A cerca de cinco quilómetros de altitude, no seco e árido planalto de Chajnantor, numa das regiões do deserto chileno de Atacama, mora uma extensa rede de 66 radiotelescópios, alguns deles separados por uma distância de 16 quilómetros, com o poder de captar sinais vindos do espaço ao longo de uma superfície de 6569 metros quadrados, o equivalente a pouco mais do dobro do tamanho da área metropolitana de Lisboa. Dito de outra forma, todos estes instrumentos – cada um, em média, pesa 100 toneladas e custou dez milhões de dólares a ser fabricado – operam em uníssono, funcionando, na prática, como um único e gigantesco radiotelescópio.

Eis o Atacama Large Millimeter Array, um observatório mais conhecido pelo acrónimo ALMA, o maior projeto astronómico do género que atualmente existe e onde trabalha o astrofísico português Hugo Messias. Aos 37 anos, tem um currículo impressionante: licenciou-se em Astrofísica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, onde também fez o doutoramento, seguiu para o Chile para um pós-doutoramento e voltou a Portugal, com uma bolsa da FCT, para um segundo pós-doutoramento no Centro de Competências para o ALMA, como líder científico do grupo. Voltou ao hemisfério sul para um terceiro pós-doutoramento e, desde janeiro de 2020, é astrónomo do departamento de Operações Científicas do maior observatório de radioastronomia do mundo.

Hugo Messias, o astrónomo português junto das antenas do ALMA
Hugo Messias, o astrónomo português junto das antenas do ALMA

A grande missão do ALMA é estudar a radiação eletromagnética emitida por alguns dos objetos mais frios do Universo, considerados dos mais enigmáticos que existem, como são o caso das vastas nuvens de gás no espaço interestelar, onde nascem as novas estrelas, ou as distantes e primeiras galáxias do Universo. Estas regiões do Universo são escuras e a sua luz visível não consegue chegar à Terra. Não obstante, conseguem emitir radiação com comprimentos de onda que rondam o milímetro, dentro da banda do infravermelho, das microondas e das ondas rádio (todas elas invisíveis ao olho humano), pelo que são conhecidas como radiação milimétrica e submilimétrica.

Já agora, para se perceber melhor o que são comprimentos de onda, façamos uma analogia com as ondas sonoras: estas propagam-se através de um meio (que pode ser a atmosfera terrestre) e têm uma certa extensão – ou comprimento de onda. Quando maior o comprimento de onda, menos agudo é o som, e vice-versa. No caso da radiação eletromagnética, quanto maior é o comprimento de onda, menor é a energia emitida. Em sentido inverso, temos a radiação ultravioleta e os raios X, que podem ser perigosos para os humanos, pois têm um comprimento de onda bem mais pequeno e energético.

As grandes descobertas do ALMA, o observatório que a partir do deserto nos deslumbra com imagens nunca antes vistas do espaço profundo
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Desde 30 de setembro de 2011, data em que começou a fazer as primeiras observações ao espaço, que o ALMA consegue captar comprimentos de onda entre os 0,32 e os 3,6 milímetros, o que lhe permitiu, por exemplo, obter uma imagem quase perfeita de um disco protoplanetário a 450 anos-luz da Terra, com planetas já a formar-se em torno de uma jovem estrela – um verdadeiro achado que, segundo os investigadores do ALMA, foi “suficiente para revolucionar as teorias de formação planetária”. Mas a cereja em cima do bolo foi a obtenção da primeira imagem de um buraco negro, em 2019, em colaboração com outros observatórios.

Hugo Messias colaborou com o projeto em questão – o EHT, Event Horizon Telescope – que junta uma equipa de 200 cientistas e que divulgou ao mundo a imagem de um buraco negro na galáxia Messier 87, a 55 milhões de anos-luz da Terra.

“A adaptação do ALMA a este projeto começou em 2012. Lembro-me da primeira vez que vim para o Chile e cheguei ao ALMA: estava cá o Sheperd S. Doeleman [diretor do projeto]. As observações científicas começaram a ser feitas em 2017 e os resultados só foram publicados em 2019. Lembro-me da apresentação e dentro do ALMA haver umas pessoas mais céticas e uns que salivavam por esses resultados. Se é possível, temos de tentar…”, explica o português.

