigante gasoso, e os resultados foram bastante surpreendentes”, adianta.

Basicamente, as oscilações no interior de Saturno conseguem produzir flutuações no seu campo gravitacional, e são essas variações na força da gravidade – a qual afeta o tecido do espaço-tempo que existe à volta de Saturno – que produzem padrões nos seus anéis, semelhantes a ondas. Foi em 2013, ao analisar dados fornecidos pela sonda Cassini, que pela primeira se observou, num dos anéis, estas marcas das oscilações de Saturno: os padrões (os tipos de ondas) que elas criam distinguem-se de outras ondas que existem nos anéis, geradas pelas interações gravitacionais com as luas do planeta.

“Saturno está sempre a tremer, mas é algo subtil”, frisa Christopher Mankovich, o principal autor do estudo. “A superfície do planeta move-se cerca de um metro a cada uma a duas horas, como um lago a ondular lentamente. Tal e qual um sismógrafo, os anéis capturam as perturbações na gravidade: as partículas nos anéis começam a mexer-se”.

O anel B de Saturno em alta-resolução. Na imagem surge uma região que está a 98.600 e a 105.500 quilómetros de distância da superfície do planeta. A fotografia foi tirada pela sonda Cassini a 76 mil quilómetros de distância. NASA / JPL-Caltech / Space Science Institute
A sonda espacial Juno, que está a orbitar Júpiter enquanto o estuda, também detetou um núcleo grande e diluído. Teoria e realidade parecem não bater certo.

Segundo o texto enviado aos média pelo Caltech, este novo estudo, publicado a 16 de agosto na revista científica Nature Astronomy, oferece uma das melhores evidências sobre a existência de um núcleo diluído (em vez de compacto e rochoso) em Saturno, indo ao encontro do que, até ao momento, a sonda espacial Juno já descobriu sobre o núcleo de Júpiter, outro planeta gigante gasoso: é o maior planeta do Sistema Solar, com Saturno a ficar em segundo.

Lançada para o espaço em 2011, a sonda Juno, que chegou à órbita de Júpiter em 2016, forneceu informações aos cientistas sobre a forma como a massa do planeta está distribuída nas suas profundezas. Para tal, analisaram quando é que a nave espacial acelerava e desacelerava, em resposta às variações no campo gravitacional de Júpiter: quanto maior a massa, maior a força de gravidade (atração) exercida sobre um objeto.

Tal como explica um estudo de 2019 publicado na Nature, e cujas conclusões tiveram como base os dados obtidos pela Juno, o planeta Júpiter (defendem os autores) tem um núcleo que foge ao que estava teoricamente calculado: em vez de compacto, ele é difuso e compreende quase metade dos 440 mil quilómetros que dão diâmetro a Júpiter. Os cientistas envolvidos nesta pesquisa admitem desconhecer o motivo, mas colocam em cima da mesa a hipótese de, algures na história de Júpiter, um enorme protoplaneta ter chocado contra ele, criando as condições para um núcleo grande e diluído.

Uma imagem impressionante de Júpiter obtida pela sonda Juno, a 29 de maio de 2019. NASA / JPL-Caltech / SwRI / MSSS / Kevin M. Gill

“Os núcleos difusos assemelham-se a lodo”, esclarece Mankovich. No caso de Saturno, o astrofísico especula que “os gases de hidrogénio e hélio no planeta misturam-se, gradualmente, com cada vez mais gelo e rocha, à medida que se avança para o centro do planeta”. “É parecido com o que se passa em partes dos oceanos da Terra, onde a salinidade aumenta à medida que se vai cada vez mais fundo, criando uma configuração estável”.

Os resultados deste estudo desafiam os atuais modelos teóricos que explicam a formação dos planetas gasosos gigantes.

Para os dois investigadores, a ondulação nos anéis que analisaram parece indicar que, não obstante o núcleo do planeta oscilar, este último é composto por camadas estáveis que se formaram após materiais pesados se terem afundado, em direção ao centro do planeta: essas camadas deixaram de se misturar com os materiais mais leves que existem por cima.

“Para que o campo gravitacional do planeta oscile dentro destas frequências peculiares, o interior tem de ser estável, e isso só é possível se a porção de gelo e rocha aumentar gradualmente conforme avançamos até ao centro do planeta”, destaca Fuller.

As grandes conclusões não se ficam por aqui. Se os cálculos de Mankovich e Fuller estiverem corretos, o núcleo de Saturno tem uma massa 55 vezes superior à de toda a Terra, com o equivalente a 17 massas do nosso planeta a ser composto por gelo e rocha, enquanto o resto é um fluido de hidrogénio e hélio.

Para o duo de astrofísicos do Instituto de Tecnologia da Califórnia, os resultados deste estudo desafiam os atuais modelos teóricos que explicam a formação dos planetas gasosos gigantes. De acordo com eles, primeiro surge um núcleo rochoso, o qual atrai, em seguida, uma enorme quantidade de gás. Mas se os núcleos destes planetas forem realmente difusos, tal como defende a investigação publicada na Nature Astronomy, isso significa que planetas como Saturno e Júpiter começaram a incorporar gases logo no início da sua formação.