Para conseguirmos comparar a capacidade de observação deste conjunto de telescópios podemos imaginar uma pessoa em Brasília a espreitar pelo buraco de uma agulha que alguém segura em Lisboa.

ALMA
A primeira imagem do supermaciço buraco negro no centro da galáxia M87 ESO

Depois desta mediática revelação, a comunidade científica e os interessados na área aguardam com ansiedade por uma nova imagem, muito mais complicada de se obter – a de Sagitário A*, o buraco negro supermaciço que se situa no centro da Via Láctea.

“É muito mais difícil de fazer e criar do que a Messier 87. Há muitas variações da imagem. Se calhar até já pode existir a imagem, mas cientificamente é preciso validar o conhecimento para assegurar a parte técnica. Para a Messier 87 foram precisos seis artigos para explicar como tudo é feito. É um resultado tão impactante que é necessário mostrar que o trabalho está todo bem feito e validado, e tudo isto é muito trabalhoso”, diz o astrónomo português, adiantando que, a ser revelada tal imagem, poderá de novo ver inscrito o seu nome numa das maiores descobertas científicas da atualidade.

Ao SAPO explica: “Este tratamento de dados em que estou envolvido é algo que faz parte do meu trabalho no ALMA. Quando o artigo da Messier 87 estava feito, convidaram-me para ser coautor. Mas pode acontecer ou não. Claro que este reconhecimento é ótimo, mas a minha mentalidade é a mesma: fico feliz por saber que os dados podem estar aí. É isso que é importante.”

O investigador português também revela a sua surpresa por a notícia da Messier 87 ter extrapolado o interesse da comunidade científica. “O facto de haver uma imagem mudou muito a receção do público ao resultado”, conta, e compara com uma descoberta também extraordinária mas que, talvez por não ter uma imagem associada, não teve o mesmo impacto mediático. Fala-nos das ondas gravitacionais (fruto da colisão de buracos negros), que foram captadas pela primeira vez, nos Estados Unidos, em 2015, e previstas por Einstein em 1916. Este feito contribuiu para o Nobel da Física de 2017 e veio reforçar a Teoria da Relatividade. “É algo não palpável, temos de pensar no caminho que a comunidade científica teve de fazer para construir tecnicamente e conseguir detetar algo a que nunca se teve acesso sensorialmente”, conta-nos com entusiasmo.

A alma do ALMA são as suas antenas e há uma festa de aniversário onde qualquer pessoa pode votar para lhes dar um nome. Mas, afinal, como funcionam elas?

Para construir os 66 radiotelescópios, assim como as infraestruturas que lhe dão apoio, foi preciso abrir o bolso a 1,4 mil milhões de dólares. O custo total inclui o Campo de Suporte às Operações do ALMA, o centro de atividades do projeto e que está situado noutra parte do Atacama, a 2900 metros de altitude. É aí que vivem e trabalham os cientistas do observatório que perscrutam o Universo, rodeados da tecnologia de ponta, incluindo um supercomputador, capazes de analisar todos os dados obtidos pelos radiotelescópios. Por fim, é preciso ter em conta que só em território chileno existem 250 pessoas (incluindo cientistas) a trabalhar para o laboratório – o mesmo número de pessoas labora para o ALMA no resto do mundo, em centros de investigação de vários países.

Ainda sobre as 66 antenas, é preciso frisar que estas, apesar das suas 100 toneladas, não estão fixas ao solo. Existem dois enormes camiões, cada um pesando 135 toneladas, que conseguem transportar os radiotelescópios para outro sítio, criando diferentes configurações que melhor sirvam os interesses de determinada investigação. Deste modo, a distância entre cada um pode variar entre os 150 metros e os 16 quilómetros, o que dá ao ALMA a capacidade de fazer um zoom mais pequeno ou maior conforme o objeto que está a ser analisado, para obter imagens com maior resolução e nitidez, como se fosse uma poderosa objetiva de uma máquina fotográfica.

ALMA
Uma equipa técnica prepara-se para fazer arranjos nas antenas a cinco mil metros de altitude Pablo Bello (ESO/NAOJ/NRAO)

Outro pormenor importante. A principal rede de antenas é composta por 50 radiotelescópios, os quais têm, cada um, um disco com 12 metros de diâmetro: operam em conjunto e de forma síncrona como se fossem um só radiotelescópio – é aquilo a que se chama de interferómetro. Existe uma outra rede interligada, composta por quatro outras antenas de 12 metros e mais uma dúzia de antenas com discos de sete metros, que formam um interferómetro que é complementar ao primeiro, capaz de fornecer uma imagem mais distante (com um maior campo angular) do fenómeno cósmico que está a ser estudado. Dito de outra forma, é como ter alguém ao pé de uma flor a fotografar a abelha que lá está, ao mesmo tempo que outra pessoa está a fotografar a zona do jardim em que a flor está: uma imagem complementa a outra, portanto.

Para celebrar o décimo aniversário, o ALMA convidou o público para uma votação, destinada a batizar as antenas com dois nomes: o primeiro é o nome de um corpo celestial que esteja associado ou possa ser vista pelo ALMA; ou outro é em kunza, uma língua já extinta e que em tempos era usada naquela região do deserto do Atacama.

O observatório não capta a luz visível, mas tem a tecnologia e um relógio atómico capazes de transformar os sinais do espaço em fotografias a cores

Mas o que levou todo este aparato, que mais parece ter saído de um filme de ficção científica, a ser construído de raiz num dos locais mais inóspitos da Terra? E como é que 66 radiotelescópios individuais conseguem trabalhar em uníssono para tirar fotografias às zonas mais distantes e antigas do Universo?

O ALMA nasceu da conjunção de esforços do Observatório Europeu do Sul (o ESO) – do qual Portugal faz parte desde 2000 –, do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO) dos Estados Unidos e do Observatório Astronómico Nacional do Japão (NAOJ).

Com um orçamento anual de cem milhões de dólares, está situado num dos melhores locais do mundo para fazer observações astronómicas. Os sinais que vêm do espaço, sejam eles sob a forma de luz visível ou outro tipo de radiação eletromagnética, acabam por ser fortemente absorvidos pelo vapor de água que existe na atmosfera terrestre. Assim, a atmosfera extremamente seca e a grande altitude do deserto do Atacama acabam por minimizar bastante esse impacto.

Mas, se o ALMA apenas capta sinais que não estão sob a forma de luz visível, como é que o observatório, todos os meses, apresenta imagens de grande resolução que podemos ver a olho nu, de um objeto ou fenómeno cósmico?

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Uma vista clara da Via Láctea com as antenas do observatório Pablo Carrillo (ESO/NAOJ/NRAO)

A resposta é simples. O ALMA, ao direcionar os seus radiotelescópios para determinado ponto do espaço, para estudar um determinado objeto de interesse, recebe a radiação eletromagnética emitido por cada pequeno ponto desse mesmo objeto e daquilo que está à volta dele. Estes diferentes pontos têm comprimentos de onda que são variáveis, podendo ser maiores ou mais pequenos, e isso constitui informação que, através de computadores e programas criados para o efeito, é transformado em píxeis. Diferentes comprimentos de onda vão corresponder a imagens independentes cada uma composta por píxeis: uma vez reunidos, obtém-se uma imagem clara do que foi observado, possibilitando, por exemplo, a separação da emissão da poeira da do gás molecular.

Todavia, para que estas ‘fotografias’ se tornem uma realidade é preciso que a rede de 66 radiotelescópios e os seus equipamentos eletrónicos estejam perfeitamente sincronizados entre si, na altura de receber os sinais: o nível de precisão exigido equivale a uma milionésima de uma milionésima de segundo.

É precisamente por isso que existem neste deserto chileno diversos outros observatórios, a maior parte ligados ao ESO, estando já em construção aquele que será o maior telescópio ótico do mundo, o Telescópio Europeu Extremamente Grande, uma estrutura mastodôntica que estará equipada com um espelho de 40 metros de diâmetro.