A 19 de julho de 2019 a sonda Cassini ficou à sombra de Saturno, obtendo esta foto (com a luz do Sol a embater no outro lado do planeta) que embarca uma região do espaço com 651 mil quilómetros de largura. NASA / JPL-Caltech / SSI
Devido à sua baixa densidade, se Saturno repousasse em cima de um oceano, ele flutuaria, como se fosse uma esponja.

Saturno. Uma enorme esfera, quase todo ela de hidrogénio e hélio, com um raio de 58 mil quilómetros e uma circunferência equatorial que supera os 365 mil quilómetros – contra os 40 mil da Terra. A luz do Sol, para aí chegar, demora 80 minutos, enquanto para o nosso planeta as partículas elementares de luz luminosa (os fotões) «só» precisam de oito minutos para percorrer a distância: normal, pois Saturno, o sexto planeta a contar da estrela que está no centro do Sistema Solar, costuma estar, em média, a 1,4 mil milhões de quilómetros da bola de gás incandescente que os terráqueos veem no céu diurno. Já agora, o nosso planeta, por sua vez, está a 150 milhões de quilómetros da estrela e tem uma massa 95 vezes inferior à de Saturno.

Apesar de ter quase 80% da largura de Júpiter, a densidade média de Saturno é muito baixa: 0,685 gramas por centímetro cúbico, tornando-o no único planeta do nosso sistema solar que é menos denso que a água. Basicamente, se Saturno repousasse em cima de um oceano, ele flutuaria, como se fosse uma esponja.

Até ao momento foram confirmados 53 satélites naturais (luas) a girar em torno deste gigante, mas existem outras 29 luas à espera de confirmação. A Terra, como sabemos, tem de se contentar com uma só.

Apesar destes números impressionantes, o que torna Saturno especial para o imaginário coletivo humano são os seus anéis, visíveis a partir de um telescópio ótico terrestre. O primeiro a conseguir vê-los foi Galileu Galilei, em 1610, com um telescópio cuja lente conseguiu aperfeiçoar para observar o mais longe possível. Desde então, já tivemos oportunidade de os observar com um enorme detalhe, assim como a Saturno, muito por culpa de quatro sondas espaciais da NASA. A primeira foi a Pioneer 11 (1970), a que seguiram a Voyager 1 (1980) e a Voyager 2 (1981).

Todavia, foi preciso esperar pela missão Cassini-Huygens – composta por duas sondas e que também contou com o apoio da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Espacial Italiana (ASI), tendo descolado da Terra em 1997 – para que em 2004 uma sonda terrestre chegasse ao sistema de Saturno e começasse a analisá-lo com nunca antes se fez. A sonda Huygens aterrou na sua maior lua, Titã, enquanto a sonda Cassini orbitou o planeta ao longo de 13 anos (completou 294 órbitas), fornecendo dados e imagens únicas (mais de 453 mil fotografias) de Saturno, dos seus satélites naturais e dos anéis que o rodeiam. Foi uma espécie de maná, literalmente vindo do céu – tal como no relato bíblico –, para os cientistas que estudam o Sistema Solar e o resto do Universo.

Saturno, a lua Titã (à esquerda) e a fina linha de anéis. Apesar da enorme sombra que lançam sobre o planeta, os anéis, na maior parte do espaço que ocupam, têm uma espessura que ronda uns meros dez metros. NASA / JPL / Space Science Institute
Milhares de milhões de fragmentos de gelo e rocha, alguns tão grandes como montanhas, dão forma aos anéis. Todavia, a sua espessura ronda os… dez metros.

Além da beleza, o que também se realça nos anéis de Saturno é a sua enorme complexidade. De forma genérica, diz-se que tem sete conjuntos de anéis, embora cada um deles integre milhares de anéis mais pequenos, formados por pedaços de cometas, asteroides e antigas luas esmagadas pela gravidade de Saturno. Cada conjunto de anéis, os quais viajam a velocidades diferentes em redor do planeta, recebeu o nome de uma das primeiras sete letras do alfabeto, à medida que estes iam sendo descobertos,

Para sermos mais específicos, os anéis de Saturno são compostos por milhares de milhões de pedaços de gelo e rocha, cobertos por outro tipo de matéria: pó, essencialmente. Esses fragmentos variam em tamanho, indo de pequenas partículas até pedaços do tamanho de uma casa, embora alguns sejam tão grandes como montanhas.

Da superfície do planeta até ao limite do anel mais distante vão 282 mil quilómetros: indo da região interior para a exterior, primeiro temos os anéis D, C e B, a que se segue uma enorme falha com 4,7 mil quilómetros que os separa dos anéis A, F, G e E. Os principais e maiores (mais visíveis) anéis são os A, B e C, com os restantes quatro, que foram descobertos há menos tempo, a serem mais ténues.

Todavia, e apesar da sua imensa largura, os anéis, na maior parte do espaço que ocupam, têm uma espessura que ronda os dez metros. À escala planetária, isto é o equivalente à espessura de uma lâmina afiada.