Terabytes de dados a atravessar uma longa cadeia de transmissão e um supercomputador a processá-los. Mas não chega: precisam de outro, mais potente

E o que sucede após o sinal que vem do espaço chegar a uma das antenas? Pois bem, ele é transformado pela eletrónica do instrumento num sinal digital, sendo depois enviado por cabos de fibra ótica para o edifício na planície de Chajnantor que é usado para fins técnicos e operacionais. Dentro dessa infraestrutura, um dos edifícios do mundo a maior altitude, está um supercomputador que, com a ajuda de um relógio atómico aí instalado (para garantir que os sinais chegaram de foram sincronizada), vai reunir toda a informação obtida pelos radiotelescópios e processá-la. Os dados gerados por este supercomputador são depois enviados – outra vez por fibra ótica – para o Campo de Suporte às Operações do ALMA, a 28 quilómetros de distância e dois mil metros mais abaixo, para depois serem estudados pelos cientistas. Nada pode falhar nesta cadeia de transmissão de dados.

Hugo Messias, no Centro de Operações do ALMA no Deserto do Atacama
Hugo Messias, no Centro de Operações do ALMA no Deserto do Atacama

Feitas as contas, o ALMA produz todos os dias o equivalente a um terabyte de dados científicos. Mas para os cientistas que trabalham nesta área, é preciso muito mais. Em 2030, esperam ter um supercomputador que processe o dobro desses dados. “O espectro [da radiação eletromagnética] que o ALMA observa tem um comprimento de onda muito largo, e o que esperamos é em cada instante conseguir observar mais”, frisa Hugo Messias. “Vamos imaginar que o ALMA é um rádio: quando sintonizamos as várias frequências não as conseguimos ouvir todas ao mesmo tempo; o que o ALMA faz é observar um intervalo [de frequências] de cada vez e quanto maior esse intervalo, mais informação se tem para o mesmo tempo. Se conseguíssemos observar o mesmo em menos tempo, seria menos dinheiro investido e mais dados para mais pessoas poderem trabalhar.”

Antenas na Namíbia e no espaço e outras ideias para captar mais e melhor informação do céu

Em paralelo, trabalha-se também para melhorar os recetores de cada antena. “Recentemente, começámos a instalar o recetor 1”, afirma Messias, que entretanto recorre à analogia: “É como se cada antena fosse uma orelha que tem espaço para dez tímpanos, que são os recetores das antenas”. As antenas do ALMA têm capacidade para detetar sinais astronómicos em dez bandas de frequência. Os recetores têm vindo a ser instalados ao longo do tempo. “Inicialmente, instalámos os recetores 3, 6 e 7. Um dos planos é também arranjar um recetor que junte o 2 e o 3 para não termos de mudar de recetor para ter acesso à frequência. Fala-se também da hipótese de se poder instalar um 11.º recetor, e até há uma banda de música de astrónomos no ALMA chamada Banda 11”, diz em jeito de curiosidade.

Há também a possibilidade de se poder espaçar antenas e passar de 16 quilómetros para mais de 20 quilómetros a distância entre elas. O objetivo é o mesmo: ter mais informação, de forma mais sensível e com menos ruído instrumental.

Hugo Messias explica que, dentro das várias inovações que se estão a fazer para melhorar a rede de telescópios a nível mundial, uma delas é transferir uma antena do Chile para o deserto da Namíbia, local que chegou a ser equacionado inicialmente para a construção do telescópio ótico mais avançado do mundo, o Very Large Telescope. “Com esta antena, vai ser possível termos um telescópio no hemisfério sul no mesmo fuso que os telescópios europeus”, explica.

Outra das intenções da comunidade científica poderá ser a de enviar telescópios para o espaço. “Podem ser refletores como espelhos ou antenas de três ou quatro metros e, apesar de achar mais difícil, há até intenções para enviar refletores de dez metros”, explica o astrónomo. A ideia é observar de mais uma perspetiva e ao mesmo tempo o que já se observa a partir da Terra. “Isto é algo que já se faz em outros comprimentos de onda mas que ao milímetro é complicado. Quando se meter um telescópio no espaço a imagem da Messier 87 já não vai ficar tão desfocada”, diz em jeito de brincadeira Hugo Messias.

Reduzir as possíveis interferências que os sinais astronómicos podem sofrer na atmosfera terrestre, antes de chegarem às 66 antenas é outro dos grandes desafios tecnológicos do ALMA. Apesar de se situar no deserto do Atacama, um dos locais mais secos do mundo, e a uma enorme altitude, continuam a existir moléculas de água, assim como de dióxido de carbono e oxigénio, que os absorvem, distorcem e atrasam. Um verdadeiro problema para os cientistas e que obriga à utilização de centros de monitorização atmosférica, assim como de sofisticados modelos climáticos, para medir a quantidade de moléculas perturbadoras (principalmente vapor de água) que estão na linha de visão dos radiotelescópios. Uma vez feita uma rigorosa medição, existem programas capazes de ter esses efeitos atmosféricos em conta e corrigir os sinais obtidos, removendo as perturbações a que foram submetidos pela atmosfera. Dito assim, até parece simples, mas está muito longe de o ser.

A pandemia também parou o ALMA e o observatório regressa agora às operações

Somente há cerca de duas semanas, os cientistas puderam recomeçar a regressar ao ALMA com regularidade. Durante quase um ano, este observatório esteve fechado. Depois, tudo recomeçou ponto a ponto, antena a antena, e ainda se está a ver a operacionalidade de todos os recetores.

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Uma imagem do Centro de Operações do ALMA parado durante a pandemia da COVID-19 créditos: Ariel Marinkovic (ESO/NAOJ/NRAO)

É a partir da sua casa em Santiago do Chile, onde o ALMA tem sede, que Hugo Messias fala com o SAPO e é lá que esteve durante grande parte do tempo e dos confinamentos. Durante o período em que não foram feitas observações, os cientistas aproveitaram para “arrumar a casa”, com mais tempo para fazer ciência e, principalmente, para organizar informação. O astrónomo português está agora a coordenar a equipa de planos de operação a nível internacional e acabou por ter mais tempo para se adaptar e conhecer a equipa, mesmo que tenha sido através do Zoom – uma ferramenta que se banalizou com a pandemia, mas que os cientistas já utilizavam para trabalhar.

Há o risco de a tecnologia do ALMA se tornar obsoleta, incapaz de fazer melhores e novas descobertas. O que fazer para o evitar?

Quanto ao ALMA, preparado para estudar a radiação milimétrica e submilimétrica, foi conceptualizado para estudar as primeiras estrelas e galáxias que emergiram da “Idade das Trevas” do Universo, um período que começou 370 mil anos após o Big Bang e que se estende até ao Universo ter um milhão de anos, tendo sido nesta altura que surgiram as primeiras estruturas, sob a forma de estrelas e galáxias – atualmente, o Universo tem a bela idade de 13,8 mil milhões de anos.

Contudo, a evolução técnica e científica nem sempre avançam ao mesmo ritmo. “Tenta-se imaginar em vinte anos o que vai estar a ciência a fazer e constrói-se o observatório, mas os interesses mudam e acaba por ser usado para fins para os quais não foi previsto. Uma coisa que recentemente apareceu foram evidências da formação de um planeta e de material que pode ser usado para a formação de satélites [naturais]. O facto de só agora se estar a conseguir observar isto com este detalhe era impensável nos anos 90. Só alguém muito excêntrico poderia pensar isto, e até poderia nem ser levado muito a sério…”.

Ao mesmo tempo, o observatório vai estudar as galáxias que estão mais perto da Terra, as mais recentes, para estudar e perceber como se formam as estrelas, os planetas e as galáxias quando ainda são jovens. A química complexa que existe nas gigantes nuvens de gás e poeira, capaz de criar estrelas e sistemas planetários, mas que também pode estar na origem de formas de vida, é outro dos alvos das antenas do ALMA.

“Anda-se à procura das moléculas prebióticas, as que vieram antes das mais complexas que depois deram origem à vida. Ainda há muito trabalho a fazer. Quando se aponta para estes discos, ou zonas de formação estelar, há muitas linhas de emissão, evidências de muitas moléculas e muitas nem estão identificadas laboratorialmente”, explica o astrónomo português.

Há um plano a ser traçado para 2030, quando o ALMA comemorar vinte anos. Se mantiver a tecnologia com que está hoje equipada, então “estará a fazer mais do mesmo”, pelo que não conseguirá desvendar com mais detalhe os mistérios do Universo. Dito de outra forma: tornar-se-á obsoleto. É por isso que se está agora a antecipar, com alguma dose de excentricidade a nível de ideias – mas sempre com muito rigor –, quais poderão ser os avanços técnicos que o atualizarão e, acima de tudo, quais os alvos científicos para onde deve virar as antenas, em busca de respostas que se escondem nas regiões mais escuras e recônditas do espaço profundo